23.3.10

topa?

As minhas malas estão prontas, aprendi a dobrar camisetas sem amassar as estampas. Sempre amassei todas as estampas, todos os bilhetes enfiados nos bolsos e todos os ingressos de cinema daqueles filmes que a gente assiste da terceira fila, sétima poltrona da direita pra esquerda. As minhas mãos estão prontas pra engatilhar um aceno assim que eu avistar você do outro lado da avenida. Você e seu jeitão de menino católico, religiosamente penteado e cheio de medos e raiva e cheio de trinta e dois anos. Estamos de malas prontas. Eu sou a outra parte da história agora, eu sempre achei a outra parte a mais legal de qualquer história, mas não a parte ruim, você sabe, aquela que a gente fica só imaginando, antes do final. Decidi mascar chicletes com a mesma cara de quatorze anos e espinhas e paixões e delírios. Ela chegou numa boa hora, a tranquilidade. Essa senhora manca, exausta e bem humorada. As malas ficam aqui, comigo, com meus cadarços desamarrados e o maço de cigarros. Divido a grana do ônibus com você, quer? Divido o peso das malas e das brigas e a gente tenta desembarcar num lugar diferente de qualquer outro que a gente tenha imaginado, ou não, até aqui. Onze anos é um bocado de tempo, onze anos é tempo demais pra ficar longe. As preocupações estão bem arrumadas ao lado das calcinhas. Aquelas de mulher louca, de menina romântica, de amiga secreta, de vadia perdida, de prima do melhor amigo, de ex-namorada, de recepcionista esquisita. Estão todas com o cheiro das tuas gavetas invisíveis.
Podemos esperar a noite ficar bem preta e sair correndo sem ninguém perceber nosso riso infantil e esquizofrênico. Aposto uma corrida com você essa noite.
16 de março de 2010

na primeira vez em que te perdi

andei descalça por 19 quarteirões

meus pés não sangraram mais

que o meu coração

que com o tempo cultivou o dobro de calos

e a metade das bolhas

que aprendi a estourar delicadamente

com a ponta de um alfinete

o líquido que escorre

é o amor

impossível faze-lo caber ali novamente

ali cresce um calo

é preciso inventar outra bolha

para caber o amor

Luana Vignon