8.8.08

Vou falar outra vez na minha mãe. Mama jow, como a chamo. Ela, que sempre tá me esperando, me telefonando, me pedindo pra falar mais baixo, pra não esquecer a marmita.

Tenho meus problemas com ela, são probleminhas pequenos que nos empurram contra paredes de vidro, quase arrebentando tudo. Ela, com aquele coração de mãe e com aquele olhos cheios de amor, as vezes consegue me dobrar.

Eu nunca fui uma "boa menina". Nada do que fiz agradava minha mama, eu sempre fazia ao contrário, não por rebeldia, não por querer ir contra os girots dela, mas porque eu era (sou) daquele jeito, com a voz aguda, quase rouca falando alto, batendo as portas, pedindo silêncio dentro da minha cabeça. Sabia que ela não tava braba comigo porra nenhuma, mas ela achava que se fizesse o papel daquela mãe me teria sempre nos braços, poderia evitar que eu chorasse, que me machucasse e que, talvez, me apaixonasse. Só que ela foi filha antes e tinha mais certeza ainda que nada disso era verdade, que quanto mais junto mais distante, mais dificil.

Eu e ela nos entendemos do nosso jeito, eu gritando ela quebrando, depois a gente começa a falar de qualquer bobagem e logo em seguida a briga recomeça.

Semana passada decidi que faria da minha casa um lugar mais agradável, pelo menos pra mim seria. Ouvir pouco, não gastar frases o tempo todo, fechar a porta antes de começar o barulho. E tava dando certo, eu dormia cedo, não perdia a hora pro trampo, até assistia a novela Pantanal com o mala do meu irmão e seus "por quês?". Mas do jeito que veio, a tranquilidade de não travar batalhas ali, foi embora rápido.

Minha mãe tava com dois dedos de cabelo branco na raiz, está com uns quilos bem a vista, não ouve as músicas ruins que gosta e só pensa em sabão em pó e arroz com sazon. O que tem isso demais? Vão dizer. O que aconteceu ha anos, quando eu ainda quebrava o braço de patins solta e descabelada por aí, foi minha mãe desistir. Desistir de si mesma, como quem guarda um retrato na gaveta deixa ele lá, empoeirando até a imagem sumir numa camada gordurosa de poeira e tempo. Ela deixou a mulher de lado, a amiga, ela virou um monte e lamentações e ódio. E esse ódio cresceu em mim, ódio por ela, por tudo que ela deixou de ser e fazer por anos.

Eu amo a mama, eu a abraço e beijo e digo que a amo, todos os dias. Eu acompanho algumas de suas poucas diversões, eu atendo o meu celular na madrugada, eu não acendo cigarros dentro de casa. Mas eu também xingo, eu mando ela pra puta-que-pariu, desejo sua morte, eu choro quando ela não tá perto.

Minha mãe é linda, ela tem um sorriso tão engraçado, fica toda vermelha parece que vai estourar, ela não cozinha muito bem mas sabe que não gosto de salsicha e presunto.

Vê-la largada no sofá esquecida de quem ela é me deixa transtornada. E não devia, porque eu tinha decidido não olhar mais para aquilo, tinha decidido fazer da minha casa um lugar mais agradável pra mim.

Ontem, cheguei estropiada, cheia de dores nas costas e meu ombro latejando por conta da porra da burcite (nem sei como se escreve). Ela tinha pintado o cabelo e o novo corte é super bacana, tinha feito lanches porque não tava afim de cozinhar e perguntou se eu queria assistir a novela com ela, eu disse "quero, vamo lá" não queria, mas fui, e assistimos todos os programas ruins da tv aberta. Me perguntou se eu ainda tinha medo de escuro "claro que eu tenho, morro de medo" e rimos a beça.

Na hora que fui me deitar ela já estava na cama dela, ainda acordada. Pedi pra dormir na sua cama, ela deixou e eu fiquei lá deitada com a mama Jow. Acordei e ela estava na minha cama e eu tinha um cobertor a mais.

Hoje pela manhã ela disse que quer fazer um clareamento nos dentes, fiquei muito feliz, porque isso não é preocupação estética, não. Minha mãe tá afim de sorrir mais, e eu tô feliz pra caramba com isso!

