estávamos rodando por uma loja de materiais elétricos e ele me explicava sobre fios e conectores e eu não entendia nada. mas não tive coragem de interrompê-lo. sua voz entrava pelos meus ouvidos numa velocidade absurda, eu podia sentir a velocidade da sua voz espalhada pelo ar se aproximando de mim. ele ria do meu jeito boboca de lhe perguntar umas quatorze vezes "será que vou me lembrar disso quando acordar?". eu ria por ver os mesmos pequenos furinhos em sua camiseta pensando no que minha vó diria sobre aquilo. era mais um segredo nosso! eu disse a ele que se eu entendesse daqueles fios todos consertaria o chuveiro lá de casa. e eu contei pra ele que as coisas não iam muito bem desde o nosso último encontro, ele me deu um beliscão e continuou sorrindo. tinham muitos corredores naquela loja, caminhávamos por eles ora sorrindo ora conferindo preços, eu não conseguia parar de olhar pro rosto do meu avô. meu avô e seus cabelos brancos que eu sempre achei tão bonitos. pra prolongar a conversa eu lhe disse "vô, emagreci dois quilos" e ele falou bem alto daquele jeitão esculhambado "emagreceu nada" - hahaha - eu sabia que estava sonhando e não queria acordar. meu despertador tocou as sete e quinze, tentei não escapar daquele sonho mas abri os olhos e vi as paredes do meu quarto e o dia começando. fiquei na cama remontando as imagens na cabeça enquanto a saudade batia forte no meu peito. e, caramba, a saudade ainda é grande demais pra mim.
Erva Daninha
Paula Klaus
13.3.15
dia 27 de janeiro/2015.
estávamos rodando por uma loja de materiais elétricos e ele me explicava sobre fios e conectores e eu não entendia nada. mas não tive coragem de interrompê-lo. sua voz entrava pelos meus ouvidos numa velocidade absurda, eu podia sentir a velocidade da sua voz espalhada pelo ar se aproximando de mim. ele ria do meu jeito boboca de lhe perguntar umas quatorze vezes "será que vou me lembrar disso quando acordar?". eu ria por ver os mesmos pequenos furinhos em sua camiseta pensando no que minha vó diria sobre aquilo. era mais um segredo nosso! eu disse a ele que se eu entendesse daqueles fios todos consertaria o chuveiro lá de casa. e eu contei pra ele que as coisas não iam muito bem desde o nosso último encontro, ele me deu um beliscão e continuou sorrindo. tinham muitos corredores naquela loja, caminhávamos por eles ora sorrindo ora conferindo preços, eu não conseguia parar de olhar pro rosto do meu avô. meu avô e seus cabelos brancos que eu sempre achei tão bonitos. pra prolongar a conversa eu lhe disse "vô, emagreci dois quilos" e ele falou bem alto daquele jeitão esculhambado "emagreceu nada" - hahaha - eu sabia que estava sonhando e não queria acordar. meu despertador tocou as sete e quinze, tentei não escapar daquele sonho mas abri os olhos e vi as paredes do meu quarto e o dia começando. fiquei na cama remontando as imagens na cabeça enquanto a saudade batia forte no meu peito. e, caramba, a saudade ainda é grande demais pra mim.
bloco de notas:
29.1.15
&
todas essas coisas acumuladas pelo tempo:
sapatos, casacos, xícaras, talheres, travesseiros maltratados e
uma foto sua tomando sol na areia da praia
charutos envelhecidos, esquecidos
você empacotando lembranças
e indo embora
e indo pra longe dessa bagunça que virou a vida
em uma única caixa escrevi: frágil - estava vazia, era onde queria ter deixado meu coração.
