13.3.15

dia 27 de janeiro/2015.

eu sonhei com meu avô.

estávamos rodando por uma loja de materiais elétricos e ele me explicava sobre fios e conectores e eu não entendia nada. mas não tive coragem de interrompê-lo. sua voz entrava pelos meus ouvidos numa velocidade absurda, eu podia sentir a velocidade da sua voz espalhada pelo ar se aproximando de mim. ele ria do meu jeito boboca de lhe perguntar umas quatorze vezes "será que vou me lembrar disso quando acordar?". eu ria por ver os mesmos pequenos furinhos em sua camiseta pensando no que minha vó diria sobre aquilo. era mais um segredo nosso! eu disse a ele que se eu entendesse daqueles fios todos consertaria o chuveiro lá de casa. e eu contei pra ele que as coisas não iam muito bem desde o nosso último encontro, ele me deu um beliscão e continuou sorrindo. tinham muitos corredores naquela loja, caminhávamos por eles ora sorrindo ora conferindo preços, eu não conseguia parar de olhar pro rosto do meu avô. meu avô e seus cabelos brancos que eu sempre achei tão bonitos. pra prolongar a conversa eu lhe disse "vô, emagreci dois quilos" e ele falou bem alto daquele jeitão esculhambado "emagreceu nada" - hahaha - eu sabia que estava sonhando e não queria acordar. meu despertador tocou as sete e quinze, tentei não escapar daquele sonho mas abri os olhos e vi as paredes do meu quarto e o dia começando. fiquei na cama remontando as imagens na cabeça enquanto a saudade batia forte no meu peito. e, caramba, a saudade ainda é gra
nde demais pra mim. 


bloco de notas:

tenho pensado muito em viagens. lugares desconhecidos emoldurando boas lembranças (sonhos). quase me esqueço de você e peço outra dose, comento que a pior coisa do mundo é sentir falta, essa falta que não cabe em lugar algum. o cara da mesa ao lado ri numas de querer me ganhar. tenho pensado no tanto de coisas que eu gostaria de te dizer, no tanto de coisas horríveis que penso em te dizer na maior parte do tempo. te vejo entrar, aceno, meu coração escorre pro estômago. tenho pensado em ir pra longe mas me esqueço toda vez que essa maldita porta se abre e te vejo entrar.

29.1.15

empilhando caixas de papelão
&
todas essas coisas acumuladas pelo tempo:
sapatos, casacos, xícaras, talheres, travesseiros maltratados e
uma foto sua tomando sol na areia da praia
charutos envelhecidos, esquecidos
você empacotando lembranças
e indo embora
e indo pra longe dessa bagunça que virou a vida

em uma única caixa escrevi: frágil - estava vazia, era onde queria ter deixado meu coração.

15.8.14

post-it

não ha mais espaço aqui pra você. todos os vazios foram preenchidos por uma tristeza toda colorida. as manhãs tem sido mais tediosas, o cair do dia é que sufoca. a lembrança do aceno, as moedas do troco do cigarro tilintando no meu bolso. você distante aqui do meu lado, segurando minha mão. não ha mais espaço pra mim também. que desbotei. que me esqueci de você só pra relembrar, como que de surpresa, e poder sorrir. não existem mais motivos, barulhos e nem o cheiro. tudo aquilo já não é mais. nem eu quando troco o seu nome por "você", quando troco de lado na calçada ao confundir um rosto, quando fecho os olhos na cama e sinto qualquer pele que não seja como a sua, colada na minha.

15.7.14

o luto é uma porta que atravessamos para um lado desconhecido de nós mesmos. quantas vezes eu disse "acho que não suportaria" e então a foice decepou um pedaço do meu coração e eu suportei não só a dor, a ausência e a saudade, suportei a injustiça de ter arrancado do meu peito aquele pedaço tão valioso. naquela noite eu não conseguia sorrir das conversas alheias que eu pescava no vagão do trem. aquela noite durou muito mais que nove ou dez horas de escuridão. o luto é importante pra que a gente consiga enxugar as lágrimas sem fazer besteira. a morte despeja uma porrada de dúvidas sobre nossa cabeça, silenciosamente, e então o desespero de não ouvir mais aquela voz ou a certeza que os cheiros vão se misturar com a fumaça da gordura vindo da cozinha e tudo será tão banal e invisível fere ainda mais. o luto é um quarto escuro sem mobília pra onde corremos quando não suportamos sequer nos encarar no espelho. a morte não é o fim pra quem fica, é algo muito pior.

23.6.14

post-it:


eu sonhei com você. era mais uma daquelas noites, longas, regadas a álcool e raiva e sexo. você usava um chapéu e nunca esteve tão ridículo. eu sabia o tempo todo que aquilo tudo era só fantasia, fumaça branca na chaminé numa tarde de inverno. acordei e, ainda bem!, você não estava mesmo aqui. fui tomar uma ducha, fui cuidar da minha vida. algumas lembranças só sobrevivem na imaginação.

3.1.14

desajeito

eu peguei um estilete

e

cuidadosamente separei você de mim

nas fotos, uma por uma

eram muitos álbuns

e

eu não pretendia sair de casa

até terminar.

contornei as nossas mãos entrelaçadas

e

não deixei qualquer vestígio

da minha pele junto da sua

assim me parecia fácil

afastar-nos.

uma e outra não teve jeito

ou eu levava um braço seu

ou você ficou com mechas dos meus cabelos

acho que deve ser assim

mesmo

alguns pedaços se misturam

de um jeito muito difícil

de desembaraçar.



Ps.: procurei no dicionário o significado da palavra "embaraço": dificuldade; estorvo, obstáculo /2. perturbação de espírito / 3. hesitação / 4. [popular] gravidez / 5. [medicina] leve doença, no canal digestivo.

12.11.13

faz um tempão que eu quero te falar isso, sabe aquela música do Lulu Santos que você fica cantarolando pelo interfone toda vez que chego no seu prédio? cara, eu detesto aquela música, e eu detesto o Lulu Santos também. a culpa não é sua, eu devia ter avisado desde o começo mas você nunca me deu a chance. o pior mesmo é quando tem alguém passando pela calçada e se diverte com aquilo, eu fico com ódio de você. desculpe mas eu fico cheia de ódio. tudo bem que nossa relação não tem mais aquele frisson do início, não me importo em te ver usar meias pretas com bermuda (e você sabe o quanto isso me incomoda), mas essa música não dá. eu não aguento mais isso. soube que ele tá apresentando um programa na tv, não tive coragem de conferir. eu realmente detesto o Lulu Santos e temos esse problemão agora. sabe, eu não sei se você vai continuar gostando de mim agora mas eu resolvi não recuar e vou até o fim. sim, estou te dando um ultimato, é isso mesmo. ou você pára de cantar essa merda de música no interfone ou eu vou te meter um chifre. e com aquele seu amigo que é a cara do Lulu Santos.

15.10.13

uma morena na beirada da cama secando os cabelos com a toalha
clima abafado no quarto, beijo na boca
e desordem, por dentro.

11.9.13

eu tava em pé no metrô lendo distraidamente um anúncio de pastilhas para garganta quando a voz de uma garota com fones nos ouvidos disparou pra mim "Valda é um nome legal, parece nome de uma tia solteirona daquele namorado que você nem gosta muito, você tá lá na casa dos pais dele num final de semana ensolarado, de ressaca, você veste uma camisetinha Hering pra parecer uma garota mais bacana e um pouco menos peituda, dessas coisas que não podem dar certo, aí chega a tia Valda fumando um cigarro e coçando a bunda, seu namorado fica meio sem jeito quando ela conta que já viu o pinto dele muito mais vezes que você, a mãe dele fica furiosa pois ela é a cunhada mais folgada dentre as cinco que ela herdou, o seu sogro não acha nada, nem da tia Valda nem de você e nem de ninguém, aí você tenta dizer alguma coisa pra desbaratinar o climão e perde a chance de ficar quieta mandando um "então preciso tirar o atraso" e todos te olham como se você estivesse pelada no meio da sala passando a língua nos lábios , é uma merda, como pode dar certo uma coisa dessas não é mesmo?"
eu só consegui concordar abobalhadamente "é... Valda é um nome legal"
a porta abriu na estação república e ela saltou rindo "até pra balinha de hortelã"

28.5.13

e então é ela no outro lado da cidade. ela e suas meias finas até os joelhos. aqui desse lado os homens sofrem, choram feito bebês famintos, e então eu, outra vez, fico louco de ódio. por causa dessas conversas entrecortadas ao telefone. por causa das pernas dela, dos seios. os homens a amam, outros homens, muitos deles. e então não sou agora o único a quase querer morrer e lá no outro lado da cidade ela diz aos amigos que esteve bem,
que a comida era boa demais,
que a casa ficava numa rua pouco movimentada,
que não havia tempo pra alimentar ou passear com um cão
que não se comemora aniversários por aqui.
e então estou sozinho pensando nela, nessas coisas sobre ela, com meu rancor chutando latinhas. com meu pau duro.
eu, e todos esses outros que sentem o mesmo por ela.

29.4.13

você ali me oferecendo o copo mal cheio. reclamo do barulho dos gatos no telhado, explico da minha aflição com os bichos no cio, aquela algazarra louca sobre nossas cabeças. alguém noutro bairro avança o sinal e causa um acidente, é o que você me diz olhando pela janela quando a sirene de uma ambulância nos interrompe. lá fora só o caos disputa a nossa atenção. eu nunca penso no que os outros estão fazendo, em suas casas, em suas camas, nunca me prendo pensando em quantas horas levam pra voltar do trabalho, ou pra onde voltam quando não suportam mais as suas vidas, compromissos familiares com as crianças e sogras e tias. eu sempre fico pensando no período de cio desses malditos gatos azucrinando a noite e às vezes eu quase sinto inveja deles. é um curto espaço no tempo. eu penso nisso e você me abraça, começa a contar coisas que eu quase nem acredito. e então nossos barulhos preenchem a sala, eu, você e gatos vadios trepando no telhado.

