5.5.10

Sentou na cadeira mais confortável do café, um lugar bonito, cheio de quadros e mesas com toalhas, cheio de gente nenhuma, garfos pequenos e grandes, brilhantes como os olhos daquela mulher de pernas cruzadas em xis. Se esperava por alguém então devia ser um tipo bem jogado, um tipo do qual uma mulher esperacorajosamente, ou músico ou poeta, porque homem ideal não se atrasa e prefere restaurantes, contas absurdas, bebida ruim e piada sem graça, a pior espécie. Alguém marcaria um adeus no meio do dia? Porque um adeus no meio do dia não é adeus de verdade, não pode ser pra uma mulher com aquela cicatriz quase escondida abaixo do queixo. Talvez estivesse ali desde menina, a cicatriz. Talvez desde a infância suas pernas estivessem cruzando caminhos mais dolorosos, em tardes como essa, esperando algo que nunca chega inteiro na metade do dia, coisas que não podemos comprar em lojas de departamentos, aquelas coisas absurdamente lindas que a gnete enfia no bolso e esquece. Respirando devagar, fingida, socando lágrima dentro da cara, virando páginas de uma revista da qual nem faz idéia ter retirado da prateleira. Olha o relógio, vira o pescoço pra observar qualquer coisas invisível, ao lado, deixando a mostra os brincos pendurados numa orelha pequena, orelha que eu morderia com afeto de um desconhecido. Lá fora carros ultrapassando semáforos nervosos, lavadores de carro uivando pra universitárias deliciosamente carentes que exibem seus cadernos e seus decotes numa avenida que nunca pára. O relógio no pulso moreno parece falhar, aperta os olhos, aproxima o pulso da orelha e suspira, as horas continuam a corrida insana do tempo. Ela tira um batom da bolsa, uma bolsa pequena, surrada, vasculhou secretamente mas sem muito interesse, tirou o batom que esfregou com raiva nos lábios, pequenos, lábios que não queriam compania. Seus pés trocavam de lugar, ela não olhou mais ao redor, nem consultou o pulso, cansou daquela brincadeira com o tempo, com o pensamento. Recostou a cebça e fechou os olhos, eu queria arrancar daquela roupa o corpo moreno da criatura calada que enchia aquela cadeira de carne, de cheiros, de uma imensidão de segredos. Ninguém percebeu os pulmões forçando o ar pra fora, ninguém chegou pra ouvir o que ela tinha a dizer. Talvez fosse a tarde de aniversário dela e alguém deveria ter lembrado disso, eu sabia, talvez aquela bolsa surrada estivesse cheia de desejos, ou de desculpas. Levantou esticando as pernas, ajeitou a calça nas coxas, riu de alguma coisa que só ela viu. Eu ri também, logo que se mexeu pra ir embora, e quando ela ficou de pé os cabelos serpentearam pelo ombro e um botão da blusa caiu, tinha uma tatuagem no seio, alguma coisa bonita, tão colorida, alguma coisa que se perdeu por aí.