15.8.14

post-it

não ha mais espaço aqui pra você. todos os vazios foram preenchidos por uma tristeza toda colorida. as manhãs tem sido mais tediosas, o cair do dia é que sufoca. a lembrança do aceno, as moedas do troco do cigarro tilintando no meu bolso. você distante aqui do meu lado, segurando minha mão. não ha mais espaço pra mim também. que desbotei. que me esqueci de você só pra relembrar, como que de surpresa, e poder sorrir. não existem mais motivos, barulhos e nem o cheiro. tudo aquilo já não é mais. nem eu quando troco o seu nome por "você", quando troco de lado na calçada ao confundir um rosto, quando fecho os olhos na cama e sinto qualquer pele que não seja como a sua, colada na minha.

15.7.14

o luto é uma porta que atravessamos para um lado desconhecido de nós mesmos. quantas vezes eu disse "acho que não suportaria" e então a foice decepou um pedaço do meu coração e eu suportei não só a dor, a ausência e a saudade, suportei a injustiça de ter arrancado do meu peito aquele pedaço tão valioso. naquela noite eu não conseguia sorrir das conversas alheias que eu pescava no vagão do trem. aquela noite durou muito mais que nove ou dez horas de escuridão. o luto é importante pra que a gente consiga enxugar as lágrimas sem fazer besteira. a morte despeja uma porrada de dúvidas sobre nossa cabeça, silenciosamente, e então o desespero de não ouvir mais aquela voz ou a certeza que os cheiros vão se misturar com a fumaça da gordura vindo da cozinha e tudo será tão banal e invisível fere ainda mais. o luto é um quarto escuro sem mobília pra onde corremos quando não suportamos sequer nos encarar no espelho. a morte não é o fim pra quem fica, é algo muito pior.

23.6.14

post-it:


eu sonhei com você. era mais uma daquelas noites, longas, regadas a álcool e raiva e sexo. você usava um chapéu e nunca esteve tão ridículo. eu sabia o tempo todo que aquilo tudo era só fantasia, fumaça branca na chaminé numa tarde de inverno. acordei e, ainda bem!, você não estava mesmo aqui. fui tomar uma ducha, fui cuidar da minha vida. algumas lembranças só sobrevivem na imaginação.

3.1.14

desajeito

eu peguei um estilete

e

cuidadosamente separei você de mim

nas fotos, uma por uma

eram muitos álbuns

e

eu não pretendia sair de casa

até terminar.

contornei as nossas mãos entrelaçadas

e

não deixei qualquer vestígio

da minha pele junto da sua

assim me parecia fácil

afastar-nos.

uma e outra não teve jeito

ou eu levava um braço seu

ou você ficou com mechas dos meus cabelos

acho que deve ser assim

mesmo

alguns pedaços se misturam

de um jeito muito difícil

de desembaraçar.



Ps.: procurei no dicionário o significado da palavra "embaraço": dificuldade; estorvo, obstáculo /2. perturbação de espírito / 3. hesitação / 4. [popular] gravidez / 5. [medicina] leve doença, no canal digestivo.