17.8.09

não é a cor da porta do seu armário que me incomoda. nem as chaves que você sempre esquece. nem me incomoda quando você repete aos gritos tudo aquilo, sobre aquilo, numa daquelas nossas brigas. é irremediável, mas não definitivo. não são as suas mãos cheias de dedos, isso nunca vai me incomodar. não são as horas que demoram a correr no relógio, nem a falta de assunto nos programas de tv. não são as crianças correndo na rua, bicicletas, patins. não é o futebol nem a fórmula 1. nem meus pais e suas trovoadas, nem a minha família enquadadrada num único porta retrato. não me incomoda ficar em pé num ônibus lotado, no metrô abafado, e as pessoas com pressa, e as pessoas sempre com tanta pressa que não veêm a vida passar. não são os clichês que me incomdam, você sabe disso.
nem a fila da padaria, mas a fila do banco entre os dias cinco e oito sim, me incomoda. não é o cara que olha desconfiado no corredor do supermercado, nem o outro cara que chega primeiro na melhor vaga do estacionamento desse supermercado. a conta no bar não incomoda, pelo menos não a mim, nem o tédio do garçom numa quarta-feira quase morta, pelo menos não pra mim.
não me incomoda o copo cheio, não me incomoda a mesa cheia dos amigos de sempre. nem o tédio, o inverno, o trânsito. não é o fato de que tudo pode dar errado, não é que tudo tenha que dar certo o tempo todo. não são gatos derrubando telhas, cachorros latindo, donas de casa exaustas, tensas, apaixonadas. nem minha mãe telefonando pra perguntar "tá tudo bem?". não é o maço quase vazio, não é o troco que sempre vem errado.
não são as pessoas que insistem em subir e descer escadas pelo lado esquerdo atrapalhando quem vem, não é a ignorância de algumas pessoas que encaram tudo de punhos cerrados, sempre, não. nem cartões de crédito, nem contas de água vencidas empurradas por debaixo da porta. não é o tempo que a água demora pra passar pelo filtro quando a gente coa o café.
não é o barulho do meu estômago vazio as quatro da manhã quando chego cambaleando e sorrindo sem motivos. não é a casa diferente, as roupas sempre as mesmas, a comida saudável que eu nunca como, não é o recente desejo de ter uma máquina de lavar.
não é a solidão que me incomoda, é a ausência daquilo que caiu e quebrou. não é o vazio dos bolsos, o que incomoda tá do lado de dentro, o que incomoda eu não consigo dizer, nem escrever, o que incomoda é exatamente isso, a covardia, minha.

6 comentários:

Lubi disse...

deve ser universal esse sentimento.

vim pelo blog da Luana, gostei muito desse texto.

beijo.

Fabiana Mendonça disse...

Você tem que escrever mais, mina, muito mais. Beijo enorme, sua covarde!

Klaus disse...

Lubi,
deve sim, universal.
Legal que curtiu!
Abração

Klaus disse...

Fabi,
vou fazer isso, preciso fazer isso.
Beijo do tamanho do universo!

Anônimo disse...

A tua covardia é a minha covardia e a covardia de quem sente por dentro... Bom é saber que a coragem vem com o primeiro passo... beijo grandão

Klaus disse...

Dani,
a gente sente tudo ao mesmo tempo... né?
Beijo grandão daqui!