5.10.10

e quando está daquele lado indiscreto pra onde insistimos não olhar, aquele lado cheio de sons e cheiros e que olhando daqui parece muito, muito perigoso a noite, ou em qualquer hora do dia.
o que tem dentro do envelope que você carrega seguro no peito?
porque algumas pessoas vão te decepcionar tantas vezes até que você aprenda que erros e mágoas e lembranças e desculpas não são a mesma coisa. os teus amigos não vão mais se preocupar com o que você fez de si mesmo. suas contas vão continuar chegando por debaixo da porta. o carteiro ainda terá problemas com os cachorros da vizinhança. a mulher mais triste que você já conheceu na vida ainda será a única mulher da sua vida. e quando estiver absurdamente cansado ainda não terá coragem de abrir a correspondência, de desligar os eletrodomésticos, de tirar as chaves do carro do bolso da calça. e vai continuar cultivando segredos.
alguém vai dizer que tá tudo certo. e sentirá tanta raiva que vai enfiar a mão na parede de cimento, assim, sem pensar muito. e quando isso acontecer vai encarar os dedos quebrados, a mão cheia de sangue, e o buraco no muro de cimento, e se ainda não estiver louco o suficiente vai conseguir enxergar do outro lado. depois disso não tem mais volta. porque abrir buracos requer um equilibrio entre o céu e o inferno que alguns nunca vão ter, e você sabe disso, e é por isso que rasga os tickets do supermercado, os cartões de visita do chaveiro, aqueles bilhetes irreparáveis. e ainda acaricia mágoas que julga suficiente pra uma vida inteira.
as coisas vão continuar indo e vindo, assim como as pessoas, como as horas, folhas caindo, os carros da polícia, as sombras trocando de lado conforme a posição do poste na esquina, assim como aqueles buracos que nunca fecham. porque não se trata de heroismo ser sozinhho. algumas vezes é quase a única saída. ou o quanto te sobra.