mãos e pés formigando, o braço inteiro. calafrio. aquela sensação de que alguma coisa vai acontecer a qualquer momento. aquela coisa que eu fico esperando mas não sei dizer bem como. vou até a janela pra ter certeza de que está tudo sob controle lá fora, mas não afasto totalmente a cortina. não. por detrás das cortinas as coisas devem ser encaradas de uma vez, sem pausas, sem meio termo. acendo a luz, dou uma boa olhada no quarto, no corredor, entro no banheiro e meto meus olhos no rejunte dos azulejos, conto de um a um numa parede inteira. o formigamento continua, agora pelas pernas. eu nunca me lembro onde deixei o maço e o isqueiro, eu tenho essa mania de não guardar os dois no mesmo lugar. é como eu e a garota. nunca estamos os dois no mesmo lugar. e falar sobre isso é como abrir um pouco mais uma dessas cortinas, pesadas, puídas. é olhar lá fora e ver os motivos e os desejos caídos na calçada. é confundir o que se sente com o que está sentindo naquele exato momento quando um pára de falar pra ouvir a voz do outro. então eu encontro o maço e continuo tentando me lembrar. daí fuçando numa gaveta atrás do isqueiro encontro uma fita k7 com aquelas músicas que a gente dançou. fecho então a gaveta e aquela sensação cessa. alguma coisa vai acontecer, mas não agora, porque está tudo sob controle aqui dentro também.