15.8.14
post-it
15.7.14
23.6.14
eu sonhei com você. era mais uma daquelas noites, longas, regadas a álcool e raiva e sexo. você usava um chapéu e nunca esteve tão ridículo. eu sabia o tempo todo que aquilo tudo era só fantasia, fumaça branca na chaminé numa tarde de inverno. acordei e, ainda bem!, você não estava mesmo aqui. fui tomar uma ducha, fui cuidar da minha vida. algumas lembranças só sobrevivem na imaginação.
3.1.14
desajeito
e
cuidadosamente separei você de mim
nas fotos, uma por uma
eram muitos álbuns
e
eu não pretendia sair de casa
até terminar.
contornei as nossas mãos entrelaçadas
e
não deixei qualquer vestígio
da minha pele junto da sua
assim me parecia fácil
afastar-nos.
uma e outra não teve jeito
ou eu levava um braço seu
ou você ficou com mechas dos meus cabelos
acho que deve ser assim
mesmo
alguns pedaços se misturam
de um jeito muito difícil
de desembaraçar.
Ps.: procurei no dicionário o significado da palavra "embaraço": dificuldade; estorvo, obstáculo /2. perturbação de espírito / 3. hesitação / 4. [popular] gravidez / 5. [medicina] leve doença, no canal digestivo.
12.11.13
15.10.13
11.9.13
eu só consegui concordar abobalhadamente "é... Valda é um nome legal"
a porta abriu na estação república e ela saltou rindo "até pra balinha de hortelã"
28.5.13
que a comida era boa demais,
que a casa ficava numa rua pouco movimentada,
que não havia tempo pra alimentar ou passear com um cão
que não se comemora aniversários por aqui.
e então estou sozinho pensando nela, nessas coisas sobre ela, com meu rancor chutando latinhas. com meu pau duro.
eu, e todos esses outros que sentem o mesmo por ela.
29.4.13
20.2.13
deixe seu recado após o sinal:
18.1.13
17.1.13
numa lista:
16.1.13
15.1.13
24.5.12
pós escrito.
29.1.12
fecha a porta quando sair.
3.1.12
a noite na cidade é a mais bonita de todas.
28.11.11
ps.
sossega, eu vou tentar evitar te olhar quando passar por mim. evitar tudo isso. mesmo sabendo que vai doer mais do que tá doendo agora.
24.11.11
suor...
25.10.11
M.
Marli era a mulher mais bonita daquele lugar. ela era a mulher mais bonita do bairro todo. a mais encrenqueira também. uma vez ela discutiu com um cara que pediu pra ela dançar, o cara era um mané e usava roupas coloridas e gastou a maior grana pagando bebia pra todo mundo. ele se apaixonou pela Marli. mas ela tinha perdido o marido e o filho num acidente e desde então a única coisa que fazia era beber todas as noites com uma grana gorda que ganhou do seguro e ficar lá puxando papo com a gente. ou só ficava lá sozinha, bebendo sozinha e amaldiçoando o destino. o mané colocou a mão na sua cintura e mal conseguiu ver de onde veio a pancada com toda a força batendo do lado direito da sua cabeça. caiu no chão e ela pisou no seu pinto com o salto da sandália. o cara ficou gemendo lá no chão e ninguém se importou muito.
com o tempo tínhamos cada vez menos o que conversar, ela estava afundando numa escuridão que só ela podia compreender. eu acho que ela precisava daquilo. com o tempo ela perdia a cor, perdia a aspereza, ela estava indo embora. as vezes sumia por dias e eu não a procurava.
meu telefone tocou perto das quatro. tocou um bocado até que eu consegui me equilibrar sonâmbulo até a sala. disseram que saiu sangue até pelos ouvidos. não sabiam quando tinha acontecido, mas alguém sentiu um cheiro, alguém arrombou a porta e alguém achou que eu precisava saber.
