18.9.08

eu disse, sim

As roupas, passadas e cuidadosamente alinhadas em minha gaveta, os bichos alimentados e muita comida por todo o lado. Talvez isso seja o mais próximo do matrimônio que consegui chegar, bem, eu estive lá mas nunca tive jeito com a "lida" (como dizia seu Antonio, meu pai) e elas nunca se importaram com isso. Elas, porque já tive mais que uma mulher, digo esposa mesmo, foram três, cada uma levou de mim um pedaço irrecuperável. Eu as amei, todas. Mas garotas espertas conseguem se dar bem. A primeira foi a Virgínia, doze anos mais nova, doze vezes mais mentirosa que qualquer mulher que já conheci. Tinha uma boa bunda, e preparava o melhor frango ao molho que já comi na vida, era só o que sabia fazer com as panelas, mas fazia bem. Casamos no quintal da casa de seus pais e foi uma tarde terrível. Toda sua família perguntava pelos meus, irmãos, pais, se eu tinha um cachorro na infância, ela dizia qualquer coisa e todos riam inclusive eu, que ria deles. Nunca fui um cara bacana e todas elas sabiam disso e mesmo assim compravam vestidos, lençóis, e faziam festas e eu recebia os parabéns de gente que nunca tinha visto. Virgínia tinha uma mania que me incomodava, ela gostava de lamber o meu cú, e quando eu negava ela ficava duas semanas dormindo sozinha na cama. Eu achava aquilo meio incomodo, mas eu gostava mais ainda do corpo dela nu, e às vezes eu nem percebia aquela língua asquerosa na minha bunda. Virgínia foi embora e deixou tudo pra mim, até me mandava algum dinheiro, ela disse que me amava muito mas não podia ficar. Eu recebia uma grana gorda da minha querida ex-mulher, eu concordei que ela tinha de ir.
Aprecio a solidão, gosto do silêncio da casa vazia, apenas os ruídos da vizinhança vivendo suas vidas. Do trabalho pra casa, alguma coisa no copo pra esquentar o corpo, os livros na estante esperando meu desespero devorá-los, aqueles programas ruins na tv, os tapetes empoeirados na sala. Quando percebi tudo já estava limpo. Cortinas em cores nauseantes, cheiro de mulher em cada canto. Renata, pequena como uma formiga. Eu já não aguentava meninas, ela tinha a minha idade e eu achei que tínhamos muito mais em comum, ou foi ela quem pensou nisso...
Trabalhava num café aonde eu ia todas as tardes, ela usava um uniforme apertadinho e tinha seu nome num pequeno crachá, eu dizia "Renata é seu nome, eu me casaria com você" e agora essas cortinas e mãos quentes esfregando minhas costas. Parecíamos um casal feliz, íamos almoçar fora aos domingos e acenávamos para os vizinhos. Mas Renata queria um maridinho que eu sabia nunca poder ser, acho que na verdade ela queria era uma mulher, que aguentasse suas conversas sem fim, suas novidades repetidas, e sua família e suas cortinas. Nosso casamento durou um mês, e dessa vez eu me mudei e levei apenas objetos pessoais, cigarros, cuecas e os meus livros. Ela me deu uma fotografia em que eu a abraçava, alguém fez uma festa daquelas com muita cerveja gelada e eu abraçava minha esposinha insatisfeita. Não tenho mais a fotografia, usei pra anotar meu telefone a pedido de uma garota certa noite numa dessas esquinas. Amei-a desde o primeiro café sem açúcar, mas ela precisava de uma mulher.
Mudei de cidade, o bom de ser novo no lugar é que todos temem você. Acham que você é algum maluco psicopata foragido, um depravado, um bêbado qualquer, e quase sempre estão certos. Aluguei um apartamento pequeno, comprei alguns móveis, botei uma cortina pra me lembrar da Renata, telefonei pra Virgínia "você ainda me ama" ela disse, eu precisava de dinheiro pra mandar pra Renata. Dois casamentos rompidos, me levaram bons pedaços aquelas mulheres. Agora eu queria ficar sozinho de uma vez por todas, sem cortinas que é como eu gosto, sem ter que me preocupar com quem ando dormindo. Um corretor de seguros (eu ainda não tinha mencionado isso) transferido pra outra cidade depois do segundo divórcio, era quase uma história triste. Lia um pouco depois do jantar, macarrão com molho pronto e salsichas, deixava a tv ligada num daqueles filmes terríveis que botam sempre no melhor horário e essa era minha vida quase triste. Eu amei aquelas mulheres, amei de dentro pra fora, elas nunca vão sentir isso outra vez, e EU sei disso. Mas eu disse três casamentos. A terceira foi a mais querida das minhas mulheres, falo dos matrimônios. Linda em cada detalhe, voz suave, seios fartos, família in memorian, não gostava de animais. Não gostava de cozinhar, tinha grana pra jantarmos fora todas as noites. Ela dava pra um cara que tinha grana, acho que trabalhava no banco, e nós aproveitávamos disso. Como era linda e esperta a minha garota. Numa noite eu até me peguei fazendo planos futuros, quase certo que essa era a mulher da minha vida. Fodíamos sempre que estávamos juntos, em qualquer lugar, ela era louca e eu gostava daquilo. Numa outra noite ela é quem estava fazendo planos. Arrumou suas coisas e foi morar com o cara do banco, um sujeitinho miúdo, uns vinte e sete anos no máximo e ainda tinha espinhas. Me deixou uma carta, que eu nunca li. Foi sem se despedir. Garotas espertas se dão bem!
Amei-a como as outras, nem mais, nem menos. Minhas garotas espertas. Dizem que esse negócio de matrimônio, essa coisa toda, não funciona. Estão certos, é uma merda na maior parte do tempo. Mas a vida toda é assim, uma merda na maior parte do tempo. Eu tive minhas mulheres, minha garotas, e elas se foram, fiquei entre mudanças, lembranças e nada mais que meus objetos pessoais. É o tal do casamento, depois do sim.

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