27.6.08

É que se eu tocasse a campainha e você abrisse a porta eu sairia correndo. Você mora numa avenida e provavelmente algum caminhão passaria por cima de mim, porque é claro que eu tropeçaria na calaçada toda esburacada com aquele cimento fodido. Foi por isso que eu passei o bilhete por debaixo da porta durante a noite. Foi por pouco, tinha um cachorro latindo sem parar, tive que dar dois chutes pra ele ficar quieto. Quase estragou tudo. Ainda bem que você não acordou, porque você gosta de cachorros e é certo que ficaria muito bravo comigo, porque acho que quebrei o focinho dele. Mas o bilhete ficou lá. Agora isso, você nem leu ainda e já quer quebrar tudo. Isso sempre me incomodou em você. Telefonei pra sua irmã e disse pra ela umas verdades, mas não brigue com ela pois fui eu quem ligou. Sabe, eu ia te dizer pessoalmente mas fiquei desconcertada por caiu um dente meu, bem na frente e talvez você desse risada. Mas o pior foi mesmo esse bilhete que você não leu. Porque eu quebrei as fuças de um vira-lata pra não ter que dar de cara com você e não adiantou nada. Olha eu aqui sem dente na frente te dando explicações fajutas. Naquela noite eu entendi cada vírgula do que me disse. Quem não entendeu nada que se foda agora, porque eu tô indo embora. E se você não quiser ler essa porcaria de bilhete de uma vez por todas, dane-se.
Era só mais uma daquelas minhas cansativas declarações de amor.
Disseram que lá embaixo, no meio do abismo, vai ter uma festa, mas eu não quero ir


Eu não ia mais falar nele. Não aqui e não por bastante tempo. Porque ele não é um problema meu. Escrevi uma vez que entendia essas coisas que nunca páram de acontecer, mas não entendo, tentar entender é algo que dói mais que viver nisso. Não é o casa de desculpar ou perdoar, não é o casa de escrever uma carta e deixar lá debaixo das camisas na gaveta. Não. Já deixei de sentir. Guardo um pouco de raiva sim, afinal, não fui eu quem disse sim ou que escolheu nomes e móveis. Fui crescendo entre socos e palavras que jamais serão esquecidas. Mas o que aconteceu comigo foi o contrário do que acontece por aí, eu quis sair de lá, quis deixá-los sozinhos e viver o que tinha pra mim, do lado de lá as pedras vinham com força e eu já cheguei a pensar que talvez fosse mesmo minha culpa e que eu tinha que resolver. Não, eu só era "pequena" demais pra enxergar por trás daqueles muros. Ontem ele estava no sofá assistindo o jornal com aquela cara de quem só está esperando uma brecha. E eu fujo dessas, eu me escondo nos cantos e tapo os ouvidos. Mas ontem eu estava preparando o molho do macarrão, molho pronto com carne moída, atenta no macarrão cozinhando na panela maior pra não grudar. Tinha cozinhado batatas e tava decidindo se faria um purê, o que não orna com macarrão mas eu gosto assim. Ele entrou na cozinha com uma conversa sobre um cara que pegou um livro meu emprestado e disse que vai devolver. Foi só isso que ele disse, que o cara vai devolver. continuei circulando a panela com a colher, o macarrão quase no ponto, nem duro nem derretido. Saiu e voltou com um livro grande de capa verde escuro, um livro que ainda não tinha visto na casa. Folheava o livro perto de mim chamando minha atenção pra algumas páginas onde umas fotos muito bonitas estampavam aves de todas as cores. Urubu-de-pescoço-preto, saí-azul, urubu-caçador-de-macaco, e ia falando onde já tinha visto aquelas aves, e falava comigo como se uma conversa daquelas fosse tão comum entre nós dois. Como se eu fose me sentar a mesa e lhe servir aquele macarrão todo feito as pressas entre risos e confidências. Ao mesmo tempo que tinha vontade de perguntar se ele já tinha visto um urubu comer um macaco tinha vontade de enfiar aquele livro tão bonito dentro da água fervendo, antes de sair dali correndo pros cantos. Mas ele deve ter percebido que não estava funcionando, que seria preciso muito mais pra arrancar de mim uma palavra sequer. Apenas saiu da cozinha e voltou pro sofá, resmungando vez ou outra, com aquele olhar perdido em anos atrás. Eu me sentei sozinha a mesa, eu me servi daquele molho pronto com uma vontade incontrolável de chorar. Não estava triste, eu só não queria estar sozinha ali, não ali. Enchi o cesto com umas roupas sujas e subi as escadas pra lavanderia. Eu lavei roupas pra não chorar, porque não consigo fazer duas coisas ao mesmo tempo ali. Separei as cores e deixei as meias que estavam um tanto encardidas de molho na água sanitária. Quando entrei denovo na casa a televisão estava desligada e nenhum barulho além do meu chinelo se ouvia na sala. Meu quarto não é nenhum refúgio, eu não fico mais feliz me enganando. Preciso de um emprego novo, de menos espaços, de mais diversão. Só não queria ficar agora com essa dúvida sobre urubus e macacos e tantos anos sem nenhuma palavra. E eu não quero mais. Quem sabe um dia alguém nos veja rachando uma cerveja por aí, mas não quero esperar esse tipo milagre acontecer. Matei muita coisa boa enquanto me preocupava com raiva e angústia. Fiz pessoas que me são muito caras desistirem de mim porque eu tava misturando tudo. Desculpa aí gente!

Hoje pela manhã antes de sair de casa me perguntou "sua mãe volta quando?" e de uma vez por todas eu tapei meus ouvidos. Porque o problema dele é problema de homem. Não de pai.

25.6.08

Vou andando pelas ruas com minha fama de velho amargurado, ou amargo, já que amargura é um conjunto de coisas ruins e essas ha muito não me importam. Vou reunindo idéias confusas sobre lugares distantes e mulheres bonitas. São pensamentos escusos esses, confesso. Digo que sou velho mas ando pelos trinta e oito e bebo conhaque todas as manhãs. Como se isso me poupasse do inevitável, o que não tem nada haver com morte. Chuto latinhas na latrina e o barulho das minhas botas no alumínio disfarçam meu riso derretido no canto da boca numa recordação quase imbecil dos tempos idos. O alumínio na sola da botina, batendo no canto, as pessoas olhando um vagabundo de calças largas e barba mal feita se divertindo num bate lata solitário. Primeiro o bamba, a paixão pela garotinha mais loura da rua, o carrinho de rolimã, o nariz do Beto sangrando e meu pai descendo a ladeira com um cinto de couro na mão, o allstar de cano alto e as camisetas dos Caras. Depois foi gel nos cabelos e aquele adidas impecável. A primeira mulher de verdade! Agora vejo os mais jovens procurando resgatar aquilo. Deixem isso lá, entenderam? Porque nada daquilo foi realmente bom, a gente envelhece e vocês não têm o direito de botarem suas mãos limpas nisso. Vivam suas vidas e bebam em seus bares, eu não quero ser exemplo pra nenhum de vocês. Eu não segui nada. Bati com a cara muitas vezes. Com essa fantasia empoeirada que estão vestindo só vão causar mais problemas. Não se metam em encrenca, isso foi ha muito tempo. Apenas façam alguma coisa melhor que antes.
Uma vez falei de sonhos e tomadas e repelentes pra mosquitos, tudo isso é meio parecido. Precaução. Nada que nunca nos tenham dito.
Custa assumir muita coisa. Pão com manteiga aviação e café preto, porque café é preto mesmo.
Custa deixar certas manias no passado quando este decide simplesmente não ir embora.
Era como fugir. Trancava as portas, cerrava as jenlas e me mantinha em alerta atrás das cortinas. Numa casa de trinta e cinco quartos todos com banheiros e banheiras. Algo como premonição ou pura luocura instalada por conta do ócio de tantos anos. Mas eu verificava tudo, cada canto, cada pedaçõ de pizza caído no corredor. Sem tocar em nada pra evitar suspeitas com minhas impressões digitais. Nada em parte alguma, silêncio. Só então podia me deitar, mas sem nenhum sono ou chance de adormecer de fato. Numa casa de tantos quartos posso não ser o único a espreitar. É preciso todo cuidado. A loucura fica a meio metro da gente, qualquer deslize e pronto, lá está ela a querer nos abocanhar. Não posso esquecer de contar os talheres, e os pratos que sempre estão em número menos a cada vistoria. Porque facs e colheres ficam longe dos garfos, e todos sempre somam setenta e sete, sempre. Mas as cortinas altas de veludo escuro impedem que alguém desonfie de mim. eles pensam que eu não estou preparado pra um ataque. Cautela, cautela, cautela... Mas é sempre, e muito, difícil manter os dias em ordem, eles passam de dois em dois, como tudo aqui que não é sozinho. Apenas eu. Que matei duas mulheres que gritavam nos quartos, elas conseguiam gritar em trinta e cinco quartos durante semanas. Lembra o que falei da loucura? Não digo aquilo que não presenciei, é como ver os ratos detroçando um cachorro morto no quintal. Primeiro a cabeça, depois as patas, os ratos mais gordos abocanham desesperadamente as carnes do traseiro. E na sala, onde uma lareira enorme ostentando sucesso fica sempre acesa, eu enfileiro sabonetes e vidros de xampú pra ter certeza que foi tudo, tudo, anotado. Numa pranchetinha dos tempos da escola. Não quanto tempo vai durar tudo. Falando da vida. Preciso estar pronto pra prestação de contas, ou juízo final como alguns dizem.
Os recados do orkut nem sempre são dãããã.

Hoje recebi esse do meu amigo Rock "Cai de Boa":
"temos medo da felicidade, antes mesmo de conhecer sua insignificância!....pois se sou feliz o buraco amargo estará mais próximo, não de maneira cíclica ou prevista, ele chega!....isso me atormenta! rock. "
É por aí.