18.3.08

Querida Vadia

Tenho convulsões, muitas convulsões. Meus olhos ficam espremidos querendo saltar pra fora. Não consigo ordenar meus movimentos e acabo sempre todo babado jogado no chão.
Disse que não demoraria mais que duas semanas, duas semanas são quase quinze dias. No relógio mais ou menos 340 voltas inteiras. Sentei. Esperei ansiosamente. Troquei as cortinas e os lençóis e comprei um vinho, um vinho bom. Esperei. Se passaram mais que duas semanas e meu relógio parou. Ela não ligou pra me contar do acidente, sim, porque deve ter acontecido um. Não sei por onde começar a procurar. E se eu sair daqui e ela chegar, e tocar a campainha e não me encontrar? Não, vou ficar aqui com minha melhor roupa esperando minha querida correr até mim e me encher daqueles beijos molhados e abraços sufocantes. Preciso me acalmar, não quero que ela me veja com os olhos saltados. Sentado de frente a nossa fotografia, ela pendurada no meu pescoço, sozinho no meu quietismo.
Era inverno e estávamos dormindo abraçados. É ótimo dormir assim, com um dos braços enlaçando a cintura da outra pessoa. Dizíamos coisas desconexas, sempre que nos drogávamos as coisas pareciam menos coerentes. A folhinha do calendário mostrava um campo todo florido no dia dezoito, mas já estávamos no terceiro dia do mês seguinte. Desde que trancamos a porta a folhinha apresentava aquelas begônias do dia errado. O dinheiro da venda dos cavalos permitia que não nos preocupássemos com mais nada que não fosse continuarmos abraçados. O corpo dela era sempre o meu maior refúgio, suas curvas desenhavam nobres formas, minha menina sempre fora a mais bela. Nos conhecemos no velório do seu pai, grande amigo meu de tempos distantes, naquele mesmo dia eu a trouxe pra casa. Desde então mantivemos nossas promessas.
A noite mal caía e os lábios pequenos da minha menina já mordiam minha carne, ela me chupava e dizia que minhas bolas eram muito engraçadas. A buceta de menina mais quente de todas, que todas as mulheres maduras, conhecedoras das verdades. A buceta dela era a única verdade. Ela pedia pra eu não parar nunca, me assustava um pouco mas logo ela estava me alcançando um cigarro ou buscando mais de suas drogas em alguma gaveta. Eu lhe dava muito dinheiro.
Um dia me disse que estava cansada de passar sua juventude dentro de um quarto mofado. Foi quando tive minha primeira convulsão. Ficou parada perto da janela me olhando com raiva enquanto eu tentava não me afogar com a própria língua.
Começou a sair quase todas as noites e gastava mais dinheiro do que eu dava. As noites que estava em casa ela se drogava e dormia virada pro outro lado. Quando eu abraçava seu corpo ela resmungava algo e me afastava. Eu sempre estava sentado na beira da cama esperando minha menina voltar, a luz ficava apagada e dava pra ouvir a voz de todos os homens que a deixava no portão. Nunca era o mesmo. As coisas foram ficando cada vez mais duras pra mim. As convulsões vinham quase todas as noites e muitas delas ela estava fora de casa. E quando não, dormia um sono tão pesado que nem me percebia ali no chão todo torto.
Mas eu a amava tanto que preferi ficar esperando que voltasse todas as noites. Ficava sempre agradecido aos homens que a traziam em casa, pela segurança dela. Não lhe poupava um tostão sequer. Sabia que ela gostava de coisas boas. Podia comprar essas coisas pra minha menina, que já era agora uma mulher. Uma mulher madura e conhecedora das verdades, nem o cheiro da sua buceta era o mesmo. Mas meu amor ainda era fiel. Nunca me permiti uma bronha, era como se eu a arrancasse do peito ou coisa pior. Uma devoção obnóxia.
Naquela noite arrumou uma mala com muitas das suas coisas e me pediu um bocado de dinheiro. Seriam duas semanas com uns amigos da cidade. Ela me disse sem nem me olhar nos olhos.
Dei o dinheiro, bem mais do que ela havia me pedido. Estiquei também uma folha de cheque no mesmo valor que ela poderia sacar quando precisasse, mas não aceitou. Seriam mesmo apenas duas semanas, eu pensei.
Quando saiu deu pra ver o beijo que deu no rapaz que esperava dentro de um carro. Quase não consegui segurar minha língua, fiquei caído no chão por várias horas, ou dias.Virei a folhinha da parede e tenho feito isso desde então, é só ter calma e continuar virando as datas. São só duas semanas. Eu e minha menina vadia. Sempre cumprimos nossas promessas.

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