18.1.13

dois segundos: você me perguntando sobre copos e gelo,

eu tirando a minha blusa e tentando esconder as marcas e cicatrizes.

você me olhando e me oferecendo um trago, eu me escondendo atrás da cortina.

dois segundos, você abrindo a porta, eu sentada na cama enchendo o copo até derramar.

dois segundos e você voltando com outra garrafa e pães e queijo,

você demorou, exatamente, dois segundos pra terminar de tirar a minha roupa.

17.1.13

numa lista:

fale baixo, seja educado, jamais me chame de"gatinha", não pise no meu pé se não estivermos dançando juntinhos, não fale mal dos meus Amigos a sério, não use meias pretas com bermuda, não me dê ordens, não me telefone pra desmarcar algo antes mesmo de marcar algo (é, acontece), não pense que sou sua mãe, não reclame das minhas roupas, não ouse reclamar do meu cabelo, não reclame quando eu chegar tarde da noite na sua casa com aquela cara sacana e for embora antes do amanhecer com a roupa e cabelos em desalinho (é, acontece), sorria comigo de qualquer bobagem, beba comigo até o último trago, me deixe dormir na mesa do bar quando eu estiver com sono, de vez em quando me deixe reclamar um pouco (só um pouco, vai!), me acompanhe desafinadamente numa música do Tim Maia no fim da festa, seja gentil com os garçons e taxistas, não me convide pra assistir filmes sobre cachorro, ignore fofocas-ladainhas-invejosos de toda sorte, não ignore meus olhares, não me julgue pelo que ouviu falar, me abrace, me beije, me mande à merda se quiser (honestidade), não faça promessas, pode reparar o tamanho da bunda que passou ao lado da mesa!, sente ao meu lado, sinta o meu perfume (eu gosto disso!). respeite os espaços, tenha paciência, preserve o bom humor!

16.1.13


tinha uma música do Cazuza tocando no rádio. ela me perguntou se eu já tinha visto uma cicatriz como aquela, me cutucou o braço e mostrou "assim, como essa aqui, já viu?" tinha uma noite pela metade e uma garrafa cheia. não consigo me lembrar com precisão como foi que a gente se conheceu. eu entrei numa daquelas lojas de conveniência de posto de gasolina, pedi um cigarro e uns chicletes, ela me devolveu o troco e me deu um papelzinho com o telefone da casa dela. daí numa outra noite eu liguei e pedi pra ela vir pra cá ouvir umas músicas. me perguntou se morava sozinho pois não curtia coisas bizarras, foi assim que ela falou. eu conheci um cara que gostava desses lances de sexo com várias pessoas. ele falava pra gente no bar, falava os detalhes, tinha até mãe e filha nessas histórias. nunca gostei disso, pra mim já é difícil ter alguém além de mim mesmo numa cama. ela chegou metida num vestido bonito, botas, cabelo arrumado, tava perfumada e aquele cheiro era bem melhor do que o cheiro dentro da casa. no posto de gasolina eles usam uniforme. uma roupinha verde e azul e um boné. fora daquele uniforme ela ficava muito mais bonita. eu disse pra ela quando abri a porta "eu tirei você de dentro daquela roupa verde e azul, então" e ela ajeitou o cabelo e sorriu. tava tocando uma música do Cazuza no rádio quando ela começou a me fazer perguntas, e fumar cigarros, me mostrou a cicatriz no braço e uma tatuagem na bunda.
"a minha mãe também tinha uma cicatriz. era na coxa. ela nunca contou como conseguiu aquilo. eu também nunca perguntei."
"sua mãe também era suicida?"
"não. nem eu. isso aqui foi um cara com uma faca. ele assaltou a loja e fez isso. eu tinha começado a trabalhar uns dez dias antes e já me deram uma licença de quase um mês. e um dinheiro. daí eu fiz a tatuagem."
"parece uma abelha..."
"é uma fada."
tem uma obra no apartamento do vizinho. estão quebrando paredes, o chão, estão trocando as janelas. estão mudando as histórias dentro do apartamento. estão lá o dia todo recriando um cenário novo pra vida de alguém. fico imaginando se os antigos vizinhos ficam tristes em ter memórias entulhadas no concreto. ou levaram tudo na última mudança, os barulhos, cheiros, os segredinhos todos? eu acho que estão quebrando as lembranças de alguém, mas na mesma hora eu penso "ah, Paula, deixa de bobagem pois aí só tem barulho". daí eu ouço os martelos, talhadeiras, eu ouço as risadas dos pedreiros logo pela manhã e tomo o café meio mau humorada meio envergonhada meio curiosa. toda reforma é igual, muda tudo, muda até a gente que fica diferente. muda o humor, muda a cor, muda o jeito de entrar e sair. estou pensando em botar uma plaquinha aqui no peito "em obras" e começar a fazer barulho também.