o Joca apareceu em casa, trouxe uma garrafa de conhaque e ficamos sentados na sala. liguei o rádio e ouvimos "Oh goodbye everybody / I believe this is the end / I want you to tell my baby / Tell her please, please forgive me / Forgive me for my sins". torci pra que ela tivesse encontrado seu perdão, e que enfim pudesse ir embora como gostaria. adormeci no colchonete e não vi a hora que o Joca saiu, deixou anotado num pequeno pedaço de papel marrom: tudo termina ás 15 horas. mas eu não quis ir ao velório. eu me sentia realmente tranquilo. estranhamento calmo. pensei em tudo que já tinha feito até aquele instante. sentia o peso de cada osso do meu corpo, cada pedaço de pele já flácida. fiquei pensando na miséria da vida, nas dores da gente que ninguém pode alcançar. fiquei pensando na Marli e senti saudades. alcancei a garrafa e logo adormeci novamente. o telefone tocou todo o resto da tarde.
17.10.11
the frog and the owl.
5.7.11
"então não faça isso, se não é o que realmente quer fazer"
"você não sabe de nada, você é um bosta... tô chorando porque essa tesoura é uma merda, e toda essa situação é uma merda. e você não sabe de nada"
"não sei. eu nem quero saber, só sentei aqui porque gostei dos seus brincos"
"bicha!"
"gostei da idéia de arrancá-los da sua orelha" O que era cretinamente sincero.
"sai fora, eu não gostei de você. eu não quero conversar. eu só quero ficar aqui e tomar uma decisão, sabe?"
"não sei... mas acho que não deve decidir nada ainda. você devia tomar essa cerveja comigo"
"eu quero. e depois você vai atirar em mim?" Ela quase riu, mas cravou os dentes nos lábios.
"não. eu não vou atirar em você. só vou ficar aqui olhando pra janela daquele apartamento (apontei com o revólver)"
"ela é muito bonita. ela é realmente bonita. acha que foi por isso que ela ficou com ele?"
"foi por minha culpa"
"e ele ficou lá por sua culpa também?"
"eu não sei de nada..."
"eu sim. ele mentiu muito. todas as noites e dias e anos. ele é um miserável, sabe? ele mastiga bem as palavras. posso entender porque ela deixou que ele ficasse lá. agora, essa sua arma não muda nada"
"e você trouxe essa tesoura pra quê?"
"foi presente dele. queria devolver..."
ficamos bebendo em silêncio. ela não olhava pra janela do apartamento, ela não tirava os olhos da fotografia. ficamos ali por horas sem dizer uma única palavra. apenas bebendo. o garçom colocou a mão sobre o meu ombro e nos levantamos. tirei o dinheiro do bolso e então ela me encarou. não tinha nada nos seus bolsos, assim como nos olhos. deixei o revólver sobre a mesa, a morena ajeitou o vestido e colocou a fotografia debaixo da arma. eu atravessei a rua e levantei a gola do meu casaco. acenei pro táxi. ela foi pro outro lado, com a tesoura na mão direita. acenei pra ela. nunca mais nos encontraríamos.
22.6.11
[21/06]
Gostava dela. Sim, eu gostava muito daquela mulher. Do seu jeito de ficar louca e arranhar minha cara em seus ataques de fúria. E depois cair em si e me fazer curativos e me chupar e me morder com a doçura descontrolada que só encontrei naquela mulher estranha. E disseram que eu estava encharcado, que eu tinha detonado o bar e uns caras estranhos, eu só me lembro de não tê-la visto sair. Alguém começou o papo sobre ela e o que fazia antes de me conhecer. Antes, aquele antes, e todo o inferno de volta em mim. Alguém que provavelmente não me conhecia e não conhecia aquela incrível mulher, alguém que resolveu arriscar o seu pior dia num papo tolo pra cima de mim. O decreto era esquecimento, oras! quebrei mesas, uns dentes que talvez tenham ficado em meio a todas as garrafas quebradas. Esvaziadas antes da confusão. Outro me pedia pra sair, pra sair antes que a coisa ficasse feia de verdade. O que ninguém ali ou em qualquer outro lugar sabia é que a coisa toda já tinha me matado antes. Então agora eu era um fantasma cheio de raiva e ela tinha um passado sujo que eu precisava esquecer. Era só ter evitado um olhar, um único olhar e eu não teria ficado louco por ela. Os cabelos claros caindo no ombro, a pele tão clara que eu podia atravessá-la com meus olhos de lobo. Sua boca desenhava um raio na minha memória e foi aí que eu fiquei totalmente preso a essa criatura. E sempre havia algum herói embriagado querendo me acordar desse pesadelo. Mas é o meu pesadelo que me mantém vivo, cheio de sede, me mantém longe das encrencas de verdade. Bancos, filhos, a empresa de energia elétrica e carrinhos de supermercado.
