12.11.13

faz um tempão que eu quero te falar isso, sabe aquela música do Lulu Santos que você fica cantarolando pelo interfone toda vez que chego no seu prédio? cara, eu detesto aquela música, e eu detesto o Lulu Santos também. a culpa não é sua, eu devia ter avisado desde o começo mas você nunca me deu a chance. o pior mesmo é quando tem alguém passando pela calçada e se diverte com aquilo, eu fico com ódio de você. desculpe mas eu fico cheia de ódio. tudo bem que nossa relação não tem mais aquele frisson do início, não me importo em te ver usar meias pretas com bermuda (e você sabe o quanto isso me incomoda), mas essa música não dá. eu não aguento mais isso. soube que ele tá apresentando um programa na tv, não tive coragem de conferir. eu realmente detesto o Lulu Santos e temos esse problemão agora. sabe, eu não sei se você vai continuar gostando de mim agora mas eu resolvi não recuar e vou até o fim. sim, estou te dando um ultimato, é isso mesmo. ou você pára de cantar essa merda de música no interfone ou eu vou te meter um chifre. e com aquele seu amigo que é a cara do Lulu Santos.

15.10.13

uma morena na beirada da cama secando os cabelos com a toalha
clima abafado no quarto, beijo na boca
e desordem, por dentro.

11.9.13

eu tava em pé no metrô lendo distraidamente um anúncio de pastilhas para garganta quando a voz de uma garota com fones nos ouvidos disparou pra mim "Valda é um nome legal, parece nome de uma tia solteirona daquele namorado que você nem gosta muito, você tá lá na casa dos pais dele num final de semana ensolarado, de ressaca, você veste uma camisetinha Hering pra parecer uma garota mais bacana e um pouco menos peituda, dessas coisas que não podem dar certo, aí chega a tia Valda fumando um cigarro e coçando a bunda, seu namorado fica meio sem jeito quando ela conta que já viu o pinto dele muito mais vezes que você, a mãe dele fica furiosa pois ela é a cunhada mais folgada dentre as cinco que ela herdou, o seu sogro não acha nada, nem da tia Valda nem de você e nem de ninguém, aí você tenta dizer alguma coisa pra desbaratinar o climão e perde a chance de ficar quieta mandando um "então preciso tirar o atraso" e todos te olham como se você estivesse pelada no meio da sala passando a língua nos lábios , é uma merda, como pode dar certo uma coisa dessas não é mesmo?"
eu só consegui concordar abobalhadamente "é... Valda é um nome legal"
a porta abriu na estação república e ela saltou rindo "até pra balinha de hortelã"

28.5.13

e então é ela no outro lado da cidade. ela e suas meias finas até os joelhos. aqui desse lado os homens sofrem, choram feito bebês famintos, e então eu, outra vez, fico louco de ódio. por causa dessas conversas entrecortadas ao telefone. por causa das pernas dela, dos seios. os homens a amam, outros homens, muitos deles. e então não sou agora o único a quase querer morrer e lá no outro lado da cidade ela diz aos amigos que esteve bem,
que a comida era boa demais,
que a casa ficava numa rua pouco movimentada,
que não havia tempo pra alimentar ou passear com um cão
que não se comemora aniversários por aqui.
e então estou sozinho pensando nela, nessas coisas sobre ela, com meu rancor chutando latinhas. com meu pau duro.
eu, e todos esses outros que sentem o mesmo por ela.

29.4.13

você ali me oferecendo o copo mal cheio. reclamo do barulho dos gatos no telhado, explico da minha aflição com os bichos no cio, aquela algazarra louca sobre nossas cabeças. alguém noutro bairro avança o sinal e causa um acidente, é o que você me diz olhando pela janela quando a sirene de uma ambulância nos interrompe. lá fora só o caos disputa a nossa atenção. eu nunca penso no que os outros estão fazendo, em suas casas, em suas camas, nunca me prendo pensando em quantas horas levam pra voltar do trabalho, ou pra onde voltam quando não suportam mais as suas vidas, compromissos familiares com as crianças e sogras e tias. eu sempre fico pensando no período de cio desses malditos gatos azucrinando a noite e às vezes eu quase sinto inveja deles. é um curto espaço no tempo. eu penso nisso e você me abraça, começa a contar coisas que eu quase nem acredito. e então nossos barulhos preenchem a sala, eu, você e gatos vadios trepando no telhado.

