17.12.10

as vezes eu tenho medo de dormir sozinha no escuro, e de ficar com a ponta dos pés pra fora do cobertor. as vezes eu acendo um cigarro atrás do outro. as vezes eu repito a mesma história pras mesmas pessoas em noites diferentes, as vezes ninguém percebe. as vezes eu entro de olhos fechados debaixo do chuveiro. conto os passos na calçada, e as vezes mudo os meus pensamentos. as vezes eu ignoro os acentos, e desobedeço algumas regras. as vezes eu ligo pra algum amigo no meio da madrugada e peço desculpas por estar bebendo sozinha, e peço socorro pelo mesmo motivo. as vezes as pessoas que ficam não terão respostas, mas um abraço verdadeiro tem uma puta força. as vezes a gente resolve parar, olhar pros dois lados, a gente toma certo cuidado. as vezes não dá tempo. as vezes, mas só as vezes, eu me arrependo até doer, enlouqueço, sofro todos os males de uma vez só. as vezes é só um sonho ruim. as vezes você está por perto, as vezes eu prefiro ir pra um outro lugar.
as vezes eu sinto tanta raiva, as vezes medo. as vezes eu me recupero rápido.
as vezes aquela música linda toca no rádio.
as vezes toca só na minha cabeça. na verdade, não para de tocar, não para nunca.

24.11.10

pontadas no apêndice

quarta-feira, manhã, um engasgo.

Mal consigo enxergar o teclado ou a tela do computador, agora. Nem minhas próprias mãos, trêmulas, conseguem cessar o chorar, agora. Deus sabe que hoje eu queria (precisava) ler extamente aquilo, aquilo que você escreveu, e se não foi ele só pode ter sido o Diabo na tentativa de me socar ainda mais a cara. Deu certo, os dois me trouxeram ao lugar certo, e como eu queria levantar agora dessa cadeira e ir até aí te pedir um colo e um copo com água. Dois minutos de silêncio. Eu aprendi a dosar certas coisas, como o pó de café no filtro melita. Tenho sentido medo de dormir com a porta aberta, tenho tido pesadelos e tô viciada em criar histórias quais não consigo botar no papel. E você entende tudo isso, né Dri? Você entende quando eu digo que tô morrendo de vergonha e que meus ataques de cólera são tão malucos e angelicais quanto todo o resto do que eu digo, penso, mastigo e cuspo, não entende? Eu acho salto de verniz vermelho a coisa mais linda do mundo, no seu pé, e acho que os teus cachos deveriam ser proibidos porque depois de encará-los é impossível escapar. Eu não lembro como foi que isso aconteceu, e acho até que acontece toda vez que eu te vejo e lembro de uma frase do Caio F. que é mais ou menos "cada um tem seus processos... você precisa entender os seus" e eu não lembro como foi que isso começou. Eu te amo. Ontem, você sacou tudo, me olhou e riu, eu chorava de raiva, você também, por isso a gente rachou o bico. Me perguntou porque eu brigava tanto com o passado e eu disse que se soubesse te contava só pra gente fazer alguma piada, poque eu tava precisando tanto de uma, bem naquela hora. Eu te disse na frente do espelho que nós duas sofremos da mesma dádiva (pra não repetir a palavra loucura o tempo todo), rachamos o bico e talvez abrimos mais uma fenda no tal muro de nossas lamentações. Porra, eu achei que tava no meu melhor disfarce, daí você se aproximou com o riso rasgado e me pergunto aquilo, sobre aquela raiva que eu tava tentando esconder (mentira, tava nada, você percebeu isso também) chutando lata no escuro.
Rachamos o bico! Espero que seja pra sempre assim.

23.11.10

É HOJE >> E É OBRIGATÓRIO:




Palavras da autora/editora:


No dia 23 de novembro, terça-feira, estaremos comemorando o lançamento do meu livro e também o início das atividades da Panelinha Books.


Nosso assessor de imprensa Ademir Muniz veio com essa "é muito bom ver um projeto que sai do papel, ou nesse caso, vai pro papel!"


É isso.

A Panelinha vai jogar tudo no papel, e com responsa.


*

*
*

Serviço:
Coquetel de lançamento do livro “Os tiros vêm do paraíso” + festa de “inauguração” da Panelinha Books
dia 23 de novembro de 2010, terça-feira
(HOJE)
20hs
Club Noir (r. augusta, 331)
entrada franca
preço do livro: R$ 10,00
*
*preço promocional apenas para o dia do lançamento


(Luana Vignon)

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E eu queria poder escrever agora tudo que penso e sinto quando leio os poemas dessa minha Amiga, mas me calo, e abro num sorriso tudo quanto importa no dia de hoje: alegria!

Parabéns Luana, eu sou sua fã!

6.11.10

ela terminou de tricotar o meu casaco e levantou a mala leve, eu nem precisei ajudá-la a carregar a mala até o táxi. tirei um trocado do bolso mas não estendi, seria demais pagar pela despedida. sempre achei muito bonito vê-la tricotar no sofá da sala, ela ficava em silêncio e as vezes resmungava algumas músicas e eu dizia "isso é bonito mesmo" e ela sorria frouxa sem tirar os olhos das mãos. eu ligava a televisão e smepre na hora da novela ficávamos em silêncio tricotando pensamentos e ruminando silenciosamente idéias e sonhos e jantares que devíamos a algumas pessoas. é sempre previsível, as novelas, aquelas frases feitas e uma trilha sonora horrosa. comentávamos "oh querida, você acredita nisso? eles vão se dar bem no final, todo mundo se dá bem no final". eu a conheci numa tarde de blues, ela veio na minha direção e me perguntou onde ficava o corredor dos enlatados, respondi numa tacada e ela sorriu. foi o único sorriso tranquilo depois disso. inventei um jeito de responder a essas perguntas mesmo sem muitas certezas. um supermercado pode ser a única referência no fim. ela nunca gostou dessa minha falta de jeito ou de afeto ou de coragem. uma vez eu disse a um amigo que eu estava feliz, uma outra eu disse que a bebida me enganava. sabe aquele minuto indiscreto de contentamento? já pensei em recomeçar uma porção de coisas, já pensei em telefonar pra aquele mesmo amigo e me desculpar, não que eu ou ele acreditássemos em arrependimento. ela passou muito tempo fazendo coisas e eu fazia coisas e as coisas faziam de nós tão estranhos quanto todo o resto. e aos poucos a casa ficava mais vazia. assim como aquelas gavetas que desistimos de abrir, não dá pra faxinar todas as lembranças. ela terminou o tricotar, eu acendi um cigarro, podia ter sido como naquelas novelas, como sempre acontece, e eu ainda acredito que os corredores mais perigosos não são aqueles dos enlatados.

27.10.10

Dallas - nova temporada!

né, Dri?

23 de Novembro - no Club Noir

clica na imagem
"Confirmada a festa de “oficialização” da Panelinha Books & lançamento do livro “Os Tiros Vêm do Paraíso” (Luana Vignon).

Anotem: será dia 23 de novembro, no Club Noir, às 20h."

5.10.10

e quando está daquele lado indiscreto pra onde insistimos não olhar, aquele lado cheio de sons e cheiros e que olhando daqui parece muito, muito perigoso a noite, ou em qualquer hora do dia.
o que tem dentro do envelope que você carrega seguro no peito?
porque algumas pessoas vão te decepcionar tantas vezes até que você aprenda que erros e mágoas e lembranças e desculpas não são a mesma coisa. os teus amigos não vão mais se preocupar com o que você fez de si mesmo. suas contas vão continuar chegando por debaixo da porta. o carteiro ainda terá problemas com os cachorros da vizinhança. a mulher mais triste que você já conheceu na vida ainda será a única mulher da sua vida. e quando estiver absurdamente cansado ainda não terá coragem de abrir a correspondência, de desligar os eletrodomésticos, de tirar as chaves do carro do bolso da calça. e vai continuar cultivando segredos.
alguém vai dizer que tá tudo certo. e sentirá tanta raiva que vai enfiar a mão na parede de cimento, assim, sem pensar muito. e quando isso acontecer vai encarar os dedos quebrados, a mão cheia de sangue, e o buraco no muro de cimento, e se ainda não estiver louco o suficiente vai conseguir enxergar do outro lado. depois disso não tem mais volta. porque abrir buracos requer um equilibrio entre o céu e o inferno que alguns nunca vão ter, e você sabe disso, e é por isso que rasga os tickets do supermercado, os cartões de visita do chaveiro, aqueles bilhetes irreparáveis. e ainda acaricia mágoas que julga suficiente pra uma vida inteira.
as coisas vão continuar indo e vindo, assim como as pessoas, como as horas, folhas caindo, os carros da polícia, as sombras trocando de lado conforme a posição do poste na esquina, assim como aqueles buracos que nunca fecham. porque não se trata de heroismo ser sozinhho. algumas vezes é quase a única saída. ou o quanto te sobra.

28.8.10

Ou é aquele desejo interminável de te - me - encontrar outra vez. Entrar no supermercado e rodar corredores sem ter em mente o que comprar, de detergente ao achocolatado, cerveja, pão, não comprar nada e voltar pra casa cultivando um tipo estranho de solidão. Ou aquela música fudidamente bonita que você canta rouca tirando a roupa e jogando a sua calcinha de algodão bem no meio da minha cara, esfregando em mim aquele refrão que nunca mais soou nos corredores da casa. Números discados no telefone, milhares, ninguém atendeu aquela ligação que eu deveria ter feito, mas não fiz. Não é verdade que as piores coisas do mundo saíram do guarda roupa da gente? Pelo menos parece que é assim quando a gente volta e encontra tudo no mesmo lugar, no lugar errado. Cansaço. Uma última chance pra uma história acabada, mas que nas fotos parecia eterna. Linda, a história de amor dos donos da rua, linda como você entrando naquele bar com o dedo apontado pra minha cara e indo embora balançando frases soltas e terrivelmente sinceras. Cabelos brancos tantos quantas vezes as coisas podem, e quase sempre dão, num final deslocado, fora de foco, sem prêmios além de loucos corações em mil pedaços. Pés doloridos tanto quanto a paciência passa da conta, e passa, e passa bem longe. Assim como a consciência, na mesma medida de uma ressaca. Falível como as nossas brigas por quase nada, porque é assim mesmo baby, é quase nada.

19.8.10

as minhas descrições

Eu tava olhando pra você enquanto o olhar dela te emoldurava e por alguns terríveis quinze segundos, inteiros, você me evitou. Sem saber o que fazer com todos os meus milhares de pedaços espalhados pelo chão me levantei e fui mijar, na verdade só fui até o banheiro e encarei um olhar nublado e assustado na frente do espelho. Pensei naqueles filmes em que a janelinha está sempre entreaberta e então eu fugiria dali pelo fundos. Me refugiei em metáforas e voltei contando os passos um atrás do outro, eu tentei não te encarar. Porque jurei que nunca mais vou borrar um sorriso seu. Você tava sorrindo. Sentamos, erguemos os copos, e você segurou na minha mão bem na hora que eu ia derreter, e eu fiquei ali pra ouvir o resto da conversa, na verdade eu fiquei ali porque não havia nenhum outro lugar do mundo em que meus pedaços soltos e espalhados no chão não se perderiam. E nada se perdeu, então.

2.8.10

Entramos no banheiro fazendo graça como crianças que aprontam escondidas dos adultos. Era noite de festa, todos riam e dançávam, todos nós bebíamos. Ele disse que tava com sono, tava com sono mas ficou ali e eu enfiei minha mão na sua calça. Eu enfiei minha língua na sua boca, minha insanidade no seu bolso e fiquei ali sorrindo o meu sorriso mais incrível. Na verdade eu tava tão feliz que nem notei aquelas situações que a noite sempre deixa escapar. Acabou o cigarro, eu precisava caminhar um pouco, tinha muita coisa na minha cabeça e eu tava com medo de explodir e sujar tudo, tudo aquilo que eu tava torcendo pra nunca mais acabar (pelo menos por toda a eternidade que cabe numa noite agradável). Ele me fez compania, ele fingiu que não tava atento quando eu acertei o meu passo no mesmo passo que ele, ele tava pisando forte igualzinho os meus pensamentos, e a gente entrou na loja de conveniências do posto de gasolina. Compramos cigarros, três maços, dividimos um no caminho de volta. E foi no caminho de volta que eu me pendurei no seu pescoço e beijei seus lábios como se nunca mais eu fosse te ver. E talvez não veria... mas seu pau entendeu o meu beijo e nos escondemos atrás de uma árvore pequena, na calçada, e se ninguém tivesse visto a gente tinha ficado um tempão ali. Porque a gente tinha colado um no outro. Daí a gente entrou escondido naquele banheiro, puta fila no lado de fora, a gente ria baixinho, e a gente confessa pecados baixinho também. Seu gosto, seu cheiro, a sua mão segurando o meu peito e esmagando medos. Sexo como quem acaba de descobrir um tesouro, aquele oásis no meio do deserto. Minhas mãos contra a parede, suas mãos apertando minhas coxas e a gente rindo por dentro e por fora. A gente colou mesmo, a gente quase trocou de corpo e de juízo. Eu faria qualquer coisa pra te explicar cada pensamento maluco que tava na minha cabeça, mas você me olhou como quem tava sacando, mesmo que tristemente a gente se entendeu. E a gente sentiu tanta falta. Foi um segredo que dividimos em silêncio absoluto. E quando entrei no táxi fiquei olhando você virar a esquina, você não olhou pra trás, eu torci o pescoço até o final da rua, e cochilei o resto do caminhho.

28.7.10

Apóia a cabeça na pia, na pia do banheiro, abre o registro e fica olhando a água cair. Não era de loucura que falávamos ao telefone? Tô aqui pensando na sua bunda, nela todinha, nela gentilmente me acompanhando num trago. Conheci uma garota muito parecida contigo. Ela tem quase a sua idade, quase a sua doçura também. Mas é uma outra garota e eu tenho encontrado com ela no escuro, naquele beco frio onde você se despediu de mim. Escrevemos cartas um ao outro e eu pedi que assinasse seu nome. Porque eu ainda penso em você. Nos teus peitos colados na minha pele assistindo tv no fim de semana. Até trepamos usando as tuas lembranças. Um maço inteiro de cigarro não tira o seu cheiro das minhas mãos. Nem o gosto de sexo novo na boca, meu pau duro as três e meia da manhã, nada tira você de mim. Eu desliguei o telefone ainda com suas palavras fodendo comigo "bobo! você sabe que eu te amo." e eu desejei um milhão de vezes querer odiar você. Daí encontrei aquela sua fotografia no carro, você sem nenhuma roupa, lábios vermelhos com batom, eu tinha beijado seus cabelos antes de bater a foto. E você tava se despedindo...

22.7.10

sabíamos

Desde o começo. E nunca mais seríamos os mesmos, nossas vidas funcionavam juntas, numa ordem desgovernada, ás vezes confusa. Doía. Cada vez que ela arrumava suas coisas, cada vez que voltava trazendo de volta olhos inchados. Perdemos. Muito de nós dois, a individualidade tirou férias eternas, o meu corpo e o seu corpo transpiravam juntos, não dava pra não perceber mas era um contrato ilimitado esse nosso. Cansávamos. De todo o desprezo que insistíamos tentar confrontar, de toda a angústia que a ausência rara marcava, das minhas mãos frias em seus seios, dos teus seios frios cruzando a rua. Sonhamos. Com quintais, filhos, amantes, um assassino como naqueles filmes, um outro domingo, um outro amigo em comum contando segredos que nós dois inventávamos. Dormíamos. Dormíamos.
Pedi pra não abrir os olhos, era uma coisa ruim de levar na memória, mas você não deu ouvido, e foi caminhando naquela direção, e foi caminhando pra muito longe de onde eu pudesse cuidar de você. Por que fez isso? Minha linda, por que você fez isso?
Esquecemos. Você primeiro, de você mesma primeiro, e de todo o resto em tão pouco tempo (foi rápido demais, não foi?). Esqueci. De que não era só te abrir os olhos, não era só cercar os portões dos teus descaminhos, talvez eu devesse ter ido até lá e não sei o que faria, mas estaria mais perto daquela areia movediça e daquelas sombras esquisitas. Você se foi. Eu fui também. Nós tínhamos um plano, e esse contrato eterno de sermos um do outro (você é minha, ainda). Bebíamos. Muito mais do que aos outros incomodava, muito menos do que as nossas vidas suportavam. Amamos. Os dois, as unhas, carnes e seus cabelos finos presos nas minhas roupas, nas minhas costelas e seu Cheiro dentro de mim, inflando os pulmões, socos, beijos, sua bunda em tudo que faço, aquela cama/refúgio onde nossos personagens e algo muito, mesmo, bem próximo do que você me explicava sobre felicidade. Sua voz. Sua música, seus ruídos, suas unhas vermelhas roídas. Medo. De que você fosse mesmo a mulher mais linda do mundo (e eu absolutamente certo disso), de que você não voltasse, ou da minha própria partida. Raiva. Porque minhas atitudes sempre foram precedidas de nenhuma cautela, porque suas fantasias sempre foram as maiores vilãs do meu ciúme, medo da vontade insuportável de nunca sair de perto de qualquer lugar onde estivéssemos juntos. Razão. Por ter sido você aquela menina no ponto de ônibus, por ter sido eu o cara que te emprestou aquele livro. Lembranças... Quando as coisas estão mais distantes, quando é a saudade aqui onde você TINHA que estar. Da primeira vez que você abusou dos teus limites e eu estava ali, mas não estava ao mesmo tempo. Amor. Por cada vez que você tirou a roupa olhando dentro dos meus olhos, por cada segredo que me contou no meio da madrugada, por sua pele cobrindo minha vida, por minha vida abrindo espaço pra você, por você louca rindo e gritando no meio da rua a piada mais engraçada do mundo, que nós inventamos, por viagens que nunca fizemos, pela família que nunca conhecemos, por nosso livro mágico, por nossos cigarros queimando num cinzeiro no canto do bar, por nossa cerveja descendo gelada e nossas vozes cruzando a maior e mais inexplicável sensação que alguém pode sentir, por nossas ressacas, nossas brigas, nossas declarações despudoradas, bêbados disfarçados no elevador, nossas roupas molhadas de chuva, nossas gripes e nossa varanda.
Tempo. Que não me agrada, que não nos deixa escolhas apenas muitas e muitas melodias. Tristes melodias. Um blues mudo, que morre nos teus ouvidos.
(2008)

8.7.10

Aê Pagoto!

Hoje e amanhã a banda Saco de Ratos se apresenta no Centro Cultural São Paulo.
Lançando o CD "Saco de Ratos - Velhos Bêbados Barrigudos Tocadores de Blues".
Hoje: 18:30h
Amanhã: 12:30h
*Nos dois dias a formação da banda é :
Mário Bortolotto - Vocal
Marcelo Watanabe e Basa : Guitarras
Fábio Pagotto : Baixo
Rick Vechione : Bateria



(Rick Vechione, Fabio Pagoto e Mário Bortolotto - foto de Luiz Filipe "Ogro")


Lançamento do CD - Velhos Bêbados Barrigudos Tocadores de Blues
Hoje, às 18h30 - Amanhã, às 12h30
Centro Cultural São Paulo (CCSP)
Rua Vergueiro, 1.000, Paraíso - Sala Adoniran Barbosa

Tel. (011) 3397-4002
Grátis!



A jornalista Adriana Del Ré entrevistou os caras para o JT, a entrevista saiu no jornal de hoje.

Segundo o Ademir a versão on line está mais "resumida" (ainda não li no jornal).

E dá pra conferir também a entrevista que eles deram para a Rádio Web do CCSP:

Saco de Ratos

3.7.10

Paula Klaus


um sorriso.

ps.

Fui caminhando e pensando no que eu tenho tentado entender, recuperar, consertar. Até perdoar. Alinhando datas, relembrando frases, gestos, despedidas, mentiras minhas, e tudo vinha numa longa linha tão triste que meus passos na rua foram ficando cada vez mais curtos, até que eu parei, sem ar, o rosto todo molhado, soluços, socos na perna com a mão fechada. O que é que tá acontecendo?
Revirei a minha bolsa olhando pro lado da rua onde não havia nada além dos portões fechados de algumas casas, acendi um cigarro, fechei a bolsa tão desatenta ao zíper (numa daquelas tentativas de disperçar) que quase prendi o dedo. E não ia doer, não ia. Não estava tão interessada em entrar naquele lugar e encontrar as pessoas, histórias, ouvir música e beber alguma cerveja, mas dar meia volta e enfrentar aquele diário que eu tirei de dentro da cabeça e deixei em casa era assustador também. Daí aquela música do George Harrison começa e é a única coisa que eu ouço, tudo ao redor silenciou. Me esforço pra reagir de outra forma mas é tarde demais e tudo começa a doer ao mesmo tempo de um jeito tão filho da puta. E derrepente não havia mais anda além daquela música que tinha encontrado o caminho pros sentimentos e coisas que eu tenho evitado. Nunca tinha me sentido tão secretamente deslocada. Talvez me senti sozinha, sei lá.
Eu não sei como parar isso, não é fácil pensar em "daqui pra frente" e manter o controle, pra mim não é. Eu ouço tudo, tento administrar, faço uma lista, revejo fotografias, atendo meu telefone desapontada e passo o resto do dia e da noite com a mesma vontade de te encontrar. Absolutamente. Só aquela sensação de 'estar por perto' não resolve. O coração perdeu o jeito. Tenho tentado reunir a razão e a emoção numa mesma sala, a franqueza e a resiliência pedem a palavra, daí eu abro meus olhos e estou atravessando fora da faixa sem vontade nenhuma. Eu nem sei pra onde eu tô indo.

1.7.10

e tem aquela noite que podia ter sido,
e tem aqueles trocados no bolso junto de um bilhete
que nem deu tempo de te entregar,
e tem esse troço estranho dentro da gente,
e dentro de mim
essa raiva que resolveu entrar pra me ensinar umas boas,
e tem isso e aquilo que é melhor nem pensar muito.
pra não sofrer - foi o que você disse.

o sofrimento é irmão do proprietário,
e não faz acordo depois do quinto dia.

27.6.10

quem disse que você podia ficar? o acordo foi um copo d'agua, você podia usar o banheiro e depois iria embora. sim. você, suas coisas, seus sapatos e esses livros empoeirados. será que nunca vamos conseguir uma conversa franca? desonestidade não é pra desviar monotonia, babie. e agora isso, você limpa tudo, pinta paredes, COZINHA, e como se nada estivesse muito, muito errado mesmo, você me pergunta "gosta?". eu quero arrancar sua cabeça, seus dentes e esse sorriso filho da puta que você sempre teve. um sorriso filho da puta pra mim é a coisa mais bonita e verdadeira que existe, sabe? e você não tem o direito de vir aqui e desarrumar tudo que eu fiz questão de espalhar quando quis me esconder de você. e não vem com essa de tirar a roupa, de chorar, de molhar a ponta dos dedos no meu vinho. vai embora daqui. vai embora de mim e de tudo que você fez questão de transformar nessa estupidez irreparável. irrefreável, portanto. agora arruma as tuas coisas e vai embora. é, eu preciso ficar aqui sozinho, mal humorado de vez em quando, você não entende? quando está aqui eu me sinto bem, e sentir-me bem o tempo todo, merda, é sintoma da loucura. quem disse que você tinha o direito de melhorar as coisas pra nós e tornar tudo mais tranquilo só pra ir embora depois e se vingar sabendo que eu vou te pedir muitas vezes? deixei você entrar e não consigo te mandar embora, sair, sumir. não queria ter que fazer isso mas tudo vai ficar pior se você continuar me olhando pelos cantos dos olhos todas as manhãs. e tem aquele lance com amor... se precisar de alguma coisa me telefona, não volta aqui a menos que seja um caso muito sério. e não vá dizer que aquela lagartixa, que você ainda jura que era azul, começou a falar e por isso você não podia dormir lá naquela noite.

17.6.10

tá tudo bem

Mas as vezes dá vontade de mandar pra puta que o pariu. De juntar as mãos e rezar pra que o dia acabe mais depressa, pra que as cartas cheguem logo, dá vontade de ficar sentada na cadeira esperando alguma coisa acontecer. Ou sair de casa logo cedo enfrentando esquinas e vencendo apostas só pra fazer as coisas valerem mais a pena, ou pra não virar rotina. Monotonia. Dá vontade de dizer pras pessoas o quanto elas estão equivocadas a meu respeito, e pedir desculpa por esse ímpeto de raiva só pra não deixar de lado essa minha mania de confiar nas coisas. E nenhuma desculpa resolve e nem cobre essas feridas nas minhas pernas, e por toda parte. E o som que tá saindo do rádio agora turva minha visão e tira o ar e atormenta deliciosamente meus pensamentos. Minha mãe fazendo barulhos na cozinha, gosto quando ouço outros barulhos na casa, barulhos que não são meus e não me importam muito mas que estão por aqui e mudam as coisas. E tem o rádio tocando rock'n roll, e tem o livro aberto perto do travesseiro cheio de reticências, e você na minha retina, e você em todas as coisas que eu quero fazer. Erros, acertos, despedidas, contas a pagar. Uma dança na cozinha e o coração na boca, derretendo um sorriso que não saiu mais da minha cara. A cadeira do cinema, meus tênis no chão e meus pés desajeitadamente apoiados em você, na sua ironia gostosa, no seu gosto por coisas simples. Quando o filme acabou eu queria me esconder em algum lugar com você pra bolarmos um plano.
Mas as vezes dá vontade de começar um regime, de cometer um crime, de comprar uma passagem. E dá vontade de dormir pra sonhar com as coisas que demoram pra acontecer. E de comer tudo quanto é porcaria, até a barriga doer, e se arrepender e rir de si mesmo com certa dose de idiotice.
As vezes dá vontade de recomeçar coisas, mesmo sabendo que as vezes não acontece assim.

29.5.10

a boca ainda inchada, os lábios mais parecidos com gomos de mexerica, e vermelhos e roxos e doloridos. a memória das últimas dez horas um tanto esfumaçada, meus olhos ardem com a luz do quarto. as portas do guarda roupa escancaradas, nenhuma roupa além das minhas poucas camisas e calças surradas e azul marinho e marrom claras. um gosto azedo na boca, minha barriga roncando, pernas doendo. o maço de cigarros caído no chão longe da minha cama, me esforço entre uma tosse de arrancar os cabelos da nuca e terríveis dores abdominais. tentaram me matar, de certo. a caixa de fósforos também no chão, mas do outro lado da cama. diabos, tenho que rastejar como um animal ferido. nenhuma dignidade. me acomodo no chão, puxo o lençol da cama e cubro minhas pernas brancas e flácidas e mijadas.

então saímos de casa planejando um passeio pelas ruas do bairro, já passava das onze, o jornal tinha sido uma merda como tem sido ha algum tempo, tínhamos cupons pra comer uma pizza, comemos. descemos a rua lateral, nós é que demos nome a essa rua, lateral, porque quando voltamos pela madrugada, trôpegos, damos nomes as coisas e aos lugares, é sempre a mesma coisa. eu andando dois passos atrás, fumando o cigarro até a bituca, olhando mais pro chão do que pra ela. ela falando sobre quase todas as coisas do mundo, gracejando, olhando pros meus pés e pra minha cara, andando sempre um pouco mais depressa que eu, pra evitar que nossas mãos fiquem muito próximas. sábado de noite, carros com famílias indo e vindo, namorados aproveitando sombras noturnas e beijos nervosos, cachorros, neblina. um bar logo a frente, entramos. sentamos numa mesa de três cadeiras acolchoadas. tinha música, tinha cerveja gelada e eu estava me sentindo bem, ali com ela e aqueles botões audaciosos da sua blusa.

gosto de sangue na minha boca. esse quarto revirado, cena de partida, silêncio. um trago no cigarro com um gemido de dor, acho que me atropelaram, um guinú enfurecido e não sei porque penso num guinú de camisa flanela, xadrez como um tabuleiro de jogos, copos arremessados, o garçom segurando meus pulsos, o olhar assustado que ela jogou pra cima de mim. acabo de me lembrar o nome do guinú, e de lembrar da cena inteira em que ele enlaçava a cintura dela, que sorria, que dançava, que sorvia goles de cerveja sem culpa, sem perceber quando me levantei desequilibrado e falei sobre suas manias e despejei uma caneca de ciúmes sobre seus cabelos. o bar fervia pois ainda era cedo pra noite se cansar. seguramos um no braço do outro e ela me lançou aquele olhar de quem me mataria naquele exato segundo se pudesse. entramos numa farmácia vinte e quatro horas, ela pediu água oxigenada e esparadrapo e uma gaze. eu fiquei olhando comisinhas, todo tipo de camisinha, antes era só pedir um pacote de camisinhas e trepar, agora te perguntam até o sabor, e ninguém trepa como antes também. o atendente olhou dentro do decote dela, me aproximei e fechei o botão da blusa sorrindo, e voltei pras camisinhas, o atendente entregou o que ela pediu e ela me pediu a grana, eu falei pra ela que camisinha agora é preservativo e tem cheiro de pasta de dente, ela soltou um vai se foder indiferente e enfiou o troco no bolso do jeans. daí eu olhei pra sua bunda, uma bunda empinada, redonda, uma bunda pequena. eu me apaixonei por aquela bunda e por todas as noites quando ela se virava de costas e se espremia em mim, ela se ajeitava e dormia enquanto passava boas horas bolinando sua bunda pequena. sentamos na calçada da farmácia e ela enrrolou os cabelos molhados de cerveja e prendeu no alto. eu perguntei porque estava tão brava e ela não respondeu, apenas derramou água oxigenada na minha cara e nas minhas mãos que sangravam e fez um curativo. ficamos um bom tempo sentados ali, em silêncio, ela começou a chorar. eu sabia que as coisas não estavam bem pra nós, mas eu queria que ela soubesse que eu a amava e eu soltei seus cabelos e os beijei, ela soluçava. acendi um cigarro e ela me acompanhou, ficamos fumando idéias silenciosas.

você sempre faz isso, você é um puto fodido

e aquele viado queria o que, minha putinha?

eu quero beber umas cervejas, meu cabelo tá grudento, vou gastar seu dinheiro com cervejas

tem um bar aqui perto, prometo me comportar mamãe - eu disse repetindo uma brincadeira iditoa que sempre fazia ela sorrir.

ela sorriu e se levantou e me ajudou a me levantar. beijei seus lábios. entramos em outro bar e não tinha música, ela se debruçou no balcão e perguntou se podia usar o banheiro, o cara no balcão apontou pra uma portinha no final de um corredor. ela segurou minha mão com cuidado pra não desfazer o curativo, eu pedi uma cerveja pra cada e ela foi andando rindo baixinho como uma louca. entramos no banheiro feminino e ela se sentou num balcão pequeno ao lado da pia, seu rosto já não era tão jovem mas muito bonito, e seu jeito de falar e gesticular e rir e seu jeito todo era uma coisa insuportávelmente bonita. eu pedi desculpas e antes que eu tivesse terminado algum tipo de explicação ela enfiou a língua dentro da minha boca e abriu meu zíper. saímos do banheiro quando alguém bateu na porta. pegamos nossas cervejas e sentamos no balcão. ela ficou roendo unhas e fazendo círculos invisíveis sobre o balcão com a ponta dos dedos roídos. saí pra fumar um cigarro. lembrei de quando a conheci. pensei nas coisas que mudam o tempo todo, nas dificuldades pra voltar atrás e pra seguir em frente, nos preços das coisas nos supermercados, nos anúncios de emprego e nas falcatruas políticas, eu passaria o resto da noite parado ali enquanto poucos carros passavam e as pessoas iam pra algum lugar fazer coisas incríveis como todos nós deveríamos fazer, a noite merece ser boa, e os postes piscavam, falhavam, a luz amarelada refletia nos retorvisores e era como um piscar de olhos pra mim, a noite me seduzia.

quando voltei ela continuava com seus círculos e me dise que tinha muito medo de não ficar velha no tempo certo, como se as coisas tivessem que acontecer a todo instante e ela estivesse perdendo tempo. eu entendi. eu disse que pra ficarmos velhos era só sentar numa poltrona confortável e esticar a pernas e esperar a velhice chegar, eu que não tenho planos e não queria entrar naquela ferida que ela tava querendo rasgar ainda mais. ela perguntou se eu queria outra cerveja e me pediu dinheiro pra mais duas que mandamos ver rapidamente, quase de uma vez só, era o último trago de nossas vidas. porque a vida seria outra e ela seria outra e eu não queria saber daquilo.

pego minhas coisas amanhã a noite, e você se cuida, né?

pode dormir lá quando quiser, você sabe que eu penso em tantas coisas...

fiquei sozinho esperando o som da porta do bar as minhas costas, aquela poeirinha de melancolia caindo devagar e sumindo. o cara no balcão me ofereceu um trago de algo que ele bebia escondido do patrão, conversamos sobre as mulheres e eu disse que nunca vou saber nada delas e que por isso não vou enlouquecer. ele me mostrou uma fotografia de uma garotinha no colo de uma moça loira, eram suas mulheres. e eu saí de lá com um vento solitário que batia na minha cara e que daria um blues, um tipo de despedida. caminhei contando os passos e contando o dinheiro que sobrou e numa esquina ouvi uns gemidos e passos e o guinú veio pra cima de mim numa velocidade incrível.

lembro de chegar em casa horas depois. acho que desmaiei. alguém me colocou na cama. alguém que arrumou malas e problemas enquanto eu dormia. e foi embora.
pensei em Deus, e ele criou as mulheres pra que não perdessemos a fé, e então nos fodemos, todos. quando conseguir me levantar daqui volto naquela farmácia pra perguntar pra rapazinho tarado se alguém realmente compra todo tipo daquelas camisinhas e se ele pensa em Deus e no diabo e se ele tem idéia de quanto tempo temos até ficarmos velhos no tempo certo.

28.5.10

depois de um tempo...

insanidade retrocede inclusive (e, portanto) escolhas ruins. Não é loucura perder a razão em espaços entre o sentido das coisas, rumos, aquilo que se sonha, quem a gente ama. Não se pode também, por arriscar todas as fichas em alguma coisa parecida com destino, repetir erros velhos. Perdas não justificam danos. Esqueça, as vezes a gente precisa de muito mais que feridas pra entender o ódio, e a raiva. Algumas pessoas nunca vão entender. Admitir um ato falho é difícil, cair no labirinto das mil explicações do que é certo ou errado, debilmente, não. A certa altura, e tão somente a longo prazo, começamos a calcular o que pode ter quebrado, torcido, fundido, o que pode ter dado errado. Céus, não! Aposte uma última ficha se tiver coragem, jogue a porra da consciência ao alto! As vezes aquilo que nos escapa, TUDO aquilo que ninguém mais vai saber descrever, mastigar, aquilo nosso e de mais ninguém em lugar nenhum, entende? Aquele negócio amargo, um fardo, aquela gosma que a gente enfia nos bolsos timidamente, com alegria, aquele negócio que deixa a gente doente mas que também cura uma porrada de doenças que a alma vai sugando pelo caminho, alguns falam de amor, e continuam pensando em pecados.

27.5.10

eu te amo

"Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir

Ah, se ao te conhecer
Dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir

Se nós nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios ainda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair

Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir"
a boca ainda inchada, os lábios mais parecidos com gomos de mexerica, e vermelhos e roxos e doloridos. a memória das últimas dez horas um tanto esfumaçada, meus olhos ardem com a luz do quarto. as portas do guarda roupa escancaradas, nenhuma roupa além das minhas poucas camisas e calças surradas e azul marinho e marrom claras. um gosto azedo na boca, minha barriga roncando, pernas doendo. o maço de cigarros caído no chão longe da minha cama, me esforço entre uma tosse de arrancar os cabelos da nuca e terríveis dores abdominais. tentaram me matar, de certo. a caixa de fósforos também no chão, mas do outro lado da cama. diabos, tenho que rastejar como um animal ferido. nenhuma dignidade. me acomodo no chão, puxo o lençol da cama e cubro minhas pernas brancas e flácidas e mijadas.

saímos de casa planejando um passeio pelas ruas do bairro, já passava das onze, o jornal tinha sido uma merda como tem sido ha algum tempo, tínhamos cupons pra comer uma pizza, comemos. descemos a rua lateral, nós é que demos nome a essa rua, lateral, porque quando voltamos pela madrugada, trôpegos, damos nomes as coisas e aos lugares, é sempre a mesma coisa. eu andando dois passos atrás, fumando o cigarro até a bituca, olhando mais pro chão do que pra ela. ela falando sobre quase todas as coisas do mundo, gracejando, olhando pros meus pés e pra minha cara, andando sempre um pouco mais depressa que eu, pra evitar que nossas mãos fiquem muito próximas. sábado de noite, carros com famílias indo e vindo, namorados aproveitando sombras noturnas e beijos nervosos, cachorros, neblina. um bar logo a frente, entramos. sentamos numa mesa de três cadeiras acolchoadas. tinha música, tinha cerveja gelada e eu estava me sentindo bem, ali com ela e aqueles botões audaciosos da sua blusa.


gosto de sangue na minha boca. esse quarto revirado, cena de partida, silêncio. um trago no cigarro com um gemido de dor, acho que me atropelaram, um guinú enfurecido e não sei porque penso num guinú de camisa flanela, xadrez como um tabuleiro de jogos, copos arremessados, o garçom segurando meus pulsos, o olhar assustado que ela jogou pra cima de mim. acabo de me lembrar o nome do guinú, e de lembrar da cena inteira em que ele enlaçava a cintura dela, que sorria, que dançava, que sorvia goles de cerveja sem culpa, sem perceber quando me levantei desequilibrado e falei sobre suas manias e despejei uma caneca de ciúmes sobre seus cabelos. o bar fervia pois ainda era cedo pra noite se cansar. seguramos um no braço do outro e ela me lançou aquele olhar de quem me mataria naquele exato segundo se pudesse. entramos numa farmácia vinte e quatro horas, ela pediu água oxigenada e esparadrapo e uma gaze. eu fiquei olhando comisinhas, todo tipo de camisinha, antes era só pedir um pacote de camisinhas e trepar, agora te perguntam até o sabor, e ninguém trepa como antes também. o atendente olhou dentro do decote dela, me aproximei e fechei o botão da blusa sorrindo, e voltei pras camisinhas, o atendente entregou o que ela pediu e ela me pediu a grana, eu falei pra ela que camisinha agora é preservativo e tem cheiro de pasta de dente, ela soltou um vai se foder indiferente e enfiou o troco no bolso do jeans. daí eu olhei pra sua bunda, uma bunda empinada, redonda, uma bunda pequena. eu me apaixonei por aquela bunda e por todas as noites quando ela se virava de costas e se espremia em mim, ela se ajeitava e dormia enquanto passava boas horas bolinando sua bunda pequena. sentamos na calçada da farmácia e ela enrrolou os cabelos molhados de cerveja e prendeu no alto. eu perguntei porque estava tão brava e ela não respondeu, apenas derramou água oxigenada na minha cara e nas minhas mãos que sangravam e fez um curativo. ficamos um bom tempo sentados ali, em silêncio, ela começou a chorar. eu sabia que as coisas não estavam bem pra nós, mas eu queria que ela soubesse que eu a amava e eu soltei seus cabelos e os beijei, ela soluçava. acendi um cigarro e ela me acompanhou, ficamos fumando idéias silenciosas.


você sempre faz isso, você é um puto fodido


e aquele viado queria o que, minha putinha?


eu quero beber umas cervejas, meu cabelo tá grudento, vou gastar seu dinheiro com cervejas


tem um bar aqui perto, prometo me comportar mamãe


ela sorriu e se levantou e me ajudou a me levantar. beijei seus lábios. entramos em outro bar e não tinha música, ela se debruçou no balcão e perguntou se podia usar o banheiro, o cara no balcão apontou pra uma portinha no final de um corredor. ela segurou minha mão com cuidado pra não desfazer o curativo, eu pedi uma cerveja pra cada e ela foi andando rindo baixinho como uma louca. entramos no banheiro feminino e ela se sentou num balcão pequeno ao lado da pia, seu rosto já não era tão jovem mas muito bonito, e seu jeito de falar e gesticular e rir e seu jeito todo era uma coisa insuportávelmente bonita. eu pedi desculpas e antes que eu tivesse terminado algum tipo de explicação ela enfiou a língua dentro da minha boca e abriu meu zíper. saímos do banheiro quando alguém bateu na porta. pegamos nossas cervejas e sentamos no balcão. ela ficou roendo unhas e fazendo círculos invisíveis sobre o balcão com a ponta dos dedos roídos. saí pra fumar um cigarro. lembrei de quando a conheci. pensei nas coisas que mudam o tempo todo, nas dificuldades pra voltar atrás e pra seguir em frente, nos preços das coisas nos supermercados, nos anúncios de emprego e nas falcatruas políticas, eu passaria o resto da noite parado ali enquanto poucos carros passavam e as pessoas iam pra algum lugar fazer coisas incríveis como todos nós deveríamos fazer, a noite merece ser boa, e os postes piscavam, falhavam, a luz amarelada refletia nos retorvisores e era como um piscar de olhos pra mim, a noite me seduzia.


quando voltei ela continuava com seus círculos e me dise que tinha muito medo de não ficar velha no tempo certo, como se as coisas tivessem que acontecer a todo instante e ela estivesse perdendo tempo. eu entendi. eu disse que pra ficarmos velhos era só sentar numa poltrona confortável e esticar a pernas e esperar a velhice chegar, eu que não tenho planos e não queria entrar naquela ferida que ela tava querendo rasgar ainda mais. ela perguntou se eu queria outra cerveja e me pediu dinheiro pra mais duas que mandamos ver rapidamente, quase de uma vez só, era o último trago de nossas vidas. porque a vida seria outra e ela seria outra e eu não queria saber daquilo.


pego minhas coisas amanhã a noite, e você se cuida, né?


pode dormir lá quando quiser, você sabe que eu penso em tantas coisas...


fiquei sozinho esperando o som da porta do bar as minhas costas, aquela poeirinha de melancolia caindo devagar e sumindo. o cara no balcão me ofereceu um trago de algo que ele bebia escondido do patrão, conversamos sobre as mulheres e eu disse que nunca vou saber nada delas e que por isso não vou enlouquecer. ele me mostrou uma fotografia de uma garotinha no colo de uma moça loira, eram suas mulheres. e eu saí de lá com um vento solitário que batia na minha cara e que daria um blues, um tipo de despedida. caminhei contando os passos e contando o dinheiro que sobrou e numa esquina ouvi uns gemidos e passos e o guinú veio pra cima de mim numa velocidade incrível.


lembro de chegar em casa horas depois. acho que desmaiei. alguém me colocou na cama. alguém que arrumou malas e problemas enquanto eu dormia. e foi embora.

pensei em Deus, e ele criou as mulheres pra que não perdessemos a fé, e então nos fodemos, todos. quando conseguir me levantar daqui volto naquela farmácia pra perguntar pra rapazinho tarado se alguém realmente compra todo tipo daquelas camisinhas e se ele pensa em Deus e no diabo e se ele tem idéia de quanto tempo temos até ficarmos velhos no tempo certo.

21.5.10

uma menina geminiana

Lembro do dia que encontrei a Katia e ela me disse "menina, tô grávida! lembra que eu tava passando mal aquele dia? tô grávida!" com um sorriso na cara que me encheu de alegria.
A azeitoninha já ganhou o carinho de todo mundo. Uma menina geminiana, a irmã caçula, a primeira filha! Marilia!
E ela nasce na terça-feira, dia 25 de maio, e eu não vejo a hora de conhecer essa mocinha.

20.5.10

David Goodis

“você me enrolou e me deixou chateada ontem com a história do último trago… não por conta dos 10 últimos infindáveis tragos, exatamente… mas porque ontem você não poderia ter tantos tragos e minha companhia ao mesmo tempo… eu te disse que precisava descansar, te expliquei todos os motivos e como seria se eu dormisse na sua casa… e te propus que eu fosse embora pra que você ficasse a vontade pra tomar todas as suas doses… você não quis… e acatou a minha condição… e então eu optei por me complicar toda e ficar do seu lado, porque eu quis… só que às vezes você não percebe essas coisas porque, em um determinado momento, você fica exclusivamente a serviço do seu prazer, querendo que eu te acompanhe, mesmo sabendo que eu não posso… você passa a não me perceber mais… esquece o que combinou comigo por livre e espontânea vontade… eu não tô falando que você não deve fazer o que você quer, nem pedindo que você abra mão de nada pra ficar comigo ou atenda as minhas necessidades… só que você tem que saber que, às vezes, não dá pra ter as duas coisas ao mesmo tempo, saber que você não vai conseguir abrir mão do que você realmente quer fazer – que ontem era matar uma garrafa de whisky – pra priorizar o que eu preciso, e saber a hora de me deixar ir embora… eu sei que você não faz de propósito ou por mal… tô te falando isso porque não é a primeira vez que acontece… e me deixa com um nó na garganta… e eu não quero ter nós na garganta acumulados com você, porque eu quero ficar do seu lado… ainda assim, você me desarma só com o seu cheiro… bem feito pra mim… quem procura, acha… tô com saudade”



Li esse trecho no blog do Fabio, eu parei de respirar na hora, isso sempre acontece quando leio coisas que poderiam ser tiradas das lembranças dos últimos meses, o meu pulmão endureceu e parou de inflar. Só uma pessoa vai entender o lance com o meu pulmão, extamente como aconteceu no domingo quando quase caí naquele buraco imenso, deu uma alegria doída pensar naquilo posando na sombra, a minha mão tava suando, não foi exagero, foi reconhecimento (daquilo - eu - que tava ficando pra trás). Hoje, quando eu acordei, abri o olho bem devagarinho com medo de alguma coisa ter mudado, e tudo estava lá, e as coisas ainda estão tortuosas, mas estão aqui dentro, a dor não consegue me enganar. Não foi um trato, foi um recomeço, e foi diferente.

pela manhã

E então você acorda e suas roupas não estão lá, em cima do criado mudo um bilhete com a caligrafia que você já conhece. Tudo parece ter congelado naquela madrugada e você não sente frio sem roupas, sua pela arrepia, seus dedos doem e ficam azulados nas pontas, mas você continua não sentindo frio. Você sai da cama e olha em volta, não reconhece o tempo que passou até ali, não recorda do rosto que tinha na noite anterior, e isso causa um tremor. No bilhete repousado talvez alguma explicação e, talvez nada fosse mais do mesmo jeito. Não faria a mínima diferença o que tinha ali, e você rasgaria aos mil pedaços e colocaria com cuidado embaixo da língua. E sobre tudo aquilo que está feito mastigaria devagar, ainda olhando em volta, procurando um cheiro parecido com aquele grudado na sua pele. E então você recorda de um rosto, e algumas palavras se encaixam com as memórias, aquele gosto na boca te faz sentir um calafrio, suas pernas tremem, você pisca duas vezes bem rápido, ainda não sente frio, você sente saudade. Ainda.

18.5.10

Descanse em Paz


Quando o vi pela primeira vez eu fiquei assustada, ele tava fazendo um olhar maligno, tremendo o olho no canto, e logo em seguida estourou numa gargalhada tão alta e tão solta que ninguém naquele quarteirão conseguiu evitar dores na barriga de tanto rir. Casa nova agora, farão uma festa no céu! Aquela gargalhada estrondosa vai continuar ecoando aqui... E o céu vai ficar muito mais divertido, com certeza!
Tchau Cesana, fico feliz por ter cruzado contigo por aqui, e por ter sido chacoalhada pela tua alegria, só vou me lembrar de você assim!
O velório será no Cemitério São Pedro, na Vila Alpina, a partir das 13h, o corpo será cremado as 16h.

13.5.10

DOMINGO 16/05/2010

Este resumo não está disponível. Clique aqui para ver a postagem.

5.5.10

Sentou na cadeira mais confortável do café, um lugar bonito, cheio de quadros e mesas com toalhas, cheio de gente nenhuma, garfos pequenos e grandes, brilhantes como os olhos daquela mulher de pernas cruzadas em xis. Se esperava por alguém então devia ser um tipo bem jogado, um tipo do qual uma mulher esperacorajosamente, ou músico ou poeta, porque homem ideal não se atrasa e prefere restaurantes, contas absurdas, bebida ruim e piada sem graça, a pior espécie. Alguém marcaria um adeus no meio do dia? Porque um adeus no meio do dia não é adeus de verdade, não pode ser pra uma mulher com aquela cicatriz quase escondida abaixo do queixo. Talvez estivesse ali desde menina, a cicatriz. Talvez desde a infância suas pernas estivessem cruzando caminhos mais dolorosos, em tardes como essa, esperando algo que nunca chega inteiro na metade do dia, coisas que não podemos comprar em lojas de departamentos, aquelas coisas absurdamente lindas que a gnete enfia no bolso e esquece. Respirando devagar, fingida, socando lágrima dentro da cara, virando páginas de uma revista da qual nem faz idéia ter retirado da prateleira. Olha o relógio, vira o pescoço pra observar qualquer coisas invisível, ao lado, deixando a mostra os brincos pendurados numa orelha pequena, orelha que eu morderia com afeto de um desconhecido. Lá fora carros ultrapassando semáforos nervosos, lavadores de carro uivando pra universitárias deliciosamente carentes que exibem seus cadernos e seus decotes numa avenida que nunca pára. O relógio no pulso moreno parece falhar, aperta os olhos, aproxima o pulso da orelha e suspira, as horas continuam a corrida insana do tempo. Ela tira um batom da bolsa, uma bolsa pequena, surrada, vasculhou secretamente mas sem muito interesse, tirou o batom que esfregou com raiva nos lábios, pequenos, lábios que não queriam compania. Seus pés trocavam de lugar, ela não olhou mais ao redor, nem consultou o pulso, cansou daquela brincadeira com o tempo, com o pensamento. Recostou a cebça e fechou os olhos, eu queria arrancar daquela roupa o corpo moreno da criatura calada que enchia aquela cadeira de carne, de cheiros, de uma imensidão de segredos. Ninguém percebeu os pulmões forçando o ar pra fora, ninguém chegou pra ouvir o que ela tinha a dizer. Talvez fosse a tarde de aniversário dela e alguém deveria ter lembrado disso, eu sabia, talvez aquela bolsa surrada estivesse cheia de desejos, ou de desculpas. Levantou esticando as pernas, ajeitou a calça nas coxas, riu de alguma coisa que só ela viu. Eu ri também, logo que se mexeu pra ir embora, e quando ela ficou de pé os cabelos serpentearam pelo ombro e um botão da blusa caiu, tinha uma tatuagem no seio, alguma coisa bonita, tão colorida, alguma coisa que se perdeu por aí.

22.4.10

Charles Bukowski

jogue os dados

se você for tentar, vá até o
fim.
senão, nem comece

se você for tentar, vá até o
fim. isso pode ser perder namoradas,
esposas, parentes, empregos e
talvez sua cabeça

vá até o fim . isso pode ser não comer por 3 ou
4 dias.
pode ser congelar em um
banco da praça.
pode ser cadeia,
poder ser o ridículo,
chacota,
isolamento.
isolamento é a benção.
todo o resto é um teste na sua
resistência, de
quanto você realmente quer
fazer aquilo.
e você vai fazer
independente da rejeição
e das piores dificuldades
e será melhor do que
qualquer outra coisa
que você possa imaginar

se você for tentar,
vá até o fim.
não existe outra coisa que vá te fazer sentir,
isso. você estará sozinho com os
deuses
e as noites se inflamarão em
chamas.

faça. faça. faça,
faça.

até o fim.
até o fim.
você guiará sua vida direto para
o riso perfeito, é a única boa briga
que existe.

19.4.10

alô!

oi!

ALÔ???

vamos ficar nisso até quando?

geralmente respondem com uma apresentação...

viu o recado?

ouvi

e?

ouvi, já disse

então estava esperando que eu ligasse

não, eu queria que ligasse, mas não fico esperando por isso como se acreditasse mesmo nisso

vai começar a dizer que eu tô sempre errado, não vai?

você tirou de mim esse oficio, eu não comecei nada dessa vez

e agora?

você me ligou, e eu tô tentando fingir que tô indiferente, mas você me conhece até ao avesso, não é?

é

e vai me pedir desculpas?

...

quando sai o seu ônibus?

hoje a noite

ja é de noite

depois das onze, só

então ainda não é noite pra você?

é, mas ainda não é noite de verdade

tô com fome

hum...

você disse, no recado, que ligaria ontem, mas eu sabia que não ia ligar, porque me daria tempo de descobrir seus horários sem precisar te perguntar e iria me despedir na rodoviária

você faria isso isso, mas eu disse no recado que partiria hoje, eu disse até o número do código de barras da minha passagem

você não disse

falei sobre saudade, no final, você desligou rápido, então?

...

vai comer o que?

pipoca, com catchup

você sabia que eu ligaria, e ficou esperando ao lado do telefone, e não comeu nada até agora por ansiedade?

me pegou

sério?

peguei você!

volto em quinza dias

mentiroso

volto em quinze dias, quer apostar?

você não paga as apostas, tá me devendo a outra ainda

se eu voltar, deixamos elas-por-elas então

se?

não posso criar um suspense?

você é ruim pra isso

fica mal educada quando está com fome?

hahaha!

adoro essa risada...

volta mesmo, né?

em quinze dias

ainda não comi nada, e se eu ficar doente?

se ficar doente não queira me encontrar, tenho nojo de nariz escorrendo, e essas coisas

covarde

manhosa

eu posso ficar manhosa, eu vou ficar aqui sozinha, me deixa em paz

não vai, eu te ligo, mando e-mail, se quiser tento me materializar todas as noites pra sua casa

e vamos começar a discutir como loucos

vamos!

sabe a diferença entre algo importante e algo urgente?

a definição correta, do dicionário?

quando algo é urgente precisamos resolver imediatemente, pode causar sérios problemas, mas não nos interessa completamente, falo de urgência como algo que permanece externo... quando algo é importante não precisamos, nem conseguimos, agir só com rapidez, porque é algo que vale tanto a pena, é algo que muda tudo, algo que sai da gente com certo sofrimento, mas é uma coisa estranhamente boa...

você é importante pra mim

volta logo, tá?

come direito! e pára de pensar em tantas coisas ao mesmo tempo, acaba esquecendo de pensar em você

eu sei, vou fazer as coisas de outro jeito

preciso ir, ainda preciso passar uma camisa

e se esquecer o ferro ligado em cima da cama?

não vou esquecer

vai esquecer de mim?

não me lembro de como as coisas eram antes de você...

volta em quinze dias, boa viagem!

um beijo, menina

escuta...

eu que vou dizer isso, mas na volta...

o que falou sobre saudade naquela mensagem?

que sinto falta de algo muito imortante pra mim

tchau

tchau, um beijo!

um beijo de boa viagem!

15.4.10

Tô me retorcendo filhadaputamente pra desfazer esse nó, não importa o tipo do nó, ele tá aqui e tá sufocando. Tô indo e voltando do inferno, sete vezes ao dia, as vezes oito. Remorso, tenho topado com ele todas as manhãs, é um cara feio, baixinho, escarnece com dentinhos podres, cospe no chão e não te larga, ele não vai embora com um pedido educado, ele não vai.

Quando cansa pensar já é hora de acordar e sair de casa, trabalho, rua, ''olás!" desinteressados. Fodeu. Aquele pedacinho que eu tinhaa agarrado com toda a força, aquele pedacinho cru de alegria que me fazia querer gritar todo o sentido das coisas, porque havia um sentido em todas as coisas e eu via naquele pedacinho cru, esmigalhou-se, assim como o meu coração, que não é só músculo. Assim como o desespero de não ter mais a sua sombra com a minha por aí. Assim como o medo de ficar tão sozinha quanto essa sombra. Assim como a falta de coragem pra voltar lá, de ouvir tudo aquilo, de encarar todos os defeitos, todas as falhas, de encarar você sem poder te dizer que eu te amo pra sempre. E sinto tanta falta de poder dizer isso sem cercar de dúvidas a nossa vida, a nossa cama, a nossa salada de tomates. Não tenho um diário, mas se tivesse um hoje começaria a escrevê-lo assim acabou, então...

9.4.10

ouvi passos no segundo andar, passos de fuga. passos tão assustados quanto fiquei aqui, embaixo, esperando os gritos ou a polícia. e se vierem armados, fico olhando por trás da cortina, não confio neles. ela quando veio morar aqui não usava vestidos acima dos joelhos, acho que o marido não gostava de discutir com tantos bêbados que se apaixonavam por sua magrinha esposa. eu me apaixonei por ela no segundo exato quando nos cruzamos na porta da frente do prédio, ajudei com umas caixas, ofereci uma bebida no meu quarto e declarei logo que morreria por ela. me chamou de louco, riu do meu choro de bebê e nunca mais nos falamos. hoje ouvi passos mais agitados. costumo me sentar na cadeira no fim da tarde, antes das seis, e no meio do silêncio sepulcral do meu quarto surgem os passos dela, passos que vão até o banheiro pra fazer xixi, imagino sua calcinha úmida, conto seus passos até a cozinha e pelo cheiro, que as vezes invade o meu andar inteiro, sei que ela toma muito café. os banheiros são empilhados nesse prédio, tomamos banho juntos, ela lá em cima nuazinha, ensaboando o corpo pequeno, tão magrinha, tirando meu ar, me fazendo sofrer aqui embaixo, sozinho e pelado, com uma espinha inflamada na nádega. tão adoráveis seus passos até o quarto, o barulho da cama no assoalho, ela se deita antes de se vestir. deve ficar entediada, deve pensar que o marido não gosta dela tanto quanto diz, deve pensar em mim, o vizinho louco que não sabe nada do amor. e fica lá deitada, sem roupa, com a pele trêmula, pensando em quão infeliz está e quanto tédio cabe num apartamento de três cômodos. deve ter se enforcado com o lençol, sem nem ao menos pensar em vestir-se. agora o marido está preocupado com a polícia. ele tem aquela cara de marido, mesmo, deve ter outra família, talvez no interior, um filho de sete anos que joga no time dos moleques do bairro. uma esposa treze anos mais velha e cansada demais pra reclamar sua ausência. paga dois aluguéis e agora vai economizar um bocado, o que vai fazer sua mulher e seus filhos do interior um pouco mais satisfeitos. mas com a polícia a coisa não vai ser tão fácil, eles vão querer saber de tudo, vão vasculhar a casa e vão olhar os bicos dos peitos frios da minha amada debaixo de um lençol, gelada, roxa, com os lábios cerrados. ela não vai poder contar a eles que era infeliz demais ali, que tinha sonhos, que tinha poucos anos, que gostava da andar pelada em sua casa. ela deve agora estar satisfeita, talvez pense um pouco mais no nosso amor agora. não vai ter chance nem de se defender quando um deles, os policiais, perguntarem se estava louca. o marido assustado, com o cú virado pra dentro de tanto medo, vai dizer que não está surpreso, vai falar de médicos, vai chorar aliviado fechando a porta e acertando uns trocados. eu não ouço mais nada agora, e esse silêncio é o pior ruído desse lugar.

23.3.10

topa?

As minhas malas estão prontas, aprendi a dobrar camisetas sem amassar as estampas. Sempre amassei todas as estampas, todos os bilhetes enfiados nos bolsos e todos os ingressos de cinema daqueles filmes que a gente assiste da terceira fila, sétima poltrona da direita pra esquerda. As minhas mãos estão prontas pra engatilhar um aceno assim que eu avistar você do outro lado da avenida. Você e seu jeitão de menino católico, religiosamente penteado e cheio de medos e raiva e cheio de trinta e dois anos. Estamos de malas prontas. Eu sou a outra parte da história agora, eu sempre achei a outra parte a mais legal de qualquer história, mas não a parte ruim, você sabe, aquela que a gente fica só imaginando, antes do final. Decidi mascar chicletes com a mesma cara de quatorze anos e espinhas e paixões e delírios. Ela chegou numa boa hora, a tranquilidade. Essa senhora manca, exausta e bem humorada. As malas ficam aqui, comigo, com meus cadarços desamarrados e o maço de cigarros. Divido a grana do ônibus com você, quer? Divido o peso das malas e das brigas e a gente tenta desembarcar num lugar diferente de qualquer outro que a gente tenha imaginado, ou não, até aqui. Onze anos é um bocado de tempo, onze anos é tempo demais pra ficar longe. As preocupações estão bem arrumadas ao lado das calcinhas. Aquelas de mulher louca, de menina romântica, de amiga secreta, de vadia perdida, de prima do melhor amigo, de ex-namorada, de recepcionista esquisita. Estão todas com o cheiro das tuas gavetas invisíveis.
Podemos esperar a noite ficar bem preta e sair correndo sem ninguém perceber nosso riso infantil e esquizofrênico. Aposto uma corrida com você essa noite.