20.2.13

deixe seu recado após o sinal:

oi, onde é que você se meteu? estou há dias tentando falar contigo. fui na sua casa várias vezes e os porteiros dizem que não está. todos, em todos os turnos. o que foi que aconteceu? estou dirigindo a horas, estou muito cansada mas não quero voltar pra minha casa. eu posso ir pra sua casa? bom, você provavelmente nem vai ouvir essa mensagem. todo mundo sabe que ninguém confere a caixa postal do celular. eu queria deixar um bilhete pra você mas não confio naqueles porteiros. nem acredito que você não tava lá ontem a noite. tinha um fiat estacionado na esquina e eu sei que não era coincidência. eu vou acabar levando uma multa aqui falando no telefone e dirigindo. e você nem tá aí pra nada que eu tô falando. POR FAVOR FALA COMIGO, SEU MERDA. vou ter que desligar agora, não tava gritando por sua causa é que tem um guarda me pedindo pra encostar. desculpa. tchau querido.

como se eu pudesse explicar o que tava acontecendo ali. não dá, cara. eu esperei quase a noite toda e você não apareceu. gastei todo o meu dinheiro bicando doses longas e nada, você não entrava por aquela porta estreita e a música ruim estava me enlouquecendo. uma garota me ofereceu um cigarro, acendi o dela, a gente ficou ali falando sobre você e sobre o cara que ferrou com ela. eles moravam numa casa de fundos com uma padaria. me contou que era foda pela manhã, aquela ressaca insuportável e aquele cheiro de pão doce. aí um dia o cara veio com uma conversa toda desencontrada e falou de uma outra mulher que tava chegando e que ele tava saindo fora. agora ela fica sozinha vomitando no quarto com aquele cheiro de pão doce. e você que não chegava nunca, quando uns caras começaram a conversar com a gente. o mais louco me chamava de "menina" e eu gostei de como soava aquilo. aí eu olhava pra porta e nada de você entrar e me tirar dali. tava quase amanhecendo e eu pedi uma carona pro cara, ele falou que tinha que passar na casa dele antes pra pegar uma grana pro combustível. eu não sei mais o que aconteceu, não lembro, eu tava lá sozinha te esperando e aí as pessoas começaram a chegar. eu sei, é tudo um monte de merda mesmo. você acha que eu ainda tenho cara de menina? porque eu achei engraçado o jeito que ele falava isso.

18.1.13

dois segundos: você me perguntando sobre copos e gelo,

eu tirando a minha blusa e tentando esconder as marcas e cicatrizes.

você me olhando e me oferecendo um trago, eu me escondendo atrás da cortina.

dois segundos, você abrindo a porta, eu sentada na cama enchendo o copo até derramar.

dois segundos e você voltando com outra garrafa e pães e queijo,

você demorou, exatamente, dois segundos pra terminar de tirar a minha roupa.

17.1.13

numa lista:

fale baixo, seja educado, jamais me chame de"gatinha", não pise no meu pé se não estivermos dançando juntinhos, não fale mal dos meus Amigos a sério, não use meias pretas com bermuda, não me dê ordens, não me telefone pra desmarcar algo antes mesmo de marcar algo (é, acontece), não pense que sou sua mãe, não reclame das minhas roupas, não ouse reclamar do meu cabelo, não reclame quando eu chegar tarde da noite na sua casa com aquela cara sacana e for embora antes do amanhecer com a roupa e cabelos em desalinho (é, acontece), sorria comigo de qualquer bobagem, beba comigo até o último trago, me deixe dormir na mesa do bar quando eu estiver com sono, de vez em quando me deixe reclamar um pouco (só um pouco, vai!), me acompanhe desafinadamente numa música do Tim Maia no fim da festa, seja gentil com os garçons e taxistas, não me convide pra assistir filmes sobre cachorro, ignore fofocas-ladainhas-invejosos de toda sorte, não ignore meus olhares, não me julgue pelo que ouviu falar, me abrace, me beije, me mande à merda se quiser (honestidade), não faça promessas, pode reparar o tamanho da bunda que passou ao lado da mesa!, sente ao meu lado, sinta o meu perfume (eu gosto disso!). respeite os espaços, tenha paciência, preserve o bom humor!

16.1.13


tinha uma música do Cazuza tocando no rádio. ela me perguntou se eu já tinha visto uma cicatriz como aquela, me cutucou o braço e mostrou "assim, como essa aqui, já viu?" tinha uma noite pela metade e uma garrafa cheia. não consigo me lembrar com precisão como foi que a gente se conheceu. eu entrei numa daquelas lojas de conveniência de posto de gasolina, pedi um cigarro e uns chicletes, ela me devolveu o troco e me deu um papelzinho com o telefone da casa dela. daí numa outra noite eu liguei e pedi pra ela vir pra cá ouvir umas músicas. me perguntou se morava sozinho pois não curtia coisas bizarras, foi assim que ela falou. eu conheci um cara que gostava desses lances de sexo com várias pessoas. ele falava pra gente no bar, falava os detalhes, tinha até mãe e filha nessas histórias. nunca gostei disso, pra mim já é difícil ter alguém além de mim mesmo numa cama. ela chegou metida num vestido bonito, botas, cabelo arrumado, tava perfumada e aquele cheiro era bem melhor do que o cheiro dentro da casa. no posto de gasolina eles usam uniforme. uma roupinha verde e azul e um boné. fora daquele uniforme ela ficava muito mais bonita. eu disse pra ela quando abri a porta "eu tirei você de dentro daquela roupa verde e azul, então" e ela ajeitou o cabelo e sorriu. tava tocando uma música do Cazuza no rádio quando ela começou a me fazer perguntas, e fumar cigarros, me mostrou a cicatriz no braço e uma tatuagem na bunda.
"a minha mãe também tinha uma cicatriz. era na coxa. ela nunca contou como conseguiu aquilo. eu também nunca perguntei."
"sua mãe também era suicida?"
"não. nem eu. isso aqui foi um cara com uma faca. ele assaltou a loja e fez isso. eu tinha começado a trabalhar uns dez dias antes e já me deram uma licença de quase um mês. e um dinheiro. daí eu fiz a tatuagem."
"parece uma abelha..."
"é uma fada."
tem uma obra no apartamento do vizinho. estão quebrando paredes, o chão, estão trocando as janelas. estão mudando as histórias dentro do apartamento. estão lá o dia todo recriando um cenário novo pra vida de alguém. fico imaginando se os antigos vizinhos ficam tristes em ter memórias entulhadas no concreto. ou levaram tudo na última mudança, os barulhos, cheiros, os segredinhos todos? eu acho que estão quebrando as lembranças de alguém, mas na mesma hora eu penso "ah, Paula, deixa de bobagem pois aí só tem barulho". daí eu ouço os martelos, talhadeiras, eu ouço as risadas dos pedreiros logo pela manhã e tomo o café meio mau humorada meio envergonhada meio curiosa. toda reforma é igual, muda tudo, muda até a gente que fica diferente. muda o humor, muda a cor, muda o jeito de entrar e sair. estou pensando em botar uma plaquinha aqui no peito "em obras" e começar a fazer barulho também.

15.1.13

"você tava com uma cara de louco."
"é, eu tava meio louco mesmo, desculpa."
"o pior foi você beijar na boca daquela vagabunda. você e o bar inteiro beijaram a boca dela."
"você ficou com ciúmes?" 
"fiquei, só um pouco, mas fiquei mesmo é com medo. você quebrou tudo quando um cara falou do seu irmão bicha." 
"eu devia ter matado ele, faz tempo. e o que aconteceu depois?" 
"você me pediu umas moedas e botou uma música naquela máquina. daí você dançou comigo e me beijou." 
"e você gostou disso querida?" 
"quem não gostou foi aquela vagabunda. veio com tudo pra cima de mim. bati com uma garrafa na cara dela. deu a maior encrenca e botaram a gente pra fora." 
"eu não me lembro de nada. acho que caguei na calça, tô todo fodido." 
"normal. você cagou." 
"desculpa querida..." 
"eu tava sem grana e a gente voltou andando. meu pé tá inchado. quando a gente chegou você tirou a roupa e eu queria chupar você." 
"e você gostou de me chupar querida?" 
"não." 
"não..." 
"o seu pau tava mole. "
tem uma história inteira na minha cabeça. inventei. é um lance que eu faço quando eu não posso falar. eu invento uma história e divido um segredo sozinha. seria bem mais fácil se eu contasse pra alguém, porque daí a outra pessoa ia acabar fazendo algum tipo de comentário e a história ia ficar diferente. totalmente diferente. eu inventei uma soma também, uma continha maluca pra calcular o tempo depois de eu ter desligado o telefone e você ter aberto outra cerveja e ela ter perguntado quem era. sou ruim em matemática tanto quanto sou péssima em guardar esses segredos. mas é comigo, sabe, eu fico enfiando a língua no copo com gelo e água pra me distrair enquanto assisto os comerciais. tem cada propaganda absurda na tv, sabe, eu nem presto muita atenção mas é que esse lance de você desligar o telefone e ficar lá do outro lado da linha me deixa meio louca. eu até reproduzo aqui sozinha a conversa de vocês "quem era?" ela te pergunta lixando as unhas no sofá "era um cara do trabalho, ele tá marcando um jogo com os outros caras, é amanhã à noite" você diz isso pra ela pensando em me comer "você volta tarde?" lixando as unhas "vamos jogar... e beber..." você fica pensando em como gosta quando eu abro devagar o zíper da sua calça "ah, ok, tudo bem... vou dormir na casa da minha irmã" e eu fico com tanto ódio de você, porque eu tenho quase certeza que é exatamente assim que você consegue se livrar e chegar até aqui. aí eu fico triste, assim, triste e com ódio de você. e aí, só de mentirinha, eu penso que você quebrou a perna no jogo, com os caras do trabalho. tá vendo? eu fico cheia de histórias na cabeça. culpa dessa minha mania de querer inventar um jeito pra você voltar aqui.

3.8.12


o meu amigo Grima Grimaldi fez esse vídeo (que eu gostei muito!) e botou um poema meu.

24.5.12

pós escrito.

mãos e pés formigando, o braço inteiro. calafrio. aquela sensação de que alguma coisa vai acontecer a qualquer momento. aquela coisa que eu fico esperando mas não sei dizer bem como. vou até a janela pra ter certeza de que está tudo sob controle lá fora, mas não afasto totalmente a cortina. não. por detrás das cortinas as coisas devem ser encaradas de uma vez, sem pausas, sem meio termo. acendo a luz, dou uma boa olhada no quarto, no corredor, entro no banheiro e meto meus olhos no rejunte dos azulejos, conto de um a um numa parede inteira. o formigamento continua, agora pelas pernas. eu nunca me lembro onde deixei o maço e o isqueiro, eu tenho essa mania de não guardar os dois no mesmo lugar. é como eu e a garota. nunca estamos os dois no mesmo lugar. e falar sobre isso é como abrir um pouco mais uma dessas cortinas, pesadas, puídas. é olhar lá fora e ver os motivos e os desejos caídos na calçada. é confundir o que se sente com o que está sentindo naquele exato momento quando um pára de falar pra ouvir a voz do outro. então eu encontro o maço e continuo tentando me lembrar. daí fuçando numa gaveta atrás do isqueiro encontro uma fita k7 com aquelas músicas que a gente dançou. fecho então a gaveta e aquela sensação cessa. alguma coisa vai acontecer, mas não agora, porque está tudo sob controle aqui dentro também.