20.2.13

deixe seu recado após o sinal:

oi, onde é que você se meteu? estou há dias tentando falar contigo. fui na sua casa várias vezes e os porteiros dizem que não está. todos, em todos os turnos. o que foi que aconteceu? estou dirigindo a horas, estou muito cansada mas não quero voltar pra minha casa. eu posso ir pra sua casa? bom, você provavelmente nem vai ouvir essa mensagem. todo mundo sabe que ninguém confere a caixa postal do celular. eu queria deixar um bilhete pra você mas não confio naqueles porteiros. nem acredito que você não tava lá ontem a noite. tinha um fiat estacionado na esquina e eu sei que não era coincidência. eu vou acabar levando uma multa aqui falando no telefone e dirigindo. e você nem tá aí pra nada que eu tô falando. POR FAVOR FALA COMIGO, SEU MERDA. vou ter que desligar agora, não tava gritando por sua causa é que tem um guarda me pedindo pra encostar. desculpa. tchau querido.

como se eu pudesse explicar o que tava acontecendo ali. não dá, cara. eu esperei quase a noite toda e você não apareceu. gastei todo o meu dinheiro bicando doses longas e nada, você não entrava por aquela porta estreita e a música ruim estava me enlouquecendo. uma garota me ofereceu um cigarro, acendi o dela, a gente ficou ali falando sobre você e sobre o cara que ferrou com ela. eles moravam numa casa de fundos com uma padaria. me contou que era foda pela manhã, aquela ressaca insuportável e aquele cheiro de pão doce. aí um dia o cara veio com uma conversa toda desencontrada e falou de uma outra mulher que tava chegando e que ele tava saindo fora. agora ela fica sozinha vomitando no quarto com aquele cheiro de pão doce. e você que não chegava nunca, quando uns caras começaram a conversar com a gente. o mais louco me chamava de "menina" e eu gostei de como soava aquilo. aí eu olhava pra porta e nada de você entrar e me tirar dali. tava quase amanhecendo e eu pedi uma carona pro cara, ele falou que tinha que passar na casa dele antes pra pegar uma grana pro combustível. eu não sei mais o que aconteceu, não lembro, eu tava lá sozinha te esperando e aí as pessoas começaram a chegar. eu sei, é tudo um monte de merda mesmo. você acha que eu ainda tenho cara de menina? porque eu achei engraçado o jeito que ele falava isso.

18.1.13

dois segundos: você me perguntando sobre copos e gelo,

eu tirando a minha blusa e tentando esconder as marcas e cicatrizes.

você me olhando e me oferecendo um trago, eu me escondendo atrás da cortina.

dois segundos, você abrindo a porta, eu sentada na cama enchendo o copo até derramar.

dois segundos e você voltando com outra garrafa e pães e queijo,

você demorou, exatamente, dois segundos pra terminar de tirar a minha roupa.

17.1.13

numa lista:

fale baixo, seja educado, jamais me chame de"gatinha", não pise no meu pé se não estivermos dançando juntinhos, não fale mal dos meus Amigos a sério, não use meias pretas com bermuda, não me dê ordens, não me telefone pra desmarcar algo antes mesmo de marcar algo (é, acontece), não pense que sou sua mãe, não reclame das minhas roupas, não ouse reclamar do meu cabelo, não reclame quando eu chegar tarde da noite na sua casa com aquela cara sacana e for embora antes do amanhecer com a roupa e cabelos em desalinho (é, acontece), sorria comigo de qualquer bobagem, beba comigo até o último trago, me deixe dormir na mesa do bar quando eu estiver com sono, de vez em quando me deixe reclamar um pouco (só um pouco, vai!), me acompanhe desafinadamente numa música do Tim Maia no fim da festa, seja gentil com os garçons e taxistas, não me convide pra assistir filmes sobre cachorro, ignore fofocas-ladainhas-invejosos de toda sorte, não ignore meus olhares, não me julgue pelo que ouviu falar, me abrace, me beije, me mande à merda se quiser (honestidade), não faça promessas, pode reparar o tamanho da bunda que passou ao lado da mesa!, sente ao meu lado, sinta o meu perfume (eu gosto disso!). respeite os espaços, tenha paciência, preserve o bom humor!

