5.2.10

estranhos.

Então a gente soma tudo isso e divide por dois. Ou fracionamos, enfiamos números primos na chave e passamos ao segundo problema. E se fosse só isso, fácil assim, era só a gente assumir nossa genialidade com a matemática e desistir do amor. Pronto, você me fez encucar com equações. Logo eu que nunca fui muito bom na matemática, e da física só lembro da professora que tinha uma bunda redonda, linda, que sufocava em vestidos de verão. Verão é muito perto das férias, lembro pouco da professora, menos ainda de você que saiu correndo do ponto de ônibus e embarcou num táxi. Os taxistas são quase íntimos, as vezes deixam a gente no pior lugar do mundo e "boa noite!" seguem a vida cobrando bandeira dois.
Eu queria ser bom em alguma coisa, como os caras que você costuma gostar. Caras que nunca te ligam antes do meio dia, caras com cheiro de calçada do centro, caras que topam qualquer coisa menos levar alguma delas a sério. Se você me quisesse como a esses caras eu até toparia, mas seria uma subtração e eu não entendo nada de matemática, como já te disse. Podíamos namorar em filosofia mas isso ia dar no saco. Você usava pijamas como os que usa agora? Acordava pelada no meio da noite, andando em círculos pelo quarto questionando datas no calendário, pensando em futuro, toalha molhada pendurada no box de vidro? Você já tinha trinta anos quando nasceu, sabia? As mulheres nascem assim. A minha mãe já nasceu assim. Ainda espio por debaixo do lençol pra ver se voltou. Se ainda gostaria que eu deixasse a luz acesa enquanto você joga a roupa por cima da poltrona. Eu queria ser um daqueles caras que você gosta só pra ir embora depois de gozar dentro do seu umbigo, como me contou uma vez e afirmou que foi a coisa mais absurda da sua vida. Porque eu não fui nem absurdo, nem magnífico, eu só te emprestei uns trocados pro táxi. E você não voltou mais.

1.2.10

Ela levantou-se devagar empurrando a cadeira cuidadosamente para trás. Se escondia num vestido justo de pano azul marinho. Estávamos calados ha algum tempo, ela mexia nos cabelos e ajeitava os peitos dentro do sutiã. Percebi que seu pescoço é comprido, e sua língua tão pretensiosa. Segurei seu braço e lembrei que não tinha dinheiro, o que não era nenhuma novidade pra ela ou pra qualquer outra pessoa que me conhecesse por pelo menos duas esquinas. Seus lábios vermelhos de batom crisparam, talvez de amor, e revirou a bolsa pequena que combinva com o vestido, e com todo o resto de sua vida, atrás de algum trocado. Jogou o dinheiro sobre a mesa enquanto tragava lentamente um gole do meu conhaque. Tudo passava do limite. Conferi a conta, o dinheiro, pedi outra dose enquanto ela ficava me olhando do alto tentando dizer alguma coisa ou me matar. Nunca disse que seria fácil encontrar alma dentro desse corpo. Senti uma constrangedora emoção quando uma moça entrou pela porta pequena e foi direto ao telefone perto do corredor nos fundos. Uma moça jovem, devia ter uns vinte e seis anos analisando sua cintura e sua pequena bunda redonda. Ela não olhou pra ninguém, não parecia estar atrasada pra um encontro, talvez não houvesse encontro algum. Levantei da minha cadeira e percebi que os olhos equilibrados sobre aquele vestido azul ainda estavam ali, não perceberam o que acabara de acontecer. Eu havia me apaixonado. Sorri e devolvi o troco, ofereci mais conhaque numa desesperada tentativa de dizer adeus. Mãos femininas sabem esbofetear com precisão científica. Acertam naquele lugar que a gente nunca lembra que existe, não é só um golpe físico. Nunca mais vamos nos ver depois disso, porque há também o orgulho e o cansaço, tem uma menina telefonando próximo ao corredor nos fundos. O amor da minha vida emoldurado por uma pequena bundinha redonda.