6.8.08

bodas de Lã

Absurdamente linda. Como nenhuma outra podia ou conseguiria ser.
Absurdamente a única, eu me casaria com ela.
Suas meias desfiadas, seus cabelos desgrenhados e suas unhas sujas, sujas de sangue de tanto que as roía. Os pés imundos descalços, número 35 com unhas vermelhas já descascando. Vejo sua cara redonda cheia de sardas em cada esquina, em cada mulher triste que cruza avenidas na faixa de pedestres. Uma mulher de modos rude e delicada de um jeito constrangedor.
Mal pronunciava seu nome, eu mal lembrava do seu nome, o que eu sabia é que aquela mulher era pra vida inteira, ou pra parte boa dela. Um rabo grande, empinado, que se encaixava nos meus desejos como nenhum outro. Peitos pequenos, cabiam na minha mão sem sobrar. Peitos durinhos que ainda me apontavam com ternura. Fodia com ela até dentro do meu sono.
O nome dela, Regina, às vezes me esqueço, nunca de sua buceta rosada. Parecia uma frutinha dessas frágeis, eu a despia quase sem tocá-la, eu a ajeitava perto de mim, fodíamos por horas sem dizer nenhuma palavra.
Quando seu corpo começou a cair seus olhos foram escurecendo. Algo ainda restava dentro daquele saco de peles e sentimentos. Alguma coisa que eu tinha medo, ou nojo, de tocar, ainda restava daquela mulher.
Os cabelos começavam a rarear, as vezes eu a comparava com uma cebola descascada até a metade, deixada fora da geladeira pra enrugar, pra murchar e apodrecer. Não dizia isso a ela, mas a via como toda aquela casca despencando. Com o tempo passei a falar olhando pro seu queixo, ou por cima do seu ombro, queria evitar os anos que carregavam seu olhar e suas maçãs.
Já conversávamos menos, eu a ouvia marcar consultas ao telefone, em voz baixa mas ouvia ainda. Eu comecei a comer na cozinha, ela na sala, fodíamos uma vez ou outra, muitas destas vezes só por costume, maquinalmente e com muito pouco tesão. Durava menos que uma hora, sempre eu por cima com a cara enfiada no travesseiro. Virando o rosto pra não ver suas calcinhas no chão, um dia pequenas e coloridas e tinham cheiro de buceta, agora pareciam mais fraldas daquelas de pano, amareladas. Ela fechava os olhos e dizia coisas e gemia um bocado, mas eu sabia que não era ela quem fazia aquilo, seu cérebro dizia que tinha que segurar, que ainda podia com aquilo tudo. Com cafés da manhã, com roupas sujas no cesto de plástico, com a porta do banheiro aberta.
Absurdamente linda! Isso me segurava ali na poltrona esperando uma de suas crises convulsivas de lágrimas, que vinham com mais força a cada aniversário.
Nada do que eu dissesse, nada do que eu fizesse, nada tiraria dos seus ombros aquele fardo. Quarenta e nove anos depois do primeiro choro, rostinho vermelho, mãos pequenas. Entende quando digo absurdamente linda? São muitos anos despencando depressa, e ainda repito a mesma frase. A casa com paredes manchadas com fomo e umidade, portas já rangendo, flores artificiais enfeitando uma sala vazia, vazia de gente, cheia de móveis e quadros e cortinas.
Comecei a pensar em várias desculpas numa carta, uma viajem com urgência, alguma tia com câncer terminal, nada que a pudesse magoar mais que seu corpo desmanchando. Não consegui escrever nenhuma linha, a tinta da caneta nem chegava até o papel.
Eu também me sentia diferente. Olhava no espelho e via menos pêlos no meu peito, mais barriga que outrora. Mas meus olhos, meus olhos continuavam os mesmos, com a mesma firmeza, meu sorriso ainda estava intacto, meus braços desenhados por músculos ainda rijos. Eu vivia dentro daquele corpo. Tínhamos a mesma idade, os mesmo gostos, os mesmos amigos e o passado bem dividido. Como é que aquela mulher pôde se adiantar tanto? Quando foi que a deixei escapar?
Penso que eu não estava o tempo todo lá. Trepávamos e depois eu dormia o sono dos deuses, cansado, relaxado. Nunca percebi que ela continuava olhando pro teto, com um cigarro entre os dedos, até reclamava pela manhã que eu não tinha ouvido nada do que disse. Realmente nunca tinha ouvido nada.Escrever uma carta seria uma saída pra mim, mas só pra mim que conheço um caminho pra fugir. Pra ela seria como terminar de arrancar sua alma daquelas peles frias.
Muitas noites eu quis tê-la só em meus braços, beijar sua boca, lamber seu corpo, guardar seus seios pequenos em minhas mãos, ser o homem que ela dizia que eu era. Aquele homem era só o homem que a fodia, que a admirava com a pele sardenta, com os cabelos perfumados. Aquele homem que só via uma mulher deslumbrante nua sobre a cama. Uma mulher que estava sempre lá, sempre depois de um dia de trabalho, sempre pronta pra apagar a luz. Os anos castigaram aquela mulher, a minha mulher. Agora fico enjoado com aquele corpo gelado procurando aconchego em mim, reviro na cama e até ronco quando consigo. Tenho pensado cada vez mais em terminar logo aquela carta, ou começá-la. Mas algo que desconheço em mim, algo que os olhos não alcançam, que palavras não exprimem, algo me faz rasgar mais folhas e abraçá-la. Como jamais a abracei, sem pensar nas suas formas, sem desejar fodê-la como antes. Fico aqui ainda, repugnando o cheiro de leite com maizena saindo da sua boca, rejeitando seus lábios trincados, fico apenas observando sua tristeza tentando encontrar alguma coisa dentro daquele vaso rachado.
Absurdamente linda! Como será sempre, mesmo intacta, sobre a cama com todos os anos correndo contra. Porque eu sei que não vou conseguir escrever nem a primeira linha daquela carta.