15.1.13

"você tava com uma cara de louco."
"é, eu tava meio louco mesmo, desculpa."
"o pior foi você beijar na boca daquela vagabunda. você e o bar inteiro beijaram a boca dela."
"você ficou com ciúmes?" 
"fiquei, só um pouco, mas fiquei mesmo é com medo. você quebrou tudo quando um cara falou do seu irmão bicha." 
"eu devia ter matado ele, faz tempo. e o que aconteceu depois?" 
"você me pediu umas moedas e botou uma música naquela máquina. daí você dançou comigo e me beijou." 
"e você gostou disso querida?" 
"quem não gostou foi aquela vagabunda. veio com tudo pra cima de mim. bati com uma garrafa na cara dela. deu a maior encrenca e botaram a gente pra fora." 
"eu não me lembro de nada. acho que caguei na calça, tô todo fodido." 
"normal. você cagou." 
"desculpa querida..." 
"eu tava sem grana e a gente voltou andando. meu pé tá inchado. quando a gente chegou você tirou a roupa e eu queria chupar você." 
"e você gostou de me chupar querida?" 
"não." 
"não..." 
"o seu pau tava mole. "
tem uma história inteira na minha cabeça. inventei. é um lance que eu faço quando eu não posso falar. eu invento uma história e divido um segredo sozinha. seria bem mais fácil se eu contasse pra alguém, porque daí a outra pessoa ia acabar fazendo algum tipo de comentário e a história ia ficar diferente. totalmente diferente. eu inventei uma soma também, uma continha maluca pra calcular o tempo depois de eu ter desligado o telefone e você ter aberto outra cerveja e ela ter perguntado quem era. sou ruim em matemática tanto quanto sou péssima em guardar esses segredos. mas é comigo, sabe, eu fico enfiando a língua no copo com gelo e água pra me distrair enquanto assisto os comerciais. tem cada propaganda absurda na tv, sabe, eu nem presto muita atenção mas é que esse lance de você desligar o telefone e ficar lá do outro lado da linha me deixa meio louca. eu até reproduzo aqui sozinha a conversa de vocês "quem era?" ela te pergunta lixando as unhas no sofá "era um cara do trabalho, ele tá marcando um jogo com os outros caras, é amanhã à noite" você diz isso pra ela pensando em me comer "você volta tarde?" lixando as unhas "vamos jogar... e beber..." você fica pensando em como gosta quando eu abro devagar o zíper da sua calça "ah, ok, tudo bem... vou dormir na casa da minha irmã" e eu fico com tanto ódio de você, porque eu tenho quase certeza que é exatamente assim que você consegue se livrar e chegar até aqui. aí eu fico triste, assim, triste e com ódio de você. e aí, só de mentirinha, eu penso que você quebrou a perna no jogo, com os caras do trabalho. tá vendo? eu fico cheia de histórias na cabeça. culpa dessa minha mania de querer inventar um jeito pra você voltar aqui.