5.7.11

pedi uma cerveja e um cinzeiro, coloquei meu revólver sobre a mesa e olhei pra cara do garçom que com indiferença resmungou "eu não vou limpar a sua bagunça, amigo". enchi meus pulmões de fumaça enquanto meus olhos colavam na janela do apartamento. sentei numa cadeira que dava vista pra janela, caso ela não tivesse acreditado nas minhas cartas e resolvesse conferir. eu tava ali, babe. tava esperando pra resolvermos nossos problemas e então eu poderia me mandar dali pra sempre, como ela me pediu. o garçom me trouxe a cerveja e o cinzeiro e apontou pra uma mesa do outro lado da calçada. tinha uma morena de vestido azul com cabelos em desalinho, curtos, que quase cobriam os brincos. ele se afastou. me aproximei dela, pedi licença enquanto colocava meu revólver no centro da mesa. olhei pra janela e examinei se ainda podia ser visto. sorri. ela, que não tinha olhado pra minha cara, tinha nas mãos uma fotografia e uma tesoura sem ponta. começou a soluçar.
"então não faça isso, se não é o que realmente quer fazer"
"você não sabe de nada, você é um bosta... tô chorando porque essa tesoura é uma merda, e toda essa situação é uma merda. e você não sabe de nada"
"não sei. eu nem quero saber, só sentei aqui porque gostei dos seus brincos"
"bicha!"
"gostei da idéia de arrancá-los da sua orelha" O que era cretinamente sincero.
"sai fora, eu não gostei de você. eu não quero conversar. eu só quero ficar aqui e tomar uma decisão, sabe?"
"não sei... mas acho que não deve decidir nada ainda. você devia tomar essa cerveja comigo"
"eu quero. e depois você vai atirar em mim?" Ela quase riu, mas cravou os dentes nos lábios.
"não. eu não vou atirar em você. só vou ficar aqui olhando pra janela daquele apartamento (apontei com o revólver)"
"ela é muito bonita. ela é realmente bonita. acha que foi por isso que ela ficou com ele?"
"foi por minha culpa"
"e ele ficou lá por sua culpa também?"
"eu não sei de nada..."
"eu sim. ele mentiu muito. todas as noites e dias e anos. ele é um miserável, sabe? ele mastiga bem as palavras. posso entender porque ela deixou que ele ficasse lá. agora, essa sua arma não muda nada"
"e você trouxe essa tesoura pra quê?"
"foi presente dele. queria devolver..."
ficamos bebendo em silêncio. ela não olhava pra janela do apartamento, ela não tirava os olhos da fotografia. ficamos ali por horas sem dizer uma única palavra. apenas bebendo. o garçom colocou a mão sobre o meu ombro e nos levantamos. tirei o dinheiro do bolso e então ela me encarou. não tinha nada nos seus bolsos, assim como nos olhos. deixei o revólver sobre a mesa, a morena ajeitou o vestido e colocou a fotografia debaixo da arma. eu atravessei a rua e levantei a gola do meu casaco. acenei pro táxi. ela foi pro outro lado, com a tesoura na mão direita. acenei pra ela. nunca mais nos encontraríamos.

4 comentários:

Adriana Brunstein disse...

hot hot hot! amei.

Klaus disse...

hot/love/hot!
luv.

Wanessa Rudmer disse...

tão boa, né? tá loco. um beijo, Paulinha.

Klaus disse...

Wan, obrigada!
saudade de você.

Beijo!