29.1.12

fecha a porta quando sair.

não por mim, porque você vai dizer que eu não faria essa mesma coisa, você vai usar a palavra "merda" e depois vai me dar as costas. "apenas" faça. vai embora daqui e viva sua vida, viva como quiser e nunca mais pense em mim, em nós, não pense em mais nada. vá. levanta do sofá e troque de roupa, acenda um cigarro e tranque a porta. tá tudo bem, eu vou ficar aqui porque nenhum lugar é um bom lugar se estivermos os dois juntos. eu sei e você deveria saber. todo mundo acha que sabe essas coisas, as pessoas não tem culpa, estão apenas cansadas. como eu. como não me sinto ha muito tempo e agora quero, preciso, que você ouça até o fim e entenda tudo isso. ou não, mas ouça até o fim pois eu não vou ter coragem de dizer mais nada depois disso. esgotou, transbordou, implodiu aquela raiva que eu disse não tinha de você. ficar parada sozinha na rua no meio da madrugada no centro da cidade só aumentou mais esse buraco que estamos cavando ha anos. foi o seu jeito de dizer adeus? e você sequer olhou pra trás, e você sequer vai entender o que eu tô tentando te falar. não me importa. eu tenho muito medo de continuar pensando em você. não por mim, por você também, eu vou ter que aprender a ser só eu e não vou mais esperar coisas diferentes em lugares iguais. eu quero minha vida de volta.

3.1.12

todos os dias, horas, minutos. todos passando numa velocidade qual não consigo acompanhar. amanheço com esse gosto de guarda chuva na boca. amanheço quando o sol já está no alto, queimando, ardendo. daí o resto do dia é tentar tocar a vida pra frente, tirar de dentro esses fantasmas sacanas. a noite chega sedutora. de vestido vermelho e salto alto. a noite é uma mulher bonita sentada no canto do balcão te oferecendo uma bebida. tirando você do seu caminho.
a noite na cidade é a mais bonita de todas.

28.11.11

ps.

vou tentar não olhar pro lado quando você passar por mim. e fingir que não ligo. fechar os olhos e pensar noutra coisa. uma coisa qualquer que não tenha você, que não seja você. vou tentar ir embora. vai chover na hora que você passar e eu não vou conseguir desviar meus olhos. aí eu vou desbotar. então eu vou arrancar meus olhos e guardar no bolso do casaco. e ficarei em silêncio pra você não me notar. bem quietinha pra você passar por mim sem perceber que tem um músculo aqui dentro que não me obedece. assim como são filhas da puta as minhas memórias. assim como só a sua mão podia alcançar, dentro e fora de mim. e se você olhar para o lado e me notar, oh merda!, aperte o passo, corra se puder, pois se vacilarmos por um segundo talvez a gente comece tudo outra vez. não tem jeito de evitar um segundo exato, entende?
sossega, eu vou tentar evitar te olhar quando passar por mim. evitar tudo isso. mesmo sabendo que vai doer mais do que tá doendo agora.

24.11.11

você afastando meus cabelos enquanto fala sobre todas as coisas do mundo.
sua língua na ponta da minha orelha, minha mão abrindo o seu zíper.
suor...
você sem roupas acendendo um cigarro. eu sem roupas acendendo um cigarro.você trancando a porta e sorrindo, eu vestindo uma camiseta sua.
um de um lado da cama olhando o outro dormir no outro lado da cama.
a mesma cama.

25.10.11

M.

tinha menos da metade de uma garrafa de conhaque em cima da mesa na cozinha. me sentia estranhamente calmo, sentei-me sobre um pequeno colchonete no canto da sala. acendi um cigarro. cigarros eu tinha muitos, meu amigo Joca tinha me comprado muitos, foi presente. acho que ele se cansou de me emprestar tantos cigarros durante uma vida inteira, e se foi isso fico feliz em saber que não terminamos mal.
o Joca é um cara gordo, o cara mais gordo que eu já vi em toda minha vida. ele tem dois filhos pequenos, os dois são gordos também e sua mulher também é gorda. uma gorda lindíssima. eu disse a ele numa noite que foderia com ela se tivesse a chance naquele exato momento, também falei entre soluços que cuidaria das crianças. ele quase arrancou meu nariz fora num único soco. o Joca é meu melhor amigo e eu me sinto realmente bem por isso!
eu trabalhava numa fábrica de velas, e na maior parte do tempo eu detestava. pouco antes de pedir as contas vi um cara cair dentro de um caldeirão de cera quente, todo mundo ficou em silêncio quando ele voltou pro trabalho todo enfaixado poucas semanas depois. eu acordava ainda no escuro da manhã e me vestia mecanicamente depois de um café bem forte. quando voltava pra casa o dia já estava no fim e não havia nada a ser feito além de tomar uma banho morno e comer carne mal passada assistindo aos programas policiais. teve um caso que me deixou insone por semanas, o marido chega em casa e encontra a mulher só de calcinha no sofá abraçada a um outro homem, eles não mostraram fotografia deste e nem divulgaram o nome do marido, o marido fica louco e enfia a chave do carro no olho direito da mulher, o outro foge sem roupas, o marido encontra os documentos na carteira no bolso da calça do amante da sua mulher, encontra o endereço da sua casa, vigia por dias a fio, o cara ficou puto e nem quis saber da mulher caolha no hospital, ficou tão louco que um dia invadiu a casa do sujeito e o fodeu tanto no cú com um pé de cabra que o cara nunca mais pôde andar. era isso toda noite, na hora do jantar.
depois eu ia até o bar encontrar o Joca e o Marcão. o Marcão mal tinha um metro e meio de altura e ficava puto se alguém o chamasse simplesmente de Marcos, Marquinho então era motivo pra ele avançar em quem quer que fosse pronto pra briga. grandes caras!
ficávamos discutindo futebol até alguém se cansar e falar de boceta. o Marcão disse pra gente que tinha uma namorada negra de vinte e dois anos. ele era louco por ela e era sempre o primeiro a ir embora com a desculpa de que tinha que telefonar pra ela. nunca ninguém viu essa mulher. o Joca me falava sobre a vida dentro de casa, sobre os filhos com piolho, a mulher tomando pílulas pra emagrecer. ás vezes os olhos dele perdiam o brilho e afundavam numa neblina tão espessa que eu mal os podia ver. noutras ele se orgulhava por ter aquelas pessoas esperando por ele. um lugar pra onde voltar.
o bar era uma espécie de esconderijo pra nós. o bar é o único lugar pra onde você pode levar os seus problemas sem ter que encará-los como adversário. e lá todo mundo falava ao mesmo tempo, as mulheres entravam e não tinha uma que não dava uma ajeitada nos cabelos ou no jeans quando passavam pelo espelho, da porta até o balcão.
Marli era a mulher mais bonita daquele lugar. ela era a mulher mais bonita do bairro todo. a mais encrenqueira também. uma vez ela discutiu com um cara que pediu pra ela dançar, o cara era um mané e usava roupas coloridas e gastou a maior grana pagando bebia pra todo mundo. ele se apaixonou pela Marli. mas ela tinha perdido o marido e o filho num acidente e desde então a única coisa que fazia era beber todas as noites com uma grana gorda que ganhou do seguro e ficar lá puxando papo com a gente. ou só ficava lá sozinha, bebendo sozinha e amaldiçoando o destino. o mané colocou a mão na sua cintura e mal conseguiu ver de onde veio a pancada com toda a força batendo do lado direito da sua cabeça. caiu no chão e ela pisou no seu pinto com o salto da sandália. o cara ficou gemendo lá no chão e ninguém se importou muito.
quando o marido dela morreu eu a pedi em casamento. ela veio pra cima de mim e arrancou minha camisa e jogou o vestido pra cima. ela gritava e me arranhava e chorava. no outro dia pela manhã ela precisava organizar tudo para o velório e enterro. fui com ela até o banco, depois compramos os caixões e enquanto ela telefonava pra família eu fui até o quarto dela e vi duas malas grandes sobre a cama. ela entrou no quarto e me contou que ia embora naquela mesma manhã enquanto eles viajavam pra uma visita aos avós. ela me contou que sentia muita pena do que tinha acontecido a eles, pois o sofrimento da partida dela uma hora seria substituído por alguma outra mulher que pudesse cuidar de tudo e fosse feliz ali. mas agora o que ela podia fazer era botar todas as roupas de volta no armário e esperar o perdão de Deus por aquilo. Marli ia sempre à igreja e sempre falava de Deus e às vezes crispava com Ele.
no dia do velório muitas pessoas começaram a chegar, eu fiquei na cozinha ao lado da garrafa térmica com café fumando meus cigarros. as pessoas abraçavam aquela mulher e diziam sentir muito. eu não acreditei em nenhuma delas.
Marli ficou o dia todo falando com pessoas e abraçando pessoas e segurando a mão de pessoas que desmaiavam a cada meia hora. eu fiquei o dia todo ali olhando aquilo tudo, fiquei andando entre as pessoas que nos cantos da casa, longe dos olhares familiares, acusavam a mulher por toda aquela desgraça. a verdade é que ninguém queria estar ali, ninguém sem importava.
foi um acidente de carro. um homem desatento fez uma curva fechada e os acertou em cheio, o carro virou e os dois morreram ali mesmo. no meio da estrada. sem ninguém ter culpa disso além do pobre infeliz que fez uma curva muito fechada. velório, enterro, desespero. a morte não encerra tudo, então.
nunca mais falamos do meu pedido de casamento. eu a visitava duas ou três vezes por semana. comíamos, quase sempre só eu comia, em silêncio. um dia eu pedi pra que ela tirasse as coisas dele do armário e mandasse pra alguma dessas instituições. ela me acertou em cheio com a tampa da panela que segurava meio abobalhada olhando pro corredor. não falamos mais. sobre coisa alguma. eu chegava e ela já tirava a saia e se jogava na cama. depois tomava uma ducha rápida, pintava os lábios, colocava uma presilha nos cabelos e saíamos.
com o tempo tínhamos cada vez menos o que conversar, ela estava afundando numa escuridão que só ela podia compreender. eu acho que ela precisava daquilo. com o tempo ela perdia a cor, perdia a aspereza, ela estava indo embora. as vezes sumia por dias e eu não a procurava.
meu telefone tocou perto das quatro. tocou um bocado até que eu consegui me equilibrar sonâmbulo até a sala. disseram que saiu sangue até pelos ouvidos. não sabiam quando tinha acontecido, mas alguém sentiu um cheiro, alguém arrombou a porta e alguém achou que eu precisava saber.
o Joca apareceu em casa, trouxe uma garrafa de conhaque e ficamos sentados na sala. liguei o rádio e ouvimos "Oh goodbye everybody / I believe this is the end / I want you to tell my baby / Tell her please, please forgive me / Forgive me for my sins"
. torci pra que ela tivesse encontrado seu perdão, e que enfim pudesse ir embora como gostaria. adormeci no colchonete e não vi a hora que o Joca saiu, deixou anotado num pequeno pedaço de papel marrom: tudo termina ás 15 horas. mas eu não quis ir ao velório. eu me sentia realmente tranquilo. estranhamento calmo. pensei em tudo que já tinha feito até aquele instante. sentia o peso de cada osso do meu corpo, cada pedaço de pele já flácida. fiquei pensando na miséria da vida, nas dores da gente que ninguém pode alcançar. fiquei pensando na Marli e senti saudades. alcancei a garrafa e logo adormeci novamente. o telefone tocou todo o resto da tarde.