Uma noite ela entrou na sala com a cara retorcida, seus olhos faiscavam. Meu pau ficou duro na hora. Desliguei a tv e sorri. Ela me acertou no queixo com alguma coisa tão dura quanto a minha ereção. Depois disso se sentou ao meu lado e tirou uma garrafa pequena da bolsa, repousou a garrafa nos joelhos e ficou encarando o pequeno frasco. Começou a cantar uma música baixinho. A minha pequena criatura louca ficou ali cantarolando baixinho por alguns minutos até que levantou a garrafa e deu um bom gole, me estendeu o próximo. Recostou a cabeça no meu ombro. Tirei o maço do bolso e acendi um cigarro. Ela se ajoelhou e tirou meus sapatos carinhosamente. Sorriu. Abraçou minhas pernas, abraçou como se aquilo fosse outro pedido de desculpas. Não pelo golpe certeiro no queixo, mas por ter me encontrado. Por voltar todas as vezes, por não conseguir sair daqui. Ela, ruidosa e cuidadosamente colocou de lado meus sapatos e beijou meus pés. Aquilo foi a coisa mais bonita que já vi na porra da minha vida.
Aqueles lábios faiscantes!
A garrafa bateu com força no meu queixo, mas não quebrou. O queixo sim.
E ela depois levantou do sofá e enquanto vestia a calcinha (uma mulher vestindo a calcinha com um cigarro entre os dedos é a outra coisa mais bonita que eu já vi) me encarou séria e me pediu pra esquecê-la. Eu dei de ombros. Eu jamais poderia impedi-la. Deitamos no chão, apagamos a luz. Ela começou a cantarolar uma música, meu peito doeu, implodiu, e então não pude evitar e comecei a cantar com ela. Era nossa última chance, e não nos veríamos nunca mais.
(caixa de corerio)
1.4.11
30.3.11
trinta e cinco motivos pra estar aqui
17.3.11
03 de Março
Espero que você tenha muitos bons momentos, e que seja uma menina forte pra enfrentar os outros que vem junto.
12.1.11
Amanheceu o primeiro dia de nossas vidas. E hoje, recortando reminiscências, lembro dos cafés da manhã que sempre deixávamos pra depois quando, cambaleantes e estranhamentes felizes, voltámos de mãos dadas e corações escondidos no bolso.
7.1.11
assim como preciso de todas as minhas convicções e desesperanças, duas doses ao cair da noite e um bom livro por perto. assim, oras, como preciso acreditar no que sinto pra continuar, mesmo sendo isso uma puta encrenca. assim como agora os barulhos vindos da cozinha já são outros, outra vez, e eu tenho tido medo de andar sozinha na rua de madrugada. como se fosse perseguida, ou como se estivesse sendo só ignorada. não, não me peça pra esquecer coisas, aquelas que também são minhas, não me peça pra ser gentil e jogar fora. faça somente a sua parte, eu cuido das minhas próprias feridas. como os gatos que se limpam e se cuidam, que saem por aí e não precisam de um afago, a menos que queiram um. um ponto final. um momento de paz e as suas histórias dos tempos no cortiço. uma amiga me contou que na grécia as pessoas não entendem a piada, aconteceu o mesmo comigo ontem a noite. saindo do cinema olhei pro outro lado da rua e notei fachadas e luminosos emoldurando a noite, pessoas falando sobre sonhos e desejos, um cara dormindo na calçada mais triste da avenida paulista. eu sonhando com pessoas que eu nem conheci e acordando atrasada. correndo até o ponto de ônibus, faminta, pensando tediosamente em erros recorrentes.
17.12.10
24.11.10
pontadas no apêndice
Mal consigo enxergar o teclado ou a tela do computador, agora. Nem minhas próprias mãos, trêmulas, conseguem cessar o chorar, agora. Deus sabe que hoje eu queria (precisava) ler extamente aquilo, aquilo que você escreveu, e se não foi ele só pode ter sido o Diabo na tentativa de me socar ainda mais a cara. Deu certo, os dois me trouxeram ao lugar certo, e como eu queria levantar agora dessa cadeira e ir até aí te pedir um colo e um copo com água. Dois minutos de silêncio. Eu aprendi a dosar certas coisas, como o pó de café no filtro melita. Tenho sentido medo de dormir com a porta aberta, tenho tido pesadelos e tô viciada em criar histórias quais não consigo botar no papel. E você entende tudo isso, né Dri? Você entende quando eu digo que tô morrendo de vergonha e que meus ataques de cólera são tão malucos e angelicais quanto todo o resto do que eu digo, penso, mastigo e cuspo, não entende? Eu acho salto de verniz vermelho a coisa mais linda do mundo, no seu pé, e acho que os teus cachos deveriam ser proibidos porque depois de encará-los é impossível escapar. Eu não lembro como foi que isso aconteceu, e acho até que acontece toda vez que eu te vejo e lembro de uma frase do Caio F. que é mais ou menos "cada um tem seus processos... você precisa entender os seus" e eu não lembro como foi que isso começou. Eu te amo. Ontem, você sacou tudo, me olhou e riu, eu chorava de raiva, você também, por isso a gente rachou o bico. Me perguntou porque eu brigava tanto com o passado e eu disse que se soubesse te contava só pra gente fazer alguma piada, poque eu tava precisando tanto de uma, bem naquela hora. Eu te disse na frente do espelho que nós duas sofremos da mesma dádiva (pra não repetir a palavra loucura o tempo todo), rachamos o bico e talvez abrimos mais uma fenda no tal muro de nossas lamentações. Porra, eu achei que tava no meu melhor disfarce, daí você se aproximou com o riso rasgado e me pergunto aquilo, sobre aquela raiva que eu tava tentando esconder (mentira, tava nada, você percebeu isso também) chutando lata no escuro.
Rachamos o bico! Espero que seja pra sempre assim.
23.11.10
É HOJE >> E É OBRIGATÓRIO:
Nosso assessor de imprensa Ademir Muniz veio com essa "é muito bom ver um projeto que sai do papel, ou nesse caso, vai pro papel!"
É isso.
*
Coquetel de lançamento do livro “Os tiros vêm do paraíso” + festa de “inauguração” da Panelinha Books
dia 23 de novembro de 2010, terça-feira (HOJE)
20hs
Club Noir (r. augusta, 331)
entrada franca
preço do livro: R$ 10,00*
*preço promocional apenas para o dia do lançamento
E eu queria poder escrever agora tudo que penso e sinto quando leio os poemas dessa minha Amiga, mas me calo, e abro num sorriso tudo quanto importa no dia de hoje: alegria!
Parabéns Luana, eu sou sua fã!
6.11.10
27.10.10
23 de Novembro - no Club Noir
Anotem: será dia 23 de novembro, no Club Noir, às 20h."
5.10.10
28.8.10
19.8.10
as minhas descrições
2.8.10
28.7.10
22.7.10
sabíamos
8.7.10
Aê Pagoto!
Lançamento do CD - Velhos Bêbados Barrigudos Tocadores de Blues
Hoje, às 18h30 - Amanhã, às 12h30
Centro Cultural São Paulo (CCSP)
Rua Vergueiro, 1.000, Paraíso - Sala Adoniran Barbosa
Tel. (011) 3397-4002
Grátis!
3.7.10
ps.
1.7.10
27.6.10
17.6.10
tá tudo bem
29.5.10
então saímos de casa planejando um passeio pelas ruas do bairro, já passava das onze, o jornal tinha sido uma merda como tem sido ha algum tempo, tínhamos cupons pra comer uma pizza, comemos. descemos a rua lateral, nós é que demos nome a essa rua, lateral, porque quando voltamos pela madrugada, trôpegos, damos nomes as coisas e aos lugares, é sempre a mesma coisa. eu andando dois passos atrás, fumando o cigarro até a bituca, olhando mais pro chão do que pra ela. ela falando sobre quase todas as coisas do mundo, gracejando, olhando pros meus pés e pra minha cara, andando sempre um pouco mais depressa que eu, pra evitar que nossas mãos fiquem muito próximas. sábado de noite, carros com famílias indo e vindo, namorados aproveitando sombras noturnas e beijos nervosos, cachorros, neblina. um bar logo a frente, entramos. sentamos numa mesa de três cadeiras acolchoadas. tinha música, tinha cerveja gelada e eu estava me sentindo bem, ali com ela e aqueles botões audaciosos da sua blusa.
gosto de sangue na minha boca. esse quarto revirado, cena de partida, silêncio. um trago no cigarro com um gemido de dor, acho que me atropelaram, um guinú enfurecido e não sei porque penso num guinú de camisa flanela, xadrez como um tabuleiro de jogos, copos arremessados, o garçom segurando meus pulsos, o olhar assustado que ela jogou pra cima de mim. acabo de me lembrar o nome do guinú, e de lembrar da cena inteira em que ele enlaçava a cintura dela, que sorria, que dançava, que sorvia goles de cerveja sem culpa, sem perceber quando me levantei desequilibrado e falei sobre suas manias e despejei uma caneca de ciúmes sobre seus cabelos. o bar fervia pois ainda era cedo pra noite se cansar. seguramos um no braço do outro e ela me lançou aquele olhar de quem me mataria naquele exato segundo se pudesse. entramos numa farmácia vinte e quatro horas, ela pediu água oxigenada e esparadrapo e uma gaze. eu fiquei olhando comisinhas, todo tipo de camisinha, antes era só pedir um pacote de camisinhas e trepar, agora te perguntam até o sabor, e ninguém trepa como antes também. o atendente olhou dentro do decote dela, me aproximei e fechei o botão da blusa sorrindo, e voltei pras camisinhas, o atendente entregou o que ela pediu e ela me pediu a grana, eu falei pra ela que camisinha agora é preservativo e tem cheiro de pasta de dente, ela soltou um vai se foder indiferente e enfiou o troco no bolso do jeans. daí eu olhei pra sua bunda, uma bunda empinada, redonda, uma bunda pequena. eu me apaixonei por aquela bunda e por todas as noites quando ela se virava de costas e se espremia em mim, ela se ajeitava e dormia enquanto passava boas horas bolinando sua bunda pequena. sentamos na calçada da farmácia e ela enrrolou os cabelos molhados de cerveja e prendeu no alto. eu perguntei porque estava tão brava e ela não respondeu, apenas derramou água oxigenada na minha cara e nas minhas mãos que sangravam e fez um curativo. ficamos um bom tempo sentados ali, em silêncio, ela começou a chorar. eu sabia que as coisas não estavam bem pra nós, mas eu queria que ela soubesse que eu a amava e eu soltei seus cabelos e os beijei, ela soluçava. acendi um cigarro e ela me acompanhou, ficamos fumando idéias silenciosas.
você sempre faz isso, você é um puto fodido
e aquele viado queria o que, minha putinha?
eu quero beber umas cervejas, meu cabelo tá grudento, vou gastar seu dinheiro com cervejas
tem um bar aqui perto, prometo me comportar mamãe - eu disse repetindo uma brincadeira iditoa que sempre fazia ela sorrir.
ela sorriu e se levantou e me ajudou a me levantar. beijei seus lábios. entramos em outro bar e não tinha música, ela se debruçou no balcão e perguntou se podia usar o banheiro, o cara no balcão apontou pra uma portinha no final de um corredor. ela segurou minha mão com cuidado pra não desfazer o curativo, eu pedi uma cerveja pra cada e ela foi andando rindo baixinho como uma louca. entramos no banheiro feminino e ela se sentou num balcão pequeno ao lado da pia, seu rosto já não era tão jovem mas muito bonito, e seu jeito de falar e gesticular e rir e seu jeito todo era uma coisa insuportávelmente bonita. eu pedi desculpas e antes que eu tivesse terminado algum tipo de explicação ela enfiou a língua dentro da minha boca e abriu meu zíper. saímos do banheiro quando alguém bateu na porta. pegamos nossas cervejas e sentamos no balcão. ela ficou roendo unhas e fazendo círculos invisíveis sobre o balcão com a ponta dos dedos roídos. saí pra fumar um cigarro. lembrei de quando a conheci. pensei nas coisas que mudam o tempo todo, nas dificuldades pra voltar atrás e pra seguir em frente, nos preços das coisas nos supermercados, nos anúncios de emprego e nas falcatruas políticas, eu passaria o resto da noite parado ali enquanto poucos carros passavam e as pessoas iam pra algum lugar fazer coisas incríveis como todos nós deveríamos fazer, a noite merece ser boa, e os postes piscavam, falhavam, a luz amarelada refletia nos retorvisores e era como um piscar de olhos pra mim, a noite me seduzia.
quando voltei ela continuava com seus círculos e me dise que tinha muito medo de não ficar velha no tempo certo, como se as coisas tivessem que acontecer a todo instante e ela estivesse perdendo tempo. eu entendi. eu disse que pra ficarmos velhos era só sentar numa poltrona confortável e esticar a pernas e esperar a velhice chegar, eu que não tenho planos e não queria entrar naquela ferida que ela tava querendo rasgar ainda mais. ela perguntou se eu queria outra cerveja e me pediu dinheiro pra mais duas que mandamos ver rapidamente, quase de uma vez só, era o último trago de nossas vidas. porque a vida seria outra e ela seria outra e eu não queria saber daquilo.
pego minhas coisas amanhã a noite, e você se cuida, né?
pode dormir lá quando quiser, você sabe que eu penso em tantas coisas...
fiquei sozinho esperando o som da porta do bar as minhas costas, aquela poeirinha de melancolia caindo devagar e sumindo. o cara no balcão me ofereceu um trago de algo que ele bebia escondido do patrão, conversamos sobre as mulheres e eu disse que nunca vou saber nada delas e que por isso não vou enlouquecer. ele me mostrou uma fotografia de uma garotinha no colo de uma moça loira, eram suas mulheres. e eu saí de lá com um vento solitário que batia na minha cara e que daria um blues, um tipo de despedida. caminhei contando os passos e contando o dinheiro que sobrou e numa esquina ouvi uns gemidos e passos e o guinú veio pra cima de mim numa velocidade incrível.
lembro de chegar em casa horas depois. acho que desmaiei. alguém me colocou na cama. alguém que arrumou malas e problemas enquanto eu dormia. e foi embora.
pensei em Deus, e ele criou as mulheres pra que não perdessemos a fé, e então nos fodemos, todos. quando conseguir me levantar daqui volto naquela farmácia pra perguntar pra rapazinho tarado se alguém realmente compra todo tipo daquelas camisinhas e se ele pensa em Deus e no diabo e se ele tem idéia de quanto tempo temos até ficarmos velhos no tempo certo.