5.8.08

MaicknucleaR em novo endereço, outra vez!

4.8.08

[o Zeca entrou na minha casa como das outras vezes, descalço e sem me olhar muito nos olhos]
Ainda gosto de olhar mulheres fumando nuas. O barato é ver a brasa queimando, despindo o cigarro a cada tragada. As mulheres não costumam falar do que gostam, nem todas mas muitas, do que querem e como querem. Como, por exemplo, pedir pizza sem orégano. Coisas que só importam pra nós mesmos.
[nos conhecemos ha muito tempo, mas até hoje não consigo entender quase nada do que ele me diz, e mais estranho ainda é que nunca diz muita coisa e nos entendemos assim]
Comprei doze caixas daquele cereal. Eu não como, mas gosto de abrir o armário e ver que elas estão lá e organizadamente do meu jeito. Quando você telefonou eu estava no mercado comprando isso aí, e só ouvi seu recado na secretária eletrônica agora e você já está aqui. Ainda estou botando as coisas no lugar. Vê, tenho mais almofadas que o necessário, a gente sempre tem muito daquilo que não precisa.
[um passo largo primeiro, dois mais curtos até parar de costas, e virando lentamente sem mover o resto do corpo, ele chegou perto do bar da sala e ficou encarando minhas garrafas]
Talvez se bebermos todo esse wisk... como quando aconteceu... Sabia que você é o único amigo que tenho na vida? Verdade. Não sei nem como é sua voz, lembro de poucas palavras, mas você sempre esteve aqui, ou em qualquer lugar, e sempre caminhou desse jeito aí, um passo largo, dois mais curtos e uma virada quase imóvel pra sacar qualquer coisa.
[os olhos iam de rótulo em rótulo, de garrafa em garrafa, passou o dedo em duas taças, acho que me oferecia um drinque]
Saúde! Penso que todo mundo deveria beber algo como isso. O mundo ficaria bem menos chato se todos fôssemos bêbados.
[sua boca moveu-se, como uma risada, foi coisa rápida quase imperceptível, se eu não o conhecesse acharia que foi ilusão minha]
Ouve? É por isso que me mudei pra esta casa. Latidos durante toda a madrugada, é só isso que eu ainda suporto. Você trouxe cigarros?
[absorto com as garrafas enfiou a mão no bolso, mexeu por alguns segundos, tirou o maço e me alcançou um cigarro, em seguida me estendeu o isqueiro, ele também acendeu um]
Quer que eu tire a roupa agora? Enquanto fumo?
[seus olhos entraram dentro dos meus, alguma coisa o tinha incomodado, pegou dois copos e me serviu um dose agora]
Sabe aquele ruído que o dedo tira da taça se o passarmos em círculo, assim, esse ruído é constrangedor.
[viramos, os dois, os dois copos, ninguém falou mais nada]
...
Desejo é isso? Ficar aqui pensando sem descanso, lembrando frases? Não, não é isso. É ir até lá e ficar lá até que tudo fique bem.
Podemos acabar com mais uma garrafa. Se você quiser, pode dormir aqui.
[uma vez ele me perguntou se eu conhecia algo pior que o amor, ele quase nunca falava e quando isso acontecia era eu quem estava ali, eu não respondi, ele entendeu que era pra sempre]
Estou bem, me curando de mais uma gripe, os ataques agora vem em espaços mais longos. Outro dia quase telefonei pra você, pra contar da mudança. Vou pra Austrália na semana que vem.
Ouve? Nenhum barulho além dos latidos.
[Zeca não é só o meu melhor amigo, o meu irmão de coração, não, o Zeca sabe que sempre vai poder vir até a minha casa e ficar correndo os olhos por copos, garrafas e almofadas. Sossegado]
O que é isso no seu braço? Outra ex-mulher boa demais? Exatamente por isso que prefiro beber o tempo todo, as companhias não têm me feito muito bem.
[sabemos que a conversa não vai além disso, colocamos um disco pra rodar, dessa vez o sorriso aparece quando a música invade a sala, esse sorriso eu conheço, então começo a tirar minha roupa]