22.7.10

sabíamos

Desde o começo. E nunca mais seríamos os mesmos, nossas vidas funcionavam juntas, numa ordem desgovernada, ás vezes confusa. Doía. Cada vez que ela arrumava suas coisas, cada vez que voltava trazendo de volta olhos inchados. Perdemos. Muito de nós dois, a individualidade tirou férias eternas, o meu corpo e o seu corpo transpiravam juntos, não dava pra não perceber mas era um contrato ilimitado esse nosso. Cansávamos. De todo o desprezo que insistíamos tentar confrontar, de toda a angústia que a ausência rara marcava, das minhas mãos frias em seus seios, dos teus seios frios cruzando a rua. Sonhamos. Com quintais, filhos, amantes, um assassino como naqueles filmes, um outro domingo, um outro amigo em comum contando segredos que nós dois inventávamos. Dormíamos. Dormíamos.
Pedi pra não abrir os olhos, era uma coisa ruim de levar na memória, mas você não deu ouvido, e foi caminhando naquela direção, e foi caminhando pra muito longe de onde eu pudesse cuidar de você. Por que fez isso? Minha linda, por que você fez isso?
Esquecemos. Você primeiro, de você mesma primeiro, e de todo o resto em tão pouco tempo (foi rápido demais, não foi?). Esqueci. De que não era só te abrir os olhos, não era só cercar os portões dos teus descaminhos, talvez eu devesse ter ido até lá e não sei o que faria, mas estaria mais perto daquela areia movediça e daquelas sombras esquisitas. Você se foi. Eu fui também. Nós tínhamos um plano, e esse contrato eterno de sermos um do outro (você é minha, ainda). Bebíamos. Muito mais do que aos outros incomodava, muito menos do que as nossas vidas suportavam. Amamos. Os dois, as unhas, carnes e seus cabelos finos presos nas minhas roupas, nas minhas costelas e seu Cheiro dentro de mim, inflando os pulmões, socos, beijos, sua bunda em tudo que faço, aquela cama/refúgio onde nossos personagens e algo muito, mesmo, bem próximo do que você me explicava sobre felicidade. Sua voz. Sua música, seus ruídos, suas unhas vermelhas roídas. Medo. De que você fosse mesmo a mulher mais linda do mundo (e eu absolutamente certo disso), de que você não voltasse, ou da minha própria partida. Raiva. Porque minhas atitudes sempre foram precedidas de nenhuma cautela, porque suas fantasias sempre foram as maiores vilãs do meu ciúme, medo da vontade insuportável de nunca sair de perto de qualquer lugar onde estivéssemos juntos. Razão. Por ter sido você aquela menina no ponto de ônibus, por ter sido eu o cara que te emprestou aquele livro. Lembranças... Quando as coisas estão mais distantes, quando é a saudade aqui onde você TINHA que estar. Da primeira vez que você abusou dos teus limites e eu estava ali, mas não estava ao mesmo tempo. Amor. Por cada vez que você tirou a roupa olhando dentro dos meus olhos, por cada segredo que me contou no meio da madrugada, por sua pele cobrindo minha vida, por minha vida abrindo espaço pra você, por você louca rindo e gritando no meio da rua a piada mais engraçada do mundo, que nós inventamos, por viagens que nunca fizemos, pela família que nunca conhecemos, por nosso livro mágico, por nossos cigarros queimando num cinzeiro no canto do bar, por nossa cerveja descendo gelada e nossas vozes cruzando a maior e mais inexplicável sensação que alguém pode sentir, por nossas ressacas, nossas brigas, nossas declarações despudoradas, bêbados disfarçados no elevador, nossas roupas molhadas de chuva, nossas gripes e nossa varanda.
Tempo. Que não me agrada, que não nos deixa escolhas apenas muitas e muitas melodias. Tristes melodias. Um blues mudo, que morre nos teus ouvidos.
(2008)

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