28.5.08

Ela deu as caras por aqui enquanto eu tinha ido comprar cigarros. Sabia que encontrar comigo não era uma boa idéia. Não ainda. Até senti uma raiva escondida por não ter me deixado nenhum recado, não ter deixado nada. Nem uma daquelas calcinhas velhas rasgadas que eu tanto gostava. Pensar que foi melhor assim vai evitar que eu me aproxime da janela. Morando no segundo andar eu só traria mais problemas e a afastaria ainda mais (ela tem horror a hospitais e a pessoas doentes). Vejo o cachorro deitado debaixo da mesa da cozinha, balançando seu rabo, me olhando com olhos piedosos. Filho da mãe, sempre do lado dela fazendo festa, rosnando pra mim, fodendo sua canela. É daquela vagabunda que esse maldito deve sentir piedade.
Tenho tempo de sobra pra assistir meus filmes, pra pensar nas contas, pra arrumar o quarto. Que fica estranhamente silencioso quando deito sozinho na cama que continua desarrumada desde que... merda.
Dá pra ouvir as sirenes dos carros da polícia daqui. Ouço passos impacientes no andar de cima. A mulher que mora lá tem uma perna com muita carne e me diz bom a qualquer hora do dia ou da noite, não é boa da cabeça. Como todo mundo.
Tô cansado de tudo isso. Preciso fazer algo antes que ela resolva voltar. Não suportaria a compania dela com aquele cão fodendo suas canelas. Vou matar o cachorro. Enterro na praça no final da rua e digo que fugiu. Ela não virá mais aqui. Posso deixar a porta da cozinha escancarada sem ser observado. Piedade é algo que me enoja.

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