28.11.11

ps.

vou tentar não olhar pro lado quando você passar por mim. e fingir que não ligo. fechar os olhos e pensar noutra coisa. uma coisa qualquer que não tenha você, que não seja você. vou tentar ir embora. vai chover na hora que você passar e eu não vou conseguir desviar meus olhos. aí eu vou desbotar. então eu vou arrancar meus olhos e guardar no bolso do casaco. e ficarei em silêncio pra você não me notar. bem quietinha pra você passar por mim sem perceber que tem um músculo aqui dentro que não me obedece. assim como são filhas da puta as minhas memórias. assim como só a sua mão podia alcançar, dentro e fora de mim. e se você olhar para o lado e me notar, oh merda!, aperte o passo, corra se puder, pois se vacilarmos por um segundo talvez a gente comece tudo outra vez. não tem jeito de evitar um segundo exato, entende?
sossega, eu vou tentar evitar te olhar quando passar por mim. evitar tudo isso. mesmo sabendo que vai doer mais do que tá doendo agora.

24.11.11

você afastando meus cabelos enquanto fala sobre todas as coisas do mundo.
sua língua na ponta da minha orelha, minha mão abrindo o seu zíper.
suor...
você sem roupas acendendo um cigarro. eu sem roupas acendendo um cigarro.você trancando a porta e sorrindo, eu vestindo uma camiseta sua.
um de um lado da cama olhando o outro dormir no outro lado da cama.
a mesma cama.

25.10.11

M.

tinha menos da metade de uma garrafa de conhaque em cima da mesa na cozinha. me sentia estranhamente calmo, sentei-me sobre um pequeno colchonete no canto da sala. acendi um cigarro. cigarros eu tinha muitos, meu amigo Joca tinha me comprado muitos, foi presente. acho que ele se cansou de me emprestar tantos cigarros durante uma vida inteira, e se foi isso fico feliz em saber que não terminamos mal.
o Joca é um cara gordo, o cara mais gordo que eu já vi em toda minha vida. ele tem dois filhos pequenos, os dois são gordos também e sua mulher também é gorda. uma gorda lindíssima. eu disse a ele numa noite que foderia com ela se tivesse a chance naquele exato momento, também falei entre soluços que cuidaria das crianças. ele quase arrancou meu nariz fora num único soco. o Joca é meu melhor amigo e eu me sinto realmente bem por isso!
eu trabalhava numa fábrica de velas, e na maior parte do tempo eu detestava. pouco antes de pedir as contas vi um cara cair dentro de um caldeirão de cera quente, todo mundo ficou em silêncio quando ele voltou pro trabalho todo enfaixado poucas semanas depois. eu acordava ainda no escuro da manhã e me vestia mecanicamente depois de um café bem forte. quando voltava pra casa o dia já estava no fim e não havia nada a ser feito além de tomar uma banho morno e comer carne mal passada assistindo aos programas policiais. teve um caso que me deixou insone por semanas, o marido chega em casa e encontra a mulher só de calcinha no sofá abraçada a um outro homem, eles não mostraram fotografia deste e nem divulgaram o nome do marido, o marido fica louco e enfia a chave do carro no olho direito da mulher, o outro foge sem roupas, o marido encontra os documentos na carteira no bolso da calça do amante da sua mulher, encontra o endereço da sua casa, vigia por dias a fio, o cara ficou puto e nem quis saber da mulher caolha no hospital, ficou tão louco que um dia invadiu a casa do sujeito e o fodeu tanto no cú com um pé de cabra que o cara nunca mais pôde andar. era isso toda noite, na hora do jantar.
depois eu ia até o bar encontrar o Joca e o Marcão. o Marcão mal tinha um metro e meio de altura e ficava puto se alguém o chamasse simplesmente de Marcos, Marquinho então era motivo pra ele avançar em quem quer que fosse pronto pra briga. grandes caras!
ficávamos discutindo futebol até alguém se cansar e falar de boceta. o Marcão disse pra gente que tinha uma namorada negra de vinte e dois anos. ele era louco por ela e era sempre o primeiro a ir embora com a desculpa de que tinha que telefonar pra ela. nunca ninguém viu essa mulher. o Joca me falava sobre a vida dentro de casa, sobre os filhos com piolho, a mulher tomando pílulas pra emagrecer. ás vezes os olhos dele perdiam o brilho e afundavam numa neblina tão espessa que eu mal os podia ver. noutras ele se orgulhava por ter aquelas pessoas esperando por ele. um lugar pra onde voltar.
o bar era uma espécie de esconderijo pra nós. o bar é o único lugar pra onde você pode levar os seus problemas sem ter que encará-los como adversário. e lá todo mundo falava ao mesmo tempo, as mulheres entravam e não tinha uma que não dava uma ajeitada nos cabelos ou no jeans quando passavam pelo espelho, da porta até o balcão.
Marli era a mulher mais bonita daquele lugar. ela era a mulher mais bonita do bairro todo. a mais encrenqueira também. uma vez ela discutiu com um cara que pediu pra ela dançar, o cara era um mané e usava roupas coloridas e gastou a maior grana pagando bebia pra todo mundo. ele se apaixonou pela Marli. mas ela tinha perdido o marido e o filho num acidente e desde então a única coisa que fazia era beber todas as noites com uma grana gorda que ganhou do seguro e ficar lá puxando papo com a gente. ou só ficava lá sozinha, bebendo sozinha e amaldiçoando o destino. o mané colocou a mão na sua cintura e mal conseguiu ver de onde veio a pancada com toda a força batendo do lado direito da sua cabeça. caiu no chão e ela pisou no seu pinto com o salto da sandália. o cara ficou gemendo lá no chão e ninguém se importou muito.
quando o marido dela morreu eu a pedi em casamento. ela veio pra cima de mim e arrancou minha camisa e jogou o vestido pra cima. ela gritava e me arranhava e chorava. no outro dia pela manhã ela precisava organizar tudo para o velório e enterro. fui com ela até o banco, depois compramos os caixões e enquanto ela telefonava pra família eu fui até o quarto dela e vi duas malas grandes sobre a cama. ela entrou no quarto e me contou que ia embora naquela mesma manhã enquanto eles viajavam pra uma visita aos avós. ela me contou que sentia muita pena do que tinha acontecido a eles, pois o sofrimento da partida dela uma hora seria substituído por alguma outra mulher que pudesse cuidar de tudo e fosse feliz ali. mas agora o que ela podia fazer era botar todas as roupas de volta no armário e esperar o perdão de Deus por aquilo. Marli ia sempre à igreja e sempre falava de Deus e às vezes crispava com Ele.
no dia do velório muitas pessoas começaram a chegar, eu fiquei na cozinha ao lado da garrafa térmica com café fumando meus cigarros. as pessoas abraçavam aquela mulher e diziam sentir muito. eu não acreditei em nenhuma delas.
Marli ficou o dia todo falando com pessoas e abraçando pessoas e segurando a mão de pessoas que desmaiavam a cada meia hora. eu fiquei o dia todo ali olhando aquilo tudo, fiquei andando entre as pessoas que nos cantos da casa, longe dos olhares familiares, acusavam a mulher por toda aquela desgraça. a verdade é que ninguém queria estar ali, ninguém sem importava.
foi um acidente de carro. um homem desatento fez uma curva fechada e os acertou em cheio, o carro virou e os dois morreram ali mesmo. no meio da estrada. sem ninguém ter culpa disso além do pobre infeliz que fez uma curva muito fechada. velório, enterro, desespero. a morte não encerra tudo, então.
nunca mais falamos do meu pedido de casamento. eu a visitava duas ou três vezes por semana. comíamos, quase sempre só eu comia, em silêncio. um dia eu pedi pra que ela tirasse as coisas dele do armário e mandasse pra alguma dessas instituições. ela me acertou em cheio com a tampa da panela que segurava meio abobalhada olhando pro corredor. não falamos mais. sobre coisa alguma. eu chegava e ela já tirava a saia e se jogava na cama. depois tomava uma ducha rápida, pintava os lábios, colocava uma presilha nos cabelos e saíamos.
com o tempo tínhamos cada vez menos o que conversar, ela estava afundando numa escuridão que só ela podia compreender. eu acho que ela precisava daquilo. com o tempo ela perdia a cor, perdia a aspereza, ela estava indo embora. as vezes sumia por dias e eu não a procurava.
meu telefone tocou perto das quatro. tocou um bocado até que eu consegui me equilibrar sonâmbulo até a sala. disseram que saiu sangue até pelos ouvidos. não sabiam quando tinha acontecido, mas alguém sentiu um cheiro, alguém arrombou a porta e alguém achou que eu precisava saber.
o Joca apareceu em casa, trouxe uma garrafa de conhaque e ficamos sentados na sala. liguei o rádio e ouvimos "Oh goodbye everybody / I believe this is the end / I want you to tell my baby / Tell her please, please forgive me / Forgive me for my sins"
. torci pra que ela tivesse encontrado seu perdão, e que enfim pudesse ir embora como gostaria. adormeci no colchonete e não vi a hora que o Joca saiu, deixou anotado num pequeno pedaço de papel marrom: tudo termina ás 15 horas. mas eu não quis ir ao velório. eu me sentia realmente tranquilo. estranhamento calmo. pensei em tudo que já tinha feito até aquele instante. sentia o peso de cada osso do meu corpo, cada pedaço de pele já flácida. fiquei pensando na miséria da vida, nas dores da gente que ninguém pode alcançar. fiquei pensando na Marli e senti saudades. alcancei a garrafa e logo adormeci novamente. o telefone tocou todo o resto da tarde.

17.10.11

the frog and the owl.

P.orque eu sempre preferi sapos. os sapos de verdade. e eu nunca aprendi a cantar aquela música até o final. eu, a moça com olhos de coruja, apaixonada por um sapo. era engraçado descrever as coisas assim. uma coruja não pode se apaixonar por um sapo, você disse. e me deu uma pelúcia, sorriu, e me levou pra algum lugar melhor que aqui.

5.7.11

pedi uma cerveja e um cinzeiro, coloquei meu revólver sobre a mesa e olhei pra cara do garçom que com indiferença resmungou "eu não vou limpar a sua bagunça, amigo". enchi meus pulmões de fumaça enquanto meus olhos colavam na janela do apartamento. sentei numa cadeira que dava vista pra janela, caso ela não tivesse acreditado nas minhas cartas e resolvesse conferir. eu tava ali, babe. tava esperando pra resolvermos nossos problemas e então eu poderia me mandar dali pra sempre, como ela me pediu. o garçom me trouxe a cerveja e o cinzeiro e apontou pra uma mesa do outro lado da calçada. tinha uma morena de vestido azul com cabelos em desalinho, curtos, que quase cobriam os brincos. ele se afastou. me aproximei dela, pedi licença enquanto colocava meu revólver no centro da mesa. olhei pra janela e examinei se ainda podia ser visto. sorri. ela, que não tinha olhado pra minha cara, tinha nas mãos uma fotografia e uma tesoura sem ponta. começou a soluçar.
"então não faça isso, se não é o que realmente quer fazer"
"você não sabe de nada, você é um bosta... tô chorando porque essa tesoura é uma merda, e toda essa situação é uma merda. e você não sabe de nada"
"não sei. eu nem quero saber, só sentei aqui porque gostei dos seus brincos"
"bicha!"
"gostei da idéia de arrancá-los da sua orelha" O que era cretinamente sincero.
"sai fora, eu não gostei de você. eu não quero conversar. eu só quero ficar aqui e tomar uma decisão, sabe?"
"não sei... mas acho que não deve decidir nada ainda. você devia tomar essa cerveja comigo"
"eu quero. e depois você vai atirar em mim?" Ela quase riu, mas cravou os dentes nos lábios.
"não. eu não vou atirar em você. só vou ficar aqui olhando pra janela daquele apartamento (apontei com o revólver)"
"ela é muito bonita. ela é realmente bonita. acha que foi por isso que ela ficou com ele?"
"foi por minha culpa"
"e ele ficou lá por sua culpa também?"
"eu não sei de nada..."
"eu sim. ele mentiu muito. todas as noites e dias e anos. ele é um miserável, sabe? ele mastiga bem as palavras. posso entender porque ela deixou que ele ficasse lá. agora, essa sua arma não muda nada"
"e você trouxe essa tesoura pra quê?"
"foi presente dele. queria devolver..."
ficamos bebendo em silêncio. ela não olhava pra janela do apartamento, ela não tirava os olhos da fotografia. ficamos ali por horas sem dizer uma única palavra. apenas bebendo. o garçom colocou a mão sobre o meu ombro e nos levantamos. tirei o dinheiro do bolso e então ela me encarou. não tinha nada nos seus bolsos, assim como nos olhos. deixei o revólver sobre a mesa, a morena ajeitou o vestido e colocou a fotografia debaixo da arma. eu atravessei a rua e levantei a gola do meu casaco. acenei pro táxi. ela foi pro outro lado, com a tesoura na mão direita. acenei pra ela. nunca mais nos encontraríamos.

22.6.11

[21/06]

Gostava dela. Sim, eu gostava muito daquela mulher. Do seu jeito de ficar louca e arranhar minha cara em seus ataques de fúria. E depois cair em si e me fazer curativos e me chupar e me morder com a doçura descontrolada que só encontrei naquela mulher estranha. E disseram que eu estava encharcado, que eu tinha detonado o bar e uns caras estranhos, eu só me lembro de não tê-la visto sair. Alguém começou o papo sobre ela e o que fazia antes de me conhecer. Antes, aquele antes, e todo o inferno de volta em mim. Alguém que provavelmente não me conhecia e não conhecia aquela incrível mulher, alguém que resolveu arriscar o seu pior dia num papo tolo pra cima de mim. O decreto era esquecimento, oras! quebrei mesas, uns dentes que talvez tenham ficado em meio a todas as garrafas quebradas. Esvaziadas antes da confusão. Outro me pedia pra sair, pra sair antes que a coisa ficasse feia de verdade. O que ninguém ali ou em qualquer outro lugar sabia é que a coisa toda já tinha me matado antes. Então agora eu era um fantasma cheio de raiva e ela tinha um passado sujo que eu precisava esquecer. Era só ter evitado um olhar, um único olhar e eu não teria ficado louco por ela. Os cabelos claros caindo no ombro, a pele tão clara que eu podia atravessá-la com meus olhos de lobo. Sua boca desenhava um raio na minha memória e foi aí que eu fiquei totalmente preso a essa criatura. E sempre havia algum herói embriagado querendo me acordar desse pesadelo. Mas é o meu pesadelo que me mantém vivo, cheio de sede, me mantém longe das encrencas de verdade. Bancos, filhos, a empresa de energia elétrica e carrinhos de supermercado.
Uma noite ela entrou na sala com a cara retorcida, seus olhos faiscavam. Meu pau ficou duro na hora. Desliguei a tv e sorri. Ela me acertou no queixo com alguma coisa tão dura quanto a minha ereção. Depois disso se sentou ao meu lado e tirou uma garrafa pequena da bolsa, repousou a garrafa nos joelhos e ficou encarando o pequeno frasco. Começou a cantar uma música baixinho. A minha pequena criatura louca ficou ali cantarolando baixinho por alguns minutos até que levantou a garrafa e deu um bom gole, me estendeu o próximo. Recostou a cabeça no meu ombro. Tirei o maço do bolso e acendi um cigarro. Ela se ajoelhou e tirou meus sapatos carinhosamente. Sorriu. Abraçou minhas pernas, abraçou como se aquilo fosse outro pedido de desculpas. Não pelo golpe certeiro no queixo, mas por ter me encontrado. Por voltar todas as vezes, por não conseguir sair daqui. Ela, ruidosa e cuidadosamente colocou de lado meus sapatos e beijou meus pés. Aquilo foi a coisa mais bonita que já vi na porra da minha vida.
Aqueles lábios faiscantes!
A garrafa bateu com força no meu queixo, mas não quebrou. O queixo sim.
E ela depois levantou do sofá e enquanto vestia a calcinha (uma mulher vestindo a calcinha com um cigarro entre os dedos é a outra coisa mais bonita que eu já vi) me encarou séria e me pediu pra esquecê-la. Eu dei de ombros. Eu jamais poderia impedi-la. Deitamos no chão, apagamos a luz. Ela começou a cantarolar uma música, meu peito doeu, implodiu, e então não pude evitar e comecei a cantar com ela. Era nossa última chance, e não nos veríamos nunca mais.


(caixa de corerio)

1.4.11

te ver fechando a porta enquanto me afasto no corredor. te olhar nos olhos e não conseguir balbuciar um adeus. sentir o suor nas mãos e não conseguir disfarçar o constrangimento. pedir desculpas, errar outra vez, encarar verdades implícitas num bilhete. esquecer de tirar os sapatos. olhar pros dois lados da rua, só pra ver se você está chegando. esconder os talheres só pra começar outro assunto. esconder o sorriso só pra tentar evitar confusões. atravessar a rua, e mudar o caminho por pura covardia. te ver empoeirar numa fotografia, sorrindo discreta e secretamente numa lembrança.

apagar a luz, e demulcir a noite.

30.3.11

trinta e cinco motivos pra estar aqui


para Ademir Muniz

Conheci um Cara que ouvia rock'n roll debruçado na janela de seu apartamento olhando a garoa cair, carros passando, vozes vindas de vários cantos do centro da cidade. Esse Cara me contou segredos e histórias absurdas, esse cara já me viu ao avesso, desarmamos armadilhas, cometemos alguns crimes e nos divertimos um bocado. Esse Cara descobriu um lado em mim que eu sempre tive medo de encarar. A gente tem esse lado e tá tudo aqui dentro, é trabalho pra gigante derrubar muros. Mas eu tô falando desse Cara que eu conheci numa época em que tudo era completamente diferente, e ele me ensinou a andar e a falar, e agora é como se eu não soubesse mais o que era antes dali.

Esse Cara desembarcou onze anos antes de mim, e na minha imaginção chovia no dia trinta daquele mês, naquele ano. Ele nunca foi de se importar muito com isso, mas eu insisto por pura traquinagem, por ter aqui dentro uma alegria tão grande em acordar nesse dia e pensar que conheci uma pessoa como nenhuma outra, que comemora mais um ano de vida!

Não vou listas votos de festa, porque ele merece mais que isso. Sim! Desejo pra Ele um milhão de coisas incríveis, um universo inteiro daquelas histórias absurdas.



Ps. parabéns pra você e trinta e cinco motivos pra comemorar!

17.3.11

03 de Março

Eu esperei ansiosamente pra te conhecer. Queria ver seus olhinhos brilhantes, os teus cabelos, queria ouvir seus ruídos e sentir sua mãozinha segurando a minha mãozona. Eu nem sei explicar exatamente o que eu senti quando o telefone tocou e disseram que você já estava lá esperando por todos nós que ansiosos corríamos de um lado pro outro meio perdidos e sorrindo abobalhadamente. Minha mãe me olhava e sem dizer nada me transmitia uma alegria tão grande que me chacoalhava por dentro. Fazia bastante tempo que eu não via tanta alegria nos olhos dela. O Gustavo voltava das aulas na auto escola e mal tinha entrado na sala quando eu gritei "Gu, ela nasceu!" ele sorriu e me deu um abraço. O Vitor andava de um lado pro outro, ora rindo, ora tentando conter a emoção, eu sabia que aquele era o dia mais feliz da vida dele. E eu coloquei tanta roupa na sua malinha que parecia que você e a Erika passaríam seis meses na maternidade. Você nasceu numa quinta-feira molhada, e estava um puta frio. Você nasceu nos trinta minutos de pit-stop que o seu pai fez depois de passar mais de dez horas esperando pra assistir seu parto. Você nasceu num dia em que eu vi minha família toda reunida e festejando, depois de tempos duros e tristes. Você veio pra mudar histórias, e eu fico feliz em poder fazer parte da sua vida que acabou de começar. Seu pai, meu irmão - o Vitu, não pôde assistir seu parto mas ainda vai te ver dar o primeiro passo, o primeiro sorriso, vai ouvir sua voz de criança e a vida dele nunca mais vai ser a mesma, porque agora nem ele e nem a sua mãe, a Erika, serão sozinhos. E eu não estarei muito longe. Fui muito feliz aí nessa mesma casa, torço pra que você seja também!

Você trouxe de volta a alegria no rosto das pessoas mais importantes na minha vida. Agora a casa tem mais cara de casa e todos estão se dando uma nova chance.

A primeira vez que eu te vi foi incrível, entrei no quarto do hospital e te vi no colo da sua mãe, que não parava de rir, eu te peguei nos meus braços e disse "oi Feijoa, muito prazer, eu sou a sua tia, Paula!" e você nem abriu os olhos, e já te amava antes dali. Um dia eu vou te contar tudo isso denovo, e você vai achar um saco pois terá coisas acontecendo e vai achar que não tem tempo suficiente pra todas elas. Vez ou outra eu vou te achar um saco também, vamos ficar tempos mais longos sem nos encontrarmos, e isso não vai mudar nada, um dia você vai entender.

Não sei se estou exagerando nas palavras, se talvez a emoção do primeiro bebê depois de nós três (Vitor, Gustavo e eu), se talvez a empolgação de ser tia e a loucura que é ver meu irmão preocupado com a filha, não sei descrever o que é isso... mas eu chamo de amor!

Espero que você tenha muitos bons momentos, e que seja uma menina forte pra enfrentar os outros que vem junto.



Eu te amo, Yasmin!

12.1.11

Ela veio em minha direção sorrindo. O local era o mesmo, ela vinha de ônibus, vinha equilibrando um nervosismo divertido em suas sandálias e sempre tinha um maço de cigarro barato no bolso do jeans. Ela tinha aquele jeito de acender e tragar e tossir e virava o rosto fazendo um gesto com a mão que eu entendia como "tá tudo bem, sabe". Conversamos um pouco sobre o que cada um tinha feito ou gostaria de ter feito, ela me contou que os pais continuavam brigando e tudo ia mal, o trabalho não muito interessante, e então caminhávamos por ruas que seriam então uma de nossas boas lembranças. Ela que me mostrou o lugar com cheiro de alvejante e senhoras feias varrendo corredores com quadros assustadores de sexo e natureza. Eu tenho imagens nítidas daqueles corredores. Corredor de motel. Motel com nome de padaria do interior, recepcionista com cabelo tingido e balinhas de hortelã como cortesia. Tinha até uma saleta de espera. Contrangedor até a hora que te chamam pelo nome. Ríamos tentando adivinhar que tipo de relação tinham os outros casais ali folheando revistas como num consultório dentário. Sabíamos fazer piada com qualquer situação. Ela colocava a mão no meu pau por dentro da minha calça dizendo coisas no meu ouvido sem se importar com os olhares espantados ao redor. Seus dezenove anos eram poucos pra o que tinha dentro de si, vinha de histórias complicadas, de traumas insolúveis, decidiu que seria feliz e foi, me escolheu nesse caminho e então nos divertíamos rindo baixo no corredor daquele lugar. Quarto número cinco, cama quadrada, espelho pequeno no banheiro. Ela tirou os sapatos rapidamente, ela tinha uma habilidade invejável pra se despir. E me olhou daquele jeito enfurecido e delicioso. Sua boca derretia coisas ao meu ouvido enquanto eu tocava sua carne e mordia seus cabelos. Pensei naquele momento que eu a magoaria em breve, é sempre a mesma história. Antes de amanhecer ela se enfiou entre meus braços e abrindo os olhos bem devagar, ajeitando-se nua junto de mim, ela disse o que me faria perder toda e qualquer direção de mim mesmo "eu te amo" e fingindo não entender o que disse pedi que repetisse "eu-te-amo". As palavras saíram da boca dela direto pra dentro da minha vida, não lembro o que acontecera antes, não importava mais. Meio bobo e já descrente demais pra fazê-la entender quem eu era eu segurei seu corpo com coragem e a beijei "eu também..."
Amanheceu o primeiro dia de nossas vidas. E hoje, recortando reminiscências, lembro dos cafés da manhã que sempre deixávamos pra depois quando, cambaleantes e estranhamentes felizes, voltámos de mãos dadas e corações escondidos no bolso.

7.1.11

só por cinco minutos, eu preciso desse silêncio.
assim como preciso de todas as minhas convicções e desesperanças, duas doses ao cair da noite e um bom livro por perto. assim, oras, como preciso acreditar no que sinto pra continuar, mesmo sendo isso uma puta encrenca. assim como agora os barulhos vindos da cozinha já são outros, outra vez, e eu tenho tido medo de andar sozinha na rua de madrugada. como se fosse perseguida, ou como se estivesse sendo só ignorada. não, não me peça pra esquecer coisas, aquelas que também são minhas, não me peça pra ser gentil e jogar fora. faça somente a sua parte, eu cuido das minhas próprias feridas. como os gatos que se limpam e se cuidam, que saem por aí e não precisam de um afago, a menos que queiram um. um ponto final. um momento de paz e as suas histórias dos tempos no cortiço. uma amiga me contou que na grécia as pessoas não entendem a piada, aconteceu o mesmo comigo ontem a noite. saindo do cinema olhei pro outro lado da rua e notei fachadas e luminosos emoldurando a noite, pessoas falando sobre sonhos e desejos, um cara dormindo na calçada mais triste da avenida paulista. eu sonhando com pessoas que eu nem conheci e acordando atrasada. correndo até o ponto de ônibus, faminta, pensando tediosamente em erros recorrentes.