2.7.08

Preciso dar um jeito nisso. Não, eu preciso digerir uma decisão que tomei. Porque é mais simples do que a gente pensa, é mais bonito do que a gente enxerga. Deixar de escrever a mesma frase no vidro sujo do carro "lave-me por favor", parar de tocar a campainha e sair correndo. Jogar mais toalhas na máquina de lavar quando ligar no nível alto, aproveitar a água do segundo enxágue pra lavar o chão. Fazer mais coisas simples ou simplificar mais as coisas antes de arrumar malas e escrever cartas e pedir um abraços. Preciso tomar coragem pra deixar essas merdas de lado e embarcar logo de uma vez. E eu sei que vou me fuder e vai ser quase desesperador no começo, e durante todo o resto. Mas não é bom me arriscar nos espinhos, estes de agora eu digo, pois é bem mais simples do que a gente pensa. Ô! se pensa. Telefonei pra uma pizzaria e disse que estava com fome e que comeria uma pizza grande de mussarela com rodelas de tomate e bastante orégano, e com o molho bem vermelho esparramado nas bordas bem assadas, e azeitonas por cima, (minha boca salivando) aí o atendente falou "ok, qual seu endereço?" e eu disse pra ele que não ia fazer um pedido, só queria parabenizar a pizzaria pelo atendimento e dizer que compraria uma assim que tivesse o dinheiro, mas que seria sem dúvidas a minha primeira opção e ele não pareceu muito satisfeito comigo "você parece ser bem grandinha pra ficar passando trote, vai arranjar o que fazer ô" e desligou o telefone batendo o gancho com força. E foi o que fiz, arranjei o que fazer. Tomei uma decisão que vai me dar alguma dor de cabeça e talvez alguns atrasos. Só espero me divertir com isso, e ficar feliz o máximo de tempo possível. E não vejo a hora de ligar denovo pro cara da pizzaria, espero que ele não desligue na minha cara desacreditando no meu pedido que dessa vez vai ser um pedido de verdade.

30.6.08

nem todo dia

Sabe o que é engraçado? As pessoas perguntam se você está bem, mas elas não querem saber disso só querem que você saiba que elas não estão. Vem aquela senhora gorda no ônibus, e isso não é nenhum tipo de preconceito já que ela é mesmo uma senhora e está gorda, e fica te encarando pra ganhar seu lugar, ela fica com aquela cara de coitada e você se levanta não por educação mas pra ela parar de te encarar daquele jeito. Aí você se equilibra cheio de bolsas, livros, sacolas e ela não te oferece ajuda educadamente, como você fez a pouco, ela se encosta desleixada e ronca. E tem aquele cara "engraçadinho" que sempre está na fila da padaria na sua frente, sempre, e ele usa roupas super coloridas e muito, mas muito gel nos cabelos, ele se vira e começa a puxar papo com você sobre a balconista gostosa. O cara nem te conhece e bate nas suas costas e te chama de "amigo". A balconista te olha com pena por estar passando pela mesma situação que ela passou a poucos minutos, e que passa todos os dias sabe lá desde quando. E ele te diz as horas pra mostrar o relógio de ouro que o patrão lhe deu como prêmio de final de ano. Ele não desconfia que nada disso te interessa, que você só está ali pra comprar um pão na chapa pra viagem pra segurar a onda até a hora do almoço. Isso não é engraçado. O porteiro do seu trampo faz a mesma piada a trezentos e cinquenta anos e ri sozinho. O elevador abre a porta, você entra e aperta o cinco e a porta se fecha, e ele tá sem fôlego e sozinho. O seu chefe dorme todas as noites numa cama das mais confortáveis, acorda com suco de laranja natural, com adoçante, frutas descascadas sobre uma bandeja caríssima (e não tô falando de banana nem mexerica), torradas e biscoitinhos deliciosos servidos pontualmente. Toma banho numa daquelas banheiras enormes com sais relaxantes e o caralho, veste uma roupa diferente a cada dia, não tem aquele negócio de virar a cueca. Ele entra no carro, 0km, e não mais que em vinte minutos está sentado numa cadeira reclinável com aquela pergunta estúpida de sempre "que cara é essa, rapaz?". Você sabe que é melhor não responder, que qualquer palavra sua vai ser ignorada com um telefona importante e cifrões e cifrões. "um resfriado, logo melhora" e mesmo sem ele ter te ouvido ou acudido você vai pra sua sala com a certeza de que não é tão ruim pensar em assassinatos. Mas não vejo nada de engraçado numa manhã assim. A secretária do seu chefe, aquela mulher de quase quarenta, divorciada, mãe de uma adolescente linda e problemática, ela não acordou tão bem quanto você, mas ela pensa que sim e talvez isso a faça feliz. Traz papéis empilhados com datas ultrapassadas e insiste que o atraso é sua culpa, e fala das contas, do filho da puta do ex-marido e sai correndo pra telefonar pra uma amiga. A rotina diária não é nem um pouco engraçada. Falo disso porque acho que seria mais fácil se conseguisse me divertir um pouco. Sabe o que poderia ser engraçado? Ao meio-dia, aquele seu "colega animado" dissesse que não poderiam almoçar juntos. E lá no restaurante costumeiro as pessoas sentassem longe umas das outras. A televisão poderia estar virada pro outro lado, ao que você sentou, e talvez alguém concordasse contigo que Tom e Jerry é mais agradável que crianças degoladas no telejornal. Entende agora, não tem nada de engraçado. Eu poderia parar aqui, e resumir minha carranca ao meio-dia, mas sabe aquela senhora do café? Aquela mulher baixinha de avental e touca? Ela não perde nenhum capítulo da novela. Fico imaginando onde uma pessoa que sustenta quatro filhos e três netos, tem também o marido inválido, onde essa pessoa arruma tempo pra novela. Como eu sei? Ela me conta cada capítulo, eu mandaria pro inferno se ela não tivesse os netos e marido inválido. A minha vida não se resume a sentar nessa cadeira e ouvir estórias, nem em almoçar com um cara que frequenta barzinhos descolados com a "galera da facul", tenho meus problemas e eles não batem ponto, eles ficam o tempo todo comigo, dia e noite. Ninguém precisa saber disso, mas que não me cobrem piadelas e sorrisos forçados. Que minha cara toda amassada não incomode ninguém. Tenho um gato que pegou sarna sei lá onde e acho que eu peguei também. Talvez se contasse isso todos se afastassem de mim. Teria dois metros de área livre em torno da minha vida (pelo menos durante oito ou dez horas diárias).
Mas sabe o que é realmente engraçado? Quando eu chego em casa e vejo o gato se retorcendo por causa da sarna, todo azulado e parecendo uma galinha depenada, daquelas galinhas estranguladas. Ele pára um instante e me encara, e faz algum tipo de sinal pra mim como pra dizer que tá tudo bem, que ele cuidou da nossa casa e mastigou todos os ratos. O que não dura mais que vinte segundos, aí o sarnento se desocupa de mim. Sem me perguntar nada, sem me encher o saco com suas escapadas noturnas em busca de uma felina no cio. Isso, entre eu e ele, é engraçado. Mas não todo dia.