16.1.13


tinha uma música do Cazuza tocando no rádio. ela me perguntou se eu já tinha visto uma cicatriz como aquela, me cutucou o braço e mostrou "assim, como essa aqui, já viu?" tinha uma noite pela metade e uma garrafa cheia. não consigo me lembrar com precisão como foi que a gente se conheceu. eu entrei numa daquelas lojas de conveniência de posto de gasolina, pedi um cigarro e uns chicletes, ela me devolveu o troco e me deu um papelzinho com o telefone da casa dela. daí numa outra noite eu liguei e pedi pra ela vir pra cá ouvir umas músicas. me perguntou se morava sozinho pois não curtia coisas bizarras, foi assim que ela falou. eu conheci um cara que gostava desses lances de sexo com várias pessoas. ele falava pra gente no bar, falava os detalhes, tinha até mãe e filha nessas histórias. nunca gostei disso, pra mim já é difícil ter alguém além de mim mesmo numa cama. ela chegou metida num vestido bonito, botas, cabelo arrumado, tava perfumada e aquele cheiro era bem melhor do que o cheiro dentro da casa. no posto de gasolina eles usam uniforme. uma roupinha verde e azul e um boné. fora daquele uniforme ela ficava muito mais bonita. eu disse pra ela quando abri a porta "eu tirei você de dentro daquela roupa verde e azul, então" e ela ajeitou o cabelo e sorriu. tava tocando uma música do Cazuza no rádio quando ela começou a me fazer perguntas, e fumar cigarros, me mostrou a cicatriz no braço e uma tatuagem na bunda.
"a minha mãe também tinha uma cicatriz. era na coxa. ela nunca contou como conseguiu aquilo. eu também nunca perguntei."
"sua mãe também era suicida?"
"não. nem eu. isso aqui foi um cara com uma faca. ele assaltou a loja e fez isso. eu tinha começado a trabalhar uns dez dias antes e já me deram uma licença de quase um mês. e um dinheiro. daí eu fiz a tatuagem."
"parece uma abelha..."
"é uma fada."
tem uma obra no apartamento do vizinho. estão quebrando paredes, o chão, estão trocando as janelas. estão mudando as histórias dentro do apartamento. estão lá o dia todo recriando um cenário novo pra vida de alguém. fico imaginando se os antigos vizinhos ficam tristes em ter memórias entulhadas no concreto. ou levaram tudo na última mudança, os barulhos, cheiros, os segredinhos todos? eu acho que estão quebrando as lembranças de alguém, mas na mesma hora eu penso "ah, Paula, deixa de bobagem pois aí só tem barulho". daí eu ouço os martelos, talhadeiras, eu ouço as risadas dos pedreiros logo pela manhã e tomo o café meio mau humorada meio envergonhada meio curiosa. toda reforma é igual, muda tudo, muda até a gente que fica diferente. muda o humor, muda a cor, muda o jeito de entrar e sair. estou pensando em botar uma plaquinha aqui no peito "em obras" e começar a fazer barulho também.

15.1.13

"você tava com uma cara de louco."
"é, eu tava meio louco mesmo, desculpa."
"o pior foi você beijar na boca daquela vagabunda. você e o bar inteiro beijaram a boca dela."
"você ficou com ciúmes?" 
"fiquei, só um pouco, mas fiquei mesmo é com medo. você quebrou tudo quando um cara falou do seu irmão bicha." 
"eu devia ter matado ele, faz tempo. e o que aconteceu depois?" 
"você me pediu umas moedas e botou uma música naquela máquina. daí você dançou comigo e me beijou." 
"e você gostou disso querida?" 
"quem não gostou foi aquela vagabunda. veio com tudo pra cima de mim. bati com uma garrafa na cara dela. deu a maior encrenca e botaram a gente pra fora." 
"eu não me lembro de nada. acho que caguei na calça, tô todo fodido." 
"normal. você cagou." 
"desculpa querida..." 
"eu tava sem grana e a gente voltou andando. meu pé tá inchado. quando a gente chegou você tirou a roupa e eu queria chupar você." 
"e você gostou de me chupar querida?" 
"não." 
"não..." 
"o seu pau tava mole. "
tem uma história inteira na minha cabeça. inventei. é um lance que eu faço quando eu não posso falar. eu invento uma história e divido um segredo sozinha. seria bem mais fácil se eu contasse pra alguém, porque daí a outra pessoa ia acabar fazendo algum tipo de comentário e a história ia ficar diferente. totalmente diferente. eu inventei uma soma também, uma continha maluca pra calcular o tempo depois de eu ter desligado o telefone e você ter aberto outra cerveja e ela ter perguntado quem era. sou ruim em matemática tanto quanto sou péssima em guardar esses segredos. mas é comigo, sabe, eu fico enfiando a língua no copo com gelo e água pra me distrair enquanto assisto os comerciais. tem cada propaganda absurda na tv, sabe, eu nem presto muita atenção mas é que esse lance de você desligar o telefone e ficar lá do outro lado da linha me deixa meio louca. eu até reproduzo aqui sozinha a conversa de vocês "quem era?" ela te pergunta lixando as unhas no sofá "era um cara do trabalho, ele tá marcando um jogo com os outros caras, é amanhã à noite" você diz isso pra ela pensando em me comer "você volta tarde?" lixando as unhas "vamos jogar... e beber..." você fica pensando em como gosta quando eu abro devagar o zíper da sua calça "ah, ok, tudo bem... vou dormir na casa da minha irmã" e eu fico com tanto ódio de você, porque eu tenho quase certeza que é exatamente assim que você consegue se livrar e chegar até aqui. aí eu fico triste, assim, triste e com ódio de você. e aí, só de mentirinha, eu penso que você quebrou a perna no jogo, com os caras do trabalho. tá vendo? eu fico cheia de histórias na cabeça. culpa dessa minha mania de querer inventar um jeito pra você voltar aqui.