21.8.09

Alguns amigos já escreveram hoje sobre a madrugada estranha de sexta-feira. Hoje não é dia 13, mas as bruxas já se anteciparam e estão por todos os lados deslizando em suas vassouras. Eu já cruzei com algumas delas, muitas delas, todas elas passaram por mim com o dedo médio esticado. Algumas moram em pensionatos, dentro das paredes e gritam a noite toda. Outras falam alto e as vezes conseguem tirar a gente do sério. Outras querem te agradar sufocantemente. Todas essas, bruxas. E quando resolvem voar todas juntas, a noite pode ficar blue pra caralho (né, Marina?). Copos estilhaçam por cima de nossas cabeças, mas o estrago maior vem com o tempo, aquele amigo que falou mais alto, que acusou o mundo e a si mesmo por tudo, aquele amigo que se expôs ao avesso, ao outro que deixou espaços demais entre um "pontapé" e aquele abraço. Algumas aparecem com coletes e pranchetas e multam a fumaça do nosso cigarro.
E a madrugada foi arrastando suas correntes e as bruxas rodopiavam insandecidas. Será que só sobre nossas cabeças?
E tudo foi ficando mais sereno, as pessoas começaram a falar, a dar risadas, os infames continuaram infames, os mais calados cantavam baixinho. A chegou e me cantou uma música nova que ela tá fazendo, muito bacana. Daí a gente fez mais umas duas músicas que eu não vou lembrar e ganhamos algum prêmio por estarmos ali naquela hora. Ou por nossas letras bêbadas geniais!
Eu saí de casa pensando no caminho que eu fazia a pé do meu trabalho até a avenida paulista quase todo santo dia, a quatro pernas, dois sorrisos e aquilo que tem me feito mais falta. E eu no meio da noite escura que passava por mim...
E quando o Mario escreveu isso aqui "E eu espero que tudo realmente fique bem pra todos nós. Porque na verdade todos nós merecemos. Sabem porque? Porque todos nós somos gente boa. Não devemos julgar ninguém. Vamos simplesmente deitar nossas cabeças em nossos travesseiros e acreditar que apesar de sermos todos imperfeitos pra caralho, nós só queremos o melhor pra todos. Acho que é um jeito bom de ver as coisas." Acho que não se referiu apenas a essa tal madrugada estranha de sexta-feira.
E deixo aqui as palavras do meu Amigo Pierre "Da minha parte, preciso desses amigos para não afundar de vez. Sinto que muita vezes não consigo mais me manter na superfície, nessas horas dá uma vontade louca de desistir. Depois passa, tudo passa.Um brinde a todos esses Amigos que são minhas bóias. Saúde e Vida Longa."

20.8.09

Era só uma calcinha, ela disse limpando a boca com um lenço borrando o batom na frente do espelho. E calcinha é tudo igual, todas tem o mesmo cheiro e o tamanho e a cor e tem algumas com estampas e outras não, ela ia falando sem notar meu desapontamento, aquele lenço me cortava o coração.
Acordamos antes das onze, como de costume em todos os finais de semana, acordamos e ela já foi se enfiando debaixo do cobertor. Segurei seus cabelos, não era uma cena bruta, pedi que fôssemos tomar um café com leite em algum bar próximo. Você não quer? ela me enfiava aquele olhar de súplica de mulher, nuazinha, estiquei o braço até a cortina e escureci um pouco suas costas. Descemos ainda transpirando a madrugada anterior, a muitas madrugadas. Pedi um café com leite, pão com manteiga, ela preferiu café com conhaque e pão de queijo, mas o que tínhamos no bolso só deu pra dois cafés puros, voltamos pra casa.
A casa é um quarto que servia de depósito numa loja de produtos elétricos. O dono é um velho religioso, aparenta mais que sessenta anos, o que eu deduzo pelas rugas pois nunca perguntei. Nada de drogas e prostituas, foi tudo que ele me disse depois de me cobrar o primeiro mês. Primeiro um portãozinho estreito que dá pra um corredor estreito, comprido, depois uma escada em caracol, e meu lar. Ela veio pra cá depois de nos estapearmos num bar que agora nem me lembro ao certo qual foi, acordei e ela estava aqui com aquela calcinha