17.10.11

the frog and the owl.

P.orque eu sempre preferi sapos. os sapos de verdade. e eu nunca aprendi a cantar aquela música até o final. eu, a moça com olhos de coruja, apaixonada por um sapo. era engraçado descrever as coisas assim. uma coruja não pode se apaixonar por um sapo, você disse. e me deu uma pelúcia, sorriu, e me levou pra algum lugar melhor que aqui.

5.7.11

pedi uma cerveja e um cinzeiro, coloquei meu revólver sobre a mesa e olhei pra cara do garçom que com indiferença resmungou "eu não vou limpar a sua bagunça, amigo". enchi meus pulmões de fumaça enquanto meus olhos colavam na janela do apartamento. sentei numa cadeira que dava vista pra janela, caso ela não tivesse acreditado nas minhas cartas e resolvesse conferir. eu tava ali, babe. tava esperando pra resolvermos nossos problemas e então eu poderia me mandar dali pra sempre, como ela me pediu. o garçom me trouxe a cerveja e o cinzeiro e apontou pra uma mesa do outro lado da calçada. tinha uma morena de vestido azul com cabelos em desalinho, curtos, que quase cobriam os brincos. ele se afastou. me aproximei dela, pedi licença enquanto colocava meu revólver no centro da mesa. olhei pra janela e examinei se ainda podia ser visto. sorri. ela, que não tinha olhado pra minha cara, tinha nas mãos uma fotografia e uma tesoura sem ponta. começou a soluçar.
"então não faça isso, se não é o que realmente quer fazer"
"você não sabe de nada, você é um bosta... tô chorando porque essa tesoura é uma merda, e toda essa situação é uma merda. e você não sabe de nada"
"não sei. eu nem quero saber, só sentei aqui porque gostei dos seus brincos"
"bicha!"
"gostei da idéia de arrancá-los da sua orelha" O que era cretinamente sincero.
"sai fora, eu não gostei de você. eu não quero conversar. eu só quero ficar aqui e tomar uma decisão, sabe?"
"não sei... mas acho que não deve decidir nada ainda. você devia tomar essa cerveja comigo"
"eu quero. e depois você vai atirar em mim?" Ela quase riu, mas cravou os dentes nos lábios.
"não. eu não vou atirar em você. só vou ficar aqui olhando pra janela daquele apartamento (apontei com o revólver)"
"ela é muito bonita. ela é realmente bonita. acha que foi por isso que ela ficou com ele?"
"foi por minha culpa"
"e ele ficou lá por sua culpa também?"
"eu não sei de nada..."
"eu sim. ele mentiu muito. todas as noites e dias e anos. ele é um miserável, sabe? ele mastiga bem as palavras. posso entender porque ela deixou que ele ficasse lá. agora, essa sua arma não muda nada"
"e você trouxe essa tesoura pra quê?"
"foi presente dele. queria devolver..."
ficamos bebendo em silêncio. ela não olhava pra janela do apartamento, ela não tirava os olhos da fotografia. ficamos ali por horas sem dizer uma única palavra. apenas bebendo. o garçom colocou a mão sobre o meu ombro e nos levantamos. tirei o dinheiro do bolso e então ela me encarou. não tinha nada nos seus bolsos, assim como nos olhos. deixei o revólver sobre a mesa, a morena ajeitou o vestido e colocou a fotografia debaixo da arma. eu atravessei a rua e levantei a gola do meu casaco. acenei pro táxi. ela foi pro outro lado, com a tesoura na mão direita. acenei pra ela. nunca mais nos encontraríamos.

22.6.11

[21/06]

Gostava dela. Sim, eu gostava muito daquela mulher. Do seu jeito de ficar louca e arranhar minha cara em seus ataques de fúria. E depois cair em si e me fazer curativos e me chupar e me morder com a doçura descontrolada que só encontrei naquela mulher estranha. E disseram que eu estava encharcado, que eu tinha detonado o bar e uns caras estranhos, eu só me lembro de não tê-la visto sair. Alguém começou o papo sobre ela e o que fazia antes de me conhecer. Antes, aquele antes, e todo o inferno de volta em mim. Alguém que provavelmente não me conhecia e não conhecia aquela incrível mulher, alguém que resolveu arriscar o seu pior dia num papo tolo pra cima de mim. O decreto era esquecimento, oras! quebrei mesas, uns dentes que talvez tenham ficado em meio a todas as garrafas quebradas. Esvaziadas antes da confusão. Outro me pedia pra sair, pra sair antes que a coisa ficasse feia de verdade. O que ninguém ali ou em qualquer outro lugar sabia é que a coisa toda já tinha me matado antes. Então agora eu era um fantasma cheio de raiva e ela tinha um passado sujo que eu precisava esquecer. Era só ter evitado um olhar, um único olhar e eu não teria ficado louco por ela. Os cabelos claros caindo no ombro, a pele tão clara que eu podia atravessá-la com meus olhos de lobo. Sua boca desenhava um raio na minha memória e foi aí que eu fiquei totalmente preso a essa criatura. E sempre havia algum herói embriagado querendo me acordar desse pesadelo. Mas é o meu pesadelo que me mantém vivo, cheio de sede, me mantém longe das encrencas de verdade. Bancos, filhos, a empresa de energia elétrica e carrinhos de supermercado.
Uma noite ela entrou na sala com a cara retorcida, seus olhos faiscavam. Meu pau ficou duro na hora. Desliguei a tv e sorri. Ela me acertou no queixo com alguma coisa tão dura quanto a minha ereção. Depois disso se sentou ao meu lado e tirou uma garrafa pequena da bolsa, repousou a garrafa nos joelhos e ficou encarando o pequeno frasco. Começou a cantar uma música baixinho. A minha pequena criatura louca ficou ali cantarolando baixinho por alguns minutos até que levantou a garrafa e deu um bom gole, me estendeu o próximo. Recostou a cabeça no meu ombro. Tirei o maço do bolso e acendi um cigarro. Ela se ajoelhou e tirou meus sapatos carinhosamente. Sorriu. Abraçou minhas pernas, abraçou como se aquilo fosse outro pedido de desculpas. Não pelo golpe certeiro no queixo, mas por ter me encontrado. Por voltar todas as vezes, por não conseguir sair daqui. Ela, ruidosa e cuidadosamente colocou de lado meus sapatos e beijou meus pés. Aquilo foi a coisa mais bonita que já vi na porra da minha vida.
Aqueles lábios faiscantes!
A garrafa bateu com força no meu queixo, mas não quebrou. O queixo sim.
E ela depois levantou do sofá e enquanto vestia a calcinha (uma mulher vestindo a calcinha com um cigarro entre os dedos é a outra coisa mais bonita que eu já vi) me encarou séria e me pediu pra esquecê-la. Eu dei de ombros. Eu jamais poderia impedi-la. Deitamos no chão, apagamos a luz. Ela começou a cantarolar uma música, meu peito doeu, implodiu, e então não pude evitar e comecei a cantar com ela. Era nossa última chance, e não nos veríamos nunca mais.


(caixa de corerio)

1.4.11

te ver fechando a porta enquanto me afasto no corredor. te olhar nos olhos e não conseguir balbuciar um adeus. sentir o suor nas mãos e não conseguir disfarçar o constrangimento. pedir desculpas, errar outra vez, encarar verdades implícitas num bilhete. esquecer de tirar os sapatos. olhar pros dois lados da rua, só pra ver se você está chegando. esconder os talheres só pra começar outro assunto. esconder o sorriso só pra tentar evitar confusões. atravessar a rua, e mudar o caminho por pura covardia. te ver empoeirar numa fotografia, sorrindo discreta e secretamente numa lembrança.

apagar a luz, e demulcir a noite.

30.3.11

trinta e cinco motivos pra estar aqui


para Ademir Muniz

Conheci um Cara que ouvia rock'n roll debruçado na janela de seu apartamento olhando a garoa cair, carros passando, vozes vindas de vários cantos do centro da cidade. Esse Cara me contou segredos e histórias absurdas, esse cara já me viu ao avesso, desarmamos armadilhas, cometemos alguns crimes e nos divertimos um bocado. Esse Cara descobriu um lado em mim que eu sempre tive medo de encarar. A gente tem esse lado e tá tudo aqui dentro, é trabalho pra gigante derrubar muros. Mas eu tô falando desse Cara que eu conheci numa época em que tudo era completamente diferente, e ele me ensinou a andar e a falar, e agora é como se eu não soubesse mais o que era antes dali.

Esse Cara desembarcou onze anos antes de mim, e na minha imaginção chovia no dia trinta daquele mês, naquele ano. Ele nunca foi de se importar muito com isso, mas eu insisto por pura traquinagem, por ter aqui dentro uma alegria tão grande em acordar nesse dia e pensar que conheci uma pessoa como nenhuma outra, que comemora mais um ano de vida!

Não vou listas votos de festa, porque ele merece mais que isso. Sim! Desejo pra Ele um milhão de coisas incríveis, um universo inteiro daquelas histórias absurdas.



Ps. parabéns pra você e trinta e cinco motivos pra comemorar!

17.3.11

03 de Março

Eu esperei ansiosamente pra te conhecer. Queria ver seus olhinhos brilhantes, os teus cabelos, queria ouvir seus ruídos e sentir sua mãozinha segurando a minha mãozona. Eu nem sei explicar exatamente o que eu senti quando o telefone tocou e disseram que você já estava lá esperando por todos nós que ansiosos corríamos de um lado pro outro meio perdidos e sorrindo abobalhadamente. Minha mãe me olhava e sem dizer nada me transmitia uma alegria tão grande que me chacoalhava por dentro. Fazia bastante tempo que eu não via tanta alegria nos olhos dela. O Gustavo voltava das aulas na auto escola e mal tinha entrado na sala quando eu gritei "Gu, ela nasceu!" ele sorriu e me deu um abraço. O Vitor andava de um lado pro outro, ora rindo, ora tentando conter a emoção, eu sabia que aquele era o dia mais feliz da vida dele. E eu coloquei tanta roupa na sua malinha que parecia que você e a Erika passaríam seis meses na maternidade. Você nasceu numa quinta-feira molhada, e estava um puta frio. Você nasceu nos trinta minutos de pit-stop que o seu pai fez depois de passar mais de dez horas esperando pra assistir seu parto. Você nasceu num dia em que eu vi minha família toda reunida e festejando, depois de tempos duros e tristes. Você veio pra mudar histórias, e eu fico feliz em poder fazer parte da sua vida que acabou de começar. Seu pai, meu irmão - o Vitu, não pôde assistir seu parto mas ainda vai te ver dar o primeiro passo, o primeiro sorriso, vai ouvir sua voz de criança e a vida dele nunca mais vai ser a mesma, porque agora nem ele e nem a sua mãe, a Erika, serão sozinhos. E eu não estarei muito longe. Fui muito feliz aí nessa mesma casa, torço pra que você seja também!

Você trouxe de volta a alegria no rosto das pessoas mais importantes na minha vida. Agora a casa tem mais cara de casa e todos estão se dando uma nova chance.

A primeira vez que eu te vi foi incrível, entrei no quarto do hospital e te vi no colo da sua mãe, que não parava de rir, eu te peguei nos meus braços e disse "oi Feijoa, muito prazer, eu sou a sua tia, Paula!" e você nem abriu os olhos, e já te amava antes dali. Um dia eu vou te contar tudo isso denovo, e você vai achar um saco pois terá coisas acontecendo e vai achar que não tem tempo suficiente pra todas elas. Vez ou outra eu vou te achar um saco também, vamos ficar tempos mais longos sem nos encontrarmos, e isso não vai mudar nada, um dia você vai entender.

Não sei se estou exagerando nas palavras, se talvez a emoção do primeiro bebê depois de nós três (Vitor, Gustavo e eu), se talvez a empolgação de ser tia e a loucura que é ver meu irmão preocupado com a filha, não sei descrever o que é isso... mas eu chamo de amor!

Espero que você tenha muitos bons momentos, e que seja uma menina forte pra enfrentar os outros que vem junto.



Eu te amo, Yasmin!

12.1.11

Ela veio em minha direção sorrindo. O local era o mesmo, ela vinha de ônibus, vinha equilibrando um nervosismo divertido em suas sandálias e sempre tinha um maço de cigarro barato no bolso do jeans. Ela tinha aquele jeito de acender e tragar e tossir e virava o rosto fazendo um gesto com a mão que eu entendia como "tá tudo bem, sabe". Conversamos um pouco sobre o que cada um tinha feito ou gostaria de ter feito, ela me contou que os pais continuavam brigando e tudo ia mal, o trabalho não muito interessante, e então caminhávamos por ruas que seriam então uma de nossas boas lembranças. Ela que me mostrou o lugar com cheiro de alvejante e senhoras feias varrendo corredores com quadros assustadores de sexo e natureza. Eu tenho imagens nítidas daqueles corredores. Corredor de motel. Motel com nome de padaria do interior, recepcionista com cabelo tingido e balinhas de hortelã como cortesia. Tinha até uma saleta de espera. Contrangedor até a hora que te chamam pelo nome. Ríamos tentando adivinhar que tipo de relação tinham os outros casais ali folheando revistas como num consultório dentário. Sabíamos fazer piada com qualquer situação. Ela colocava a mão no meu pau por dentro da minha calça dizendo coisas no meu ouvido sem se importar com os olhares espantados ao redor. Seus dezenove anos eram poucos pra o que tinha dentro de si, vinha de histórias complicadas, de traumas insolúveis, decidiu que seria feliz e foi, me escolheu nesse caminho e então nos divertíamos rindo baixo no corredor daquele lugar. Quarto número cinco, cama quadrada, espelho pequeno no banheiro. Ela tirou os sapatos rapidamente, ela tinha uma habilidade invejável pra se despir. E me olhou daquele jeito enfurecido e delicioso. Sua boca derretia coisas ao meu ouvido enquanto eu tocava sua carne e mordia seus cabelos. Pensei naquele momento que eu a magoaria em breve, é sempre a mesma história. Antes de amanhecer ela se enfiou entre meus braços e abrindo os olhos bem devagar, ajeitando-se nua junto de mim, ela disse o que me faria perder toda e qualquer direção de mim mesmo "eu te amo" e fingindo não entender o que disse pedi que repetisse "eu-te-amo". As palavras saíram da boca dela direto pra dentro da minha vida, não lembro o que acontecera antes, não importava mais. Meio bobo e já descrente demais pra fazê-la entender quem eu era eu segurei seu corpo com coragem e a beijei "eu também..."
Amanheceu o primeiro dia de nossas vidas. E hoje, recortando reminiscências, lembro dos cafés da manhã que sempre deixávamos pra depois quando, cambaleantes e estranhamentes felizes, voltámos de mãos dadas e corações escondidos no bolso.

7.1.11

só por cinco minutos, eu preciso desse silêncio.
assim como preciso de todas as minhas convicções e desesperanças, duas doses ao cair da noite e um bom livro por perto. assim, oras, como preciso acreditar no que sinto pra continuar, mesmo sendo isso uma puta encrenca. assim como agora os barulhos vindos da cozinha já são outros, outra vez, e eu tenho tido medo de andar sozinha na rua de madrugada. como se fosse perseguida, ou como se estivesse sendo só ignorada. não, não me peça pra esquecer coisas, aquelas que também são minhas, não me peça pra ser gentil e jogar fora. faça somente a sua parte, eu cuido das minhas próprias feridas. como os gatos que se limpam e se cuidam, que saem por aí e não precisam de um afago, a menos que queiram um. um ponto final. um momento de paz e as suas histórias dos tempos no cortiço. uma amiga me contou que na grécia as pessoas não entendem a piada, aconteceu o mesmo comigo ontem a noite. saindo do cinema olhei pro outro lado da rua e notei fachadas e luminosos emoldurando a noite, pessoas falando sobre sonhos e desejos, um cara dormindo na calçada mais triste da avenida paulista. eu sonhando com pessoas que eu nem conheci e acordando atrasada. correndo até o ponto de ônibus, faminta, pensando tediosamente em erros recorrentes.

17.12.10

as vezes eu tenho medo de dormir sozinha no escuro, e de ficar com a ponta dos pés pra fora do cobertor. as vezes eu acendo um cigarro atrás do outro. as vezes eu repito a mesma história pras mesmas pessoas em noites diferentes, as vezes ninguém percebe. as vezes eu entro de olhos fechados debaixo do chuveiro. conto os passos na calçada, e as vezes mudo os meus pensamentos. as vezes eu ignoro os acentos, e desobedeço algumas regras. as vezes eu ligo pra algum amigo no meio da madrugada e peço desculpas por estar bebendo sozinha, e peço socorro pelo mesmo motivo. as vezes as pessoas que ficam não terão respostas, mas um abraço verdadeiro tem uma puta força. as vezes a gente resolve parar, olhar pros dois lados, a gente toma certo cuidado. as vezes não dá tempo. as vezes, mas só as vezes, eu me arrependo até doer, enlouqueço, sofro todos os males de uma vez só. as vezes é só um sonho ruim. as vezes você está por perto, as vezes eu prefiro ir pra um outro lugar.
as vezes eu sinto tanta raiva, as vezes medo. as vezes eu me recupero rápido.
as vezes aquela música linda toca no rádio.
as vezes toca só na minha cabeça. na verdade, não para de tocar, não para nunca.

24.11.10

pontadas no apêndice

quarta-feira, manhã, um engasgo.

Mal consigo enxergar o teclado ou a tela do computador, agora. Nem minhas próprias mãos, trêmulas, conseguem cessar o chorar, agora. Deus sabe que hoje eu queria (precisava) ler extamente aquilo, aquilo que você escreveu, e se não foi ele só pode ter sido o Diabo na tentativa de me socar ainda mais a cara. Deu certo, os dois me trouxeram ao lugar certo, e como eu queria levantar agora dessa cadeira e ir até aí te pedir um colo e um copo com água. Dois minutos de silêncio. Eu aprendi a dosar certas coisas, como o pó de café no filtro melita. Tenho sentido medo de dormir com a porta aberta, tenho tido pesadelos e tô viciada em criar histórias quais não consigo botar no papel. E você entende tudo isso, né Dri? Você entende quando eu digo que tô morrendo de vergonha e que meus ataques de cólera são tão malucos e angelicais quanto todo o resto do que eu digo, penso, mastigo e cuspo, não entende? Eu acho salto de verniz vermelho a coisa mais linda do mundo, no seu pé, e acho que os teus cachos deveriam ser proibidos porque depois de encará-los é impossível escapar. Eu não lembro como foi que isso aconteceu, e acho até que acontece toda vez que eu te vejo e lembro de uma frase do Caio F. que é mais ou menos "cada um tem seus processos... você precisa entender os seus" e eu não lembro como foi que isso começou. Eu te amo. Ontem, você sacou tudo, me olhou e riu, eu chorava de raiva, você também, por isso a gente rachou o bico. Me perguntou porque eu brigava tanto com o passado e eu disse que se soubesse te contava só pra gente fazer alguma piada, poque eu tava precisando tanto de uma, bem naquela hora. Eu te disse na frente do espelho que nós duas sofremos da mesma dádiva (pra não repetir a palavra loucura o tempo todo), rachamos o bico e talvez abrimos mais uma fenda no tal muro de nossas lamentações. Porra, eu achei que tava no meu melhor disfarce, daí você se aproximou com o riso rasgado e me pergunto aquilo, sobre aquela raiva que eu tava tentando esconder (mentira, tava nada, você percebeu isso também) chutando lata no escuro.
Rachamos o bico! Espero que seja pra sempre assim.

23.11.10

É HOJE >> E É OBRIGATÓRIO:




Palavras da autora/editora:


No dia 23 de novembro, terça-feira, estaremos comemorando o lançamento do meu livro e também o início das atividades da Panelinha Books.


Nosso assessor de imprensa Ademir Muniz veio com essa "é muito bom ver um projeto que sai do papel, ou nesse caso, vai pro papel!"


É isso.

A Panelinha vai jogar tudo no papel, e com responsa.


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*
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Serviço:
Coquetel de lançamento do livro “Os tiros vêm do paraíso” + festa de “inauguração” da Panelinha Books
dia 23 de novembro de 2010, terça-feira
(HOJE)
20hs
Club Noir (r. augusta, 331)
entrada franca
preço do livro: R$ 10,00
*
*preço promocional apenas para o dia do lançamento


(Luana Vignon)

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E eu queria poder escrever agora tudo que penso e sinto quando leio os poemas dessa minha Amiga, mas me calo, e abro num sorriso tudo quanto importa no dia de hoje: alegria!

Parabéns Luana, eu sou sua fã!

6.11.10

ela terminou de tricotar o meu casaco e levantou a mala leve, eu nem precisei ajudá-la a carregar a mala até o táxi. tirei um trocado do bolso mas não estendi, seria demais pagar pela despedida. sempre achei muito bonito vê-la tricotar no sofá da sala, ela ficava em silêncio e as vezes resmungava algumas músicas e eu dizia "isso é bonito mesmo" e ela sorria frouxa sem tirar os olhos das mãos. eu ligava a televisão e smepre na hora da novela ficávamos em silêncio tricotando pensamentos e ruminando silenciosamente idéias e sonhos e jantares que devíamos a algumas pessoas. é sempre previsível, as novelas, aquelas frases feitas e uma trilha sonora horrosa. comentávamos "oh querida, você acredita nisso? eles vão se dar bem no final, todo mundo se dá bem no final". eu a conheci numa tarde de blues, ela veio na minha direção e me perguntou onde ficava o corredor dos enlatados, respondi numa tacada e ela sorriu. foi o único sorriso tranquilo depois disso. inventei um jeito de responder a essas perguntas mesmo sem muitas certezas. um supermercado pode ser a única referência no fim. ela nunca gostou dessa minha falta de jeito ou de afeto ou de coragem. uma vez eu disse a um amigo que eu estava feliz, uma outra eu disse que a bebida me enganava. sabe aquele minuto indiscreto de contentamento? já pensei em recomeçar uma porção de coisas, já pensei em telefonar pra aquele mesmo amigo e me desculpar, não que eu ou ele acreditássemos em arrependimento. ela passou muito tempo fazendo coisas e eu fazia coisas e as coisas faziam de nós tão estranhos quanto todo o resto. e aos poucos a casa ficava mais vazia. assim como aquelas gavetas que desistimos de abrir, não dá pra faxinar todas as lembranças. ela terminou o tricotar, eu acendi um cigarro, podia ter sido como naquelas novelas, como sempre acontece, e eu ainda acredito que os corredores mais perigosos não são aqueles dos enlatados.

27.10.10

Dallas - nova temporada!

né, Dri?

23 de Novembro - no Club Noir

clica na imagem
"Confirmada a festa de “oficialização” da Panelinha Books & lançamento do livro “Os Tiros Vêm do Paraíso” (Luana Vignon).

Anotem: será dia 23 de novembro, no Club Noir, às 20h."

5.10.10

e quando está daquele lado indiscreto pra onde insistimos não olhar, aquele lado cheio de sons e cheiros e que olhando daqui parece muito, muito perigoso a noite, ou em qualquer hora do dia.
o que tem dentro do envelope que você carrega seguro no peito?
porque algumas pessoas vão te decepcionar tantas vezes até que você aprenda que erros e mágoas e lembranças e desculpas não são a mesma coisa. os teus amigos não vão mais se preocupar com o que você fez de si mesmo. suas contas vão continuar chegando por debaixo da porta. o carteiro ainda terá problemas com os cachorros da vizinhança. a mulher mais triste que você já conheceu na vida ainda será a única mulher da sua vida. e quando estiver absurdamente cansado ainda não terá coragem de abrir a correspondência, de desligar os eletrodomésticos, de tirar as chaves do carro do bolso da calça. e vai continuar cultivando segredos.
alguém vai dizer que tá tudo certo. e sentirá tanta raiva que vai enfiar a mão na parede de cimento, assim, sem pensar muito. e quando isso acontecer vai encarar os dedos quebrados, a mão cheia de sangue, e o buraco no muro de cimento, e se ainda não estiver louco o suficiente vai conseguir enxergar do outro lado. depois disso não tem mais volta. porque abrir buracos requer um equilibrio entre o céu e o inferno que alguns nunca vão ter, e você sabe disso, e é por isso que rasga os tickets do supermercado, os cartões de visita do chaveiro, aqueles bilhetes irreparáveis. e ainda acaricia mágoas que julga suficiente pra uma vida inteira.
as coisas vão continuar indo e vindo, assim como as pessoas, como as horas, folhas caindo, os carros da polícia, as sombras trocando de lado conforme a posição do poste na esquina, assim como aqueles buracos que nunca fecham. porque não se trata de heroismo ser sozinhho. algumas vezes é quase a única saída. ou o quanto te sobra.

28.8.10

Ou é aquele desejo interminável de te - me - encontrar outra vez. Entrar no supermercado e rodar corredores sem ter em mente o que comprar, de detergente ao achocolatado, cerveja, pão, não comprar nada e voltar pra casa cultivando um tipo estranho de solidão. Ou aquela música fudidamente bonita que você canta rouca tirando a roupa e jogando a sua calcinha de algodão bem no meio da minha cara, esfregando em mim aquele refrão que nunca mais soou nos corredores da casa. Números discados no telefone, milhares, ninguém atendeu aquela ligação que eu deveria ter feito, mas não fiz. Não é verdade que as piores coisas do mundo saíram do guarda roupa da gente? Pelo menos parece que é assim quando a gente volta e encontra tudo no mesmo lugar, no lugar errado. Cansaço. Uma última chance pra uma história acabada, mas que nas fotos parecia eterna. Linda, a história de amor dos donos da rua, linda como você entrando naquele bar com o dedo apontado pra minha cara e indo embora balançando frases soltas e terrivelmente sinceras. Cabelos brancos tantos quantas vezes as coisas podem, e quase sempre dão, num final deslocado, fora de foco, sem prêmios além de loucos corações em mil pedaços. Pés doloridos tanto quanto a paciência passa da conta, e passa, e passa bem longe. Assim como a consciência, na mesma medida de uma ressaca. Falível como as nossas brigas por quase nada, porque é assim mesmo baby, é quase nada.

19.8.10

as minhas descrições

Eu tava olhando pra você enquanto o olhar dela te emoldurava e por alguns terríveis quinze segundos, inteiros, você me evitou. Sem saber o que fazer com todos os meus milhares de pedaços espalhados pelo chão me levantei e fui mijar, na verdade só fui até o banheiro e encarei um olhar nublado e assustado na frente do espelho. Pensei naqueles filmes em que a janelinha está sempre entreaberta e então eu fugiria dali pelo fundos. Me refugiei em metáforas e voltei contando os passos um atrás do outro, eu tentei não te encarar. Porque jurei que nunca mais vou borrar um sorriso seu. Você tava sorrindo. Sentamos, erguemos os copos, e você segurou na minha mão bem na hora que eu ia derreter, e eu fiquei ali pra ouvir o resto da conversa, na verdade eu fiquei ali porque não havia nenhum outro lugar do mundo em que meus pedaços soltos e espalhados no chão não se perderiam. E nada se perdeu, então.

2.8.10

Entramos no banheiro fazendo graça como crianças que aprontam escondidas dos adultos. Era noite de festa, todos riam e dançávam, todos nós bebíamos. Ele disse que tava com sono, tava com sono mas ficou ali e eu enfiei minha mão na sua calça. Eu enfiei minha língua na sua boca, minha insanidade no seu bolso e fiquei ali sorrindo o meu sorriso mais incrível. Na verdade eu tava tão feliz que nem notei aquelas situações que a noite sempre deixa escapar. Acabou o cigarro, eu precisava caminhar um pouco, tinha muita coisa na minha cabeça e eu tava com medo de explodir e sujar tudo, tudo aquilo que eu tava torcendo pra nunca mais acabar (pelo menos por toda a eternidade que cabe numa noite agradável). Ele me fez compania, ele fingiu que não tava atento quando eu acertei o meu passo no mesmo passo que ele, ele tava pisando forte igualzinho os meus pensamentos, e a gente entrou na loja de conveniências do posto de gasolina. Compramos cigarros, três maços, dividimos um no caminho de volta. E foi no caminho de volta que eu me pendurei no seu pescoço e beijei seus lábios como se nunca mais eu fosse te ver. E talvez não veria... mas seu pau entendeu o meu beijo e nos escondemos atrás de uma árvore pequena, na calçada, e se ninguém tivesse visto a gente tinha ficado um tempão ali. Porque a gente tinha colado um no outro. Daí a gente entrou escondido naquele banheiro, puta fila no lado de fora, a gente ria baixinho, e a gente confessa pecados baixinho também. Seu gosto, seu cheiro, a sua mão segurando o meu peito e esmagando medos. Sexo como quem acaba de descobrir um tesouro, aquele oásis no meio do deserto. Minhas mãos contra a parede, suas mãos apertando minhas coxas e a gente rindo por dentro e por fora. A gente colou mesmo, a gente quase trocou de corpo e de juízo. Eu faria qualquer coisa pra te explicar cada pensamento maluco que tava na minha cabeça, mas você me olhou como quem tava sacando, mesmo que tristemente a gente se entendeu. E a gente sentiu tanta falta. Foi um segredo que dividimos em silêncio absoluto. E quando entrei no táxi fiquei olhando você virar a esquina, você não olhou pra trás, eu torci o pescoço até o final da rua, e cochilei o resto do caminhho.

28.7.10

Apóia a cabeça na pia, na pia do banheiro, abre o registro e fica olhando a água cair. Não era de loucura que falávamos ao telefone? Tô aqui pensando na sua bunda, nela todinha, nela gentilmente me acompanhando num trago. Conheci uma garota muito parecida contigo. Ela tem quase a sua idade, quase a sua doçura também. Mas é uma outra garota e eu tenho encontrado com ela no escuro, naquele beco frio onde você se despediu de mim. Escrevemos cartas um ao outro e eu pedi que assinasse seu nome. Porque eu ainda penso em você. Nos teus peitos colados na minha pele assistindo tv no fim de semana. Até trepamos usando as tuas lembranças. Um maço inteiro de cigarro não tira o seu cheiro das minhas mãos. Nem o gosto de sexo novo na boca, meu pau duro as três e meia da manhã, nada tira você de mim. Eu desliguei o telefone ainda com suas palavras fodendo comigo "bobo! você sabe que eu te amo." e eu desejei um milhão de vezes querer odiar você. Daí encontrei aquela sua fotografia no carro, você sem nenhuma roupa, lábios vermelhos com batom, eu tinha beijado seus cabelos antes de bater a foto. E você tava se despedindo...

22.7.10

sabíamos

Desde o começo. E nunca mais seríamos os mesmos, nossas vidas funcionavam juntas, numa ordem desgovernada, ás vezes confusa. Doía. Cada vez que ela arrumava suas coisas, cada vez que voltava trazendo de volta olhos inchados. Perdemos. Muito de nós dois, a individualidade tirou férias eternas, o meu corpo e o seu corpo transpiravam juntos, não dava pra não perceber mas era um contrato ilimitado esse nosso. Cansávamos. De todo o desprezo que insistíamos tentar confrontar, de toda a angústia que a ausência rara marcava, das minhas mãos frias em seus seios, dos teus seios frios cruzando a rua. Sonhamos. Com quintais, filhos, amantes, um assassino como naqueles filmes, um outro domingo, um outro amigo em comum contando segredos que nós dois inventávamos. Dormíamos. Dormíamos.
Pedi pra não abrir os olhos, era uma coisa ruim de levar na memória, mas você não deu ouvido, e foi caminhando naquela direção, e foi caminhando pra muito longe de onde eu pudesse cuidar de você. Por que fez isso? Minha linda, por que você fez isso?
Esquecemos. Você primeiro, de você mesma primeiro, e de todo o resto em tão pouco tempo (foi rápido demais, não foi?). Esqueci. De que não era só te abrir os olhos, não era só cercar os portões dos teus descaminhos, talvez eu devesse ter ido até lá e não sei o que faria, mas estaria mais perto daquela areia movediça e daquelas sombras esquisitas. Você se foi. Eu fui também. Nós tínhamos um plano, e esse contrato eterno de sermos um do outro (você é minha, ainda). Bebíamos. Muito mais do que aos outros incomodava, muito menos do que as nossas vidas suportavam. Amamos. Os dois, as unhas, carnes e seus cabelos finos presos nas minhas roupas, nas minhas costelas e seu Cheiro dentro de mim, inflando os pulmões, socos, beijos, sua bunda em tudo que faço, aquela cama/refúgio onde nossos personagens e algo muito, mesmo, bem próximo do que você me explicava sobre felicidade. Sua voz. Sua música, seus ruídos, suas unhas vermelhas roídas. Medo. De que você fosse mesmo a mulher mais linda do mundo (e eu absolutamente certo disso), de que você não voltasse, ou da minha própria partida. Raiva. Porque minhas atitudes sempre foram precedidas de nenhuma cautela, porque suas fantasias sempre foram as maiores vilãs do meu ciúme, medo da vontade insuportável de nunca sair de perto de qualquer lugar onde estivéssemos juntos. Razão. Por ter sido você aquela menina no ponto de ônibus, por ter sido eu o cara que te emprestou aquele livro. Lembranças... Quando as coisas estão mais distantes, quando é a saudade aqui onde você TINHA que estar. Da primeira vez que você abusou dos teus limites e eu estava ali, mas não estava ao mesmo tempo. Amor. Por cada vez que você tirou a roupa olhando dentro dos meus olhos, por cada segredo que me contou no meio da madrugada, por sua pele cobrindo minha vida, por minha vida abrindo espaço pra você, por você louca rindo e gritando no meio da rua a piada mais engraçada do mundo, que nós inventamos, por viagens que nunca fizemos, pela família que nunca conhecemos, por nosso livro mágico, por nossos cigarros queimando num cinzeiro no canto do bar, por nossa cerveja descendo gelada e nossas vozes cruzando a maior e mais inexplicável sensação que alguém pode sentir, por nossas ressacas, nossas brigas, nossas declarações despudoradas, bêbados disfarçados no elevador, nossas roupas molhadas de chuva, nossas gripes e nossa varanda.
Tempo. Que não me agrada, que não nos deixa escolhas apenas muitas e muitas melodias. Tristes melodias. Um blues mudo, que morre nos teus ouvidos.
(2008)

8.7.10

Aê Pagoto!

Hoje e amanhã a banda Saco de Ratos se apresenta no Centro Cultural São Paulo.
Lançando o CD "Saco de Ratos - Velhos Bêbados Barrigudos Tocadores de Blues".
Hoje: 18:30h
Amanhã: 12:30h
*Nos dois dias a formação da banda é :
Mário Bortolotto - Vocal
Marcelo Watanabe e Basa : Guitarras
Fábio Pagotto : Baixo
Rick Vechione : Bateria



(Rick Vechione, Fabio Pagoto e Mário Bortolotto - foto de Luiz Filipe "Ogro")


Lançamento do CD - Velhos Bêbados Barrigudos Tocadores de Blues
Hoje, às 18h30 - Amanhã, às 12h30
Centro Cultural São Paulo (CCSP)
Rua Vergueiro, 1.000, Paraíso - Sala Adoniran Barbosa

Tel. (011) 3397-4002
Grátis!



A jornalista Adriana Del Ré entrevistou os caras para o JT, a entrevista saiu no jornal de hoje.

Segundo o Ademir a versão on line está mais "resumida" (ainda não li no jornal).

E dá pra conferir também a entrevista que eles deram para a Rádio Web do CCSP:

Saco de Ratos

3.7.10

Paula Klaus


um sorriso.

ps.

Fui caminhando e pensando no que eu tenho tentado entender, recuperar, consertar. Até perdoar. Alinhando datas, relembrando frases, gestos, despedidas, mentiras minhas, e tudo vinha numa longa linha tão triste que meus passos na rua foram ficando cada vez mais curtos, até que eu parei, sem ar, o rosto todo molhado, soluços, socos na perna com a mão fechada. O que é que tá acontecendo?
Revirei a minha bolsa olhando pro lado da rua onde não havia nada além dos portões fechados de algumas casas, acendi um cigarro, fechei a bolsa tão desatenta ao zíper (numa daquelas tentativas de disperçar) que quase prendi o dedo. E não ia doer, não ia. Não estava tão interessada em entrar naquele lugar e encontrar as pessoas, histórias, ouvir música e beber alguma cerveja, mas dar meia volta e enfrentar aquele diário que eu tirei de dentro da cabeça e deixei em casa era assustador também. Daí aquela música do George Harrison começa e é a única coisa que eu ouço, tudo ao redor silenciou. Me esforço pra reagir de outra forma mas é tarde demais e tudo começa a doer ao mesmo tempo de um jeito tão filho da puta. E derrepente não havia mais anda além daquela música que tinha encontrado o caminho pros sentimentos e coisas que eu tenho evitado. Nunca tinha me sentido tão secretamente deslocada. Talvez me senti sozinha, sei lá.
Eu não sei como parar isso, não é fácil pensar em "daqui pra frente" e manter o controle, pra mim não é. Eu ouço tudo, tento administrar, faço uma lista, revejo fotografias, atendo meu telefone desapontada e passo o resto do dia e da noite com a mesma vontade de te encontrar. Absolutamente. Só aquela sensação de 'estar por perto' não resolve. O coração perdeu o jeito. Tenho tentado reunir a razão e a emoção numa mesma sala, a franqueza e a resiliência pedem a palavra, daí eu abro meus olhos e estou atravessando fora da faixa sem vontade nenhuma. Eu nem sei pra onde eu tô indo.

1.7.10

e tem aquela noite que podia ter sido,
e tem aqueles trocados no bolso junto de um bilhete
que nem deu tempo de te entregar,
e tem esse troço estranho dentro da gente,
e dentro de mim
essa raiva que resolveu entrar pra me ensinar umas boas,
e tem isso e aquilo que é melhor nem pensar muito.
pra não sofrer - foi o que você disse.

o sofrimento é irmão do proprietário,
e não faz acordo depois do quinto dia.

27.6.10

quem disse que você podia ficar? o acordo foi um copo d'agua, você podia usar o banheiro e depois iria embora. sim. você, suas coisas, seus sapatos e esses livros empoeirados. será que nunca vamos conseguir uma conversa franca? desonestidade não é pra desviar monotonia, babie. e agora isso, você limpa tudo, pinta paredes, COZINHA, e como se nada estivesse muito, muito errado mesmo, você me pergunta "gosta?". eu quero arrancar sua cabeça, seus dentes e esse sorriso filho da puta que você sempre teve. um sorriso filho da puta pra mim é a coisa mais bonita e verdadeira que existe, sabe? e você não tem o direito de vir aqui e desarrumar tudo que eu fiz questão de espalhar quando quis me esconder de você. e não vem com essa de tirar a roupa, de chorar, de molhar a ponta dos dedos no meu vinho. vai embora daqui. vai embora de mim e de tudo que você fez questão de transformar nessa estupidez irreparável. irrefreável, portanto. agora arruma as tuas coisas e vai embora. é, eu preciso ficar aqui sozinho, mal humorado de vez em quando, você não entende? quando está aqui eu me sinto bem, e sentir-me bem o tempo todo, merda, é sintoma da loucura. quem disse que você tinha o direito de melhorar as coisas pra nós e tornar tudo mais tranquilo só pra ir embora depois e se vingar sabendo que eu vou te pedir muitas vezes? deixei você entrar e não consigo te mandar embora, sair, sumir. não queria ter que fazer isso mas tudo vai ficar pior se você continuar me olhando pelos cantos dos olhos todas as manhãs. e tem aquele lance com amor... se precisar de alguma coisa me telefona, não volta aqui a menos que seja um caso muito sério. e não vá dizer que aquela lagartixa, que você ainda jura que era azul, começou a falar e por isso você não podia dormir lá naquela noite.

17.6.10

tá tudo bem

Mas as vezes dá vontade de mandar pra puta que o pariu. De juntar as mãos e rezar pra que o dia acabe mais depressa, pra que as cartas cheguem logo, dá vontade de ficar sentada na cadeira esperando alguma coisa acontecer. Ou sair de casa logo cedo enfrentando esquinas e vencendo apostas só pra fazer as coisas valerem mais a pena, ou pra não virar rotina. Monotonia. Dá vontade de dizer pras pessoas o quanto elas estão equivocadas a meu respeito, e pedir desculpa por esse ímpeto de raiva só pra não deixar de lado essa minha mania de confiar nas coisas. E nenhuma desculpa resolve e nem cobre essas feridas nas minhas pernas, e por toda parte. E o som que tá saindo do rádio agora turva minha visão e tira o ar e atormenta deliciosamente meus pensamentos. Minha mãe fazendo barulhos na cozinha, gosto quando ouço outros barulhos na casa, barulhos que não são meus e não me importam muito mas que estão por aqui e mudam as coisas. E tem o rádio tocando rock'n roll, e tem o livro aberto perto do travesseiro cheio de reticências, e você na minha retina, e você em todas as coisas que eu quero fazer. Erros, acertos, despedidas, contas a pagar. Uma dança na cozinha e o coração na boca, derretendo um sorriso que não saiu mais da minha cara. A cadeira do cinema, meus tênis no chão e meus pés desajeitadamente apoiados em você, na sua ironia gostosa, no seu gosto por coisas simples. Quando o filme acabou eu queria me esconder em algum lugar com você pra bolarmos um plano.
Mas as vezes dá vontade de começar um regime, de cometer um crime, de comprar uma passagem. E dá vontade de dormir pra sonhar com as coisas que demoram pra acontecer. E de comer tudo quanto é porcaria, até a barriga doer, e se arrepender e rir de si mesmo com certa dose de idiotice.
As vezes dá vontade de recomeçar coisas, mesmo sabendo que as vezes não acontece assim.

29.5.10

a boca ainda inchada, os lábios mais parecidos com gomos de mexerica, e vermelhos e roxos e doloridos. a memória das últimas dez horas um tanto esfumaçada, meus olhos ardem com a luz do quarto. as portas do guarda roupa escancaradas, nenhuma roupa além das minhas poucas camisas e calças surradas e azul marinho e marrom claras. um gosto azedo na boca, minha barriga roncando, pernas doendo. o maço de cigarros caído no chão longe da minha cama, me esforço entre uma tosse de arrancar os cabelos da nuca e terríveis dores abdominais. tentaram me matar, de certo. a caixa de fósforos também no chão, mas do outro lado da cama. diabos, tenho que rastejar como um animal ferido. nenhuma dignidade. me acomodo no chão, puxo o lençol da cama e cubro minhas pernas brancas e flácidas e mijadas.

então saímos de casa planejando um passeio pelas ruas do bairro, já passava das onze, o jornal tinha sido uma merda como tem sido ha algum tempo, tínhamos cupons pra comer uma pizza, comemos. descemos a rua lateral, nós é que demos nome a essa rua, lateral, porque quando voltamos pela madrugada, trôpegos, damos nomes as coisas e aos lugares, é sempre a mesma coisa. eu andando dois passos atrás, fumando o cigarro até a bituca, olhando mais pro chão do que pra ela. ela falando sobre quase todas as coisas do mundo, gracejando, olhando pros meus pés e pra minha cara, andando sempre um pouco mais depressa que eu, pra evitar que nossas mãos fiquem muito próximas. sábado de noite, carros com famílias indo e vindo, namorados aproveitando sombras noturnas e beijos nervosos, cachorros, neblina. um bar logo a frente, entramos. sentamos numa mesa de três cadeiras acolchoadas. tinha música, tinha cerveja gelada e eu estava me sentindo bem, ali com ela e aqueles botões audaciosos da sua blusa.

gosto de sangue na minha boca. esse quarto revirado, cena de partida, silêncio. um trago no cigarro com um gemido de dor, acho que me atropelaram, um guinú enfurecido e não sei porque penso num guinú de camisa flanela, xadrez como um tabuleiro de jogos, copos arremessados, o garçom segurando meus pulsos, o olhar assustado que ela jogou pra cima de mim. acabo de me lembrar o nome do guinú, e de lembrar da cena inteira em que ele enlaçava a cintura dela, que sorria, que dançava, que sorvia goles de cerveja sem culpa, sem perceber quando me levantei desequilibrado e falei sobre suas manias e despejei uma caneca de ciúmes sobre seus cabelos. o bar fervia pois ainda era cedo pra noite se cansar. seguramos um no braço do outro e ela me lançou aquele olhar de quem me mataria naquele exato segundo se pudesse. entramos numa farmácia vinte e quatro horas, ela pediu água oxigenada e esparadrapo e uma gaze. eu fiquei olhando comisinhas, todo tipo de camisinha, antes era só pedir um pacote de camisinhas e trepar, agora te perguntam até o sabor, e ninguém trepa como antes também. o atendente olhou dentro do decote dela, me aproximei e fechei o botão da blusa sorrindo, e voltei pras camisinhas, o atendente entregou o que ela pediu e ela me pediu a grana, eu falei pra ela que camisinha agora é preservativo e tem cheiro de pasta de dente, ela soltou um vai se foder indiferente e enfiou o troco no bolso do jeans. daí eu olhei pra sua bunda, uma bunda empinada, redonda, uma bunda pequena. eu me apaixonei por aquela bunda e por todas as noites quando ela se virava de costas e se espremia em mim, ela se ajeitava e dormia enquanto passava boas horas bolinando sua bunda pequena. sentamos na calçada da farmácia e ela enrrolou os cabelos molhados de cerveja e prendeu no alto. eu perguntei porque estava tão brava e ela não respondeu, apenas derramou água oxigenada na minha cara e nas minhas mãos que sangravam e fez um curativo. ficamos um bom tempo sentados ali, em silêncio, ela começou a chorar. eu sabia que as coisas não estavam bem pra nós, mas eu queria que ela soubesse que eu a amava e eu soltei seus cabelos e os beijei, ela soluçava. acendi um cigarro e ela me acompanhou, ficamos fumando idéias silenciosas.

você sempre faz isso, você é um puto fodido

e aquele viado queria o que, minha putinha?

eu quero beber umas cervejas, meu cabelo tá grudento, vou gastar seu dinheiro com cervejas

tem um bar aqui perto, prometo me comportar mamãe - eu disse repetindo uma brincadeira iditoa que sempre fazia ela sorrir.

ela sorriu e se levantou e me ajudou a me levantar. beijei seus lábios. entramos em outro bar e não tinha música, ela se debruçou no balcão e perguntou se podia usar o banheiro, o cara no balcão apontou pra uma portinha no final de um corredor. ela segurou minha mão com cuidado pra não desfazer o curativo, eu pedi uma cerveja pra cada e ela foi andando rindo baixinho como uma louca. entramos no banheiro feminino e ela se sentou num balcão pequeno ao lado da pia, seu rosto já não era tão jovem mas muito bonito, e seu jeito de falar e gesticular e rir e seu jeito todo era uma coisa insuportávelmente bonita. eu pedi desculpas e antes que eu tivesse terminado algum tipo de explicação ela enfiou a língua dentro da minha boca e abriu meu zíper. saímos do banheiro quando alguém bateu na porta. pegamos nossas cervejas e sentamos no balcão. ela ficou roendo unhas e fazendo círculos invisíveis sobre o balcão com a ponta dos dedos roídos. saí pra fumar um cigarro. lembrei de quando a conheci. pensei nas coisas que mudam o tempo todo, nas dificuldades pra voltar atrás e pra seguir em frente, nos preços das coisas nos supermercados, nos anúncios de emprego e nas falcatruas políticas, eu passaria o resto da noite parado ali enquanto poucos carros passavam e as pessoas iam pra algum lugar fazer coisas incríveis como todos nós deveríamos fazer, a noite merece ser boa, e os postes piscavam, falhavam, a luz amarelada refletia nos retorvisores e era como um piscar de olhos pra mim, a noite me seduzia.

quando voltei ela continuava com seus círculos e me dise que tinha muito medo de não ficar velha no tempo certo, como se as coisas tivessem que acontecer a todo instante e ela estivesse perdendo tempo. eu entendi. eu disse que pra ficarmos velhos era só sentar numa poltrona confortável e esticar a pernas e esperar a velhice chegar, eu que não tenho planos e não queria entrar naquela ferida que ela tava querendo rasgar ainda mais. ela perguntou se eu queria outra cerveja e me pediu dinheiro pra mais duas que mandamos ver rapidamente, quase de uma vez só, era o último trago de nossas vidas. porque a vida seria outra e ela seria outra e eu não queria saber daquilo.

pego minhas coisas amanhã a noite, e você se cuida, né?

pode dormir lá quando quiser, você sabe que eu penso em tantas coisas...

fiquei sozinho esperando o som da porta do bar as minhas costas, aquela poeirinha de melancolia caindo devagar e sumindo. o cara no balcão me ofereceu um trago de algo que ele bebia escondido do patrão, conversamos sobre as mulheres e eu disse que nunca vou saber nada delas e que por isso não vou enlouquecer. ele me mostrou uma fotografia de uma garotinha no colo de uma moça loira, eram suas mulheres. e eu saí de lá com um vento solitário que batia na minha cara e que daria um blues, um tipo de despedida. caminhei contando os passos e contando o dinheiro que sobrou e numa esquina ouvi uns gemidos e passos e o guinú veio pra cima de mim numa velocidade incrível.

lembro de chegar em casa horas depois. acho que desmaiei. alguém me colocou na cama. alguém que arrumou malas e problemas enquanto eu dormia. e foi embora.
pensei em Deus, e ele criou as mulheres pra que não perdessemos a fé, e então nos fodemos, todos. quando conseguir me levantar daqui volto naquela farmácia pra perguntar pra rapazinho tarado se alguém realmente compra todo tipo daquelas camisinhas e se ele pensa em Deus e no diabo e se ele tem idéia de quanto tempo temos até ficarmos velhos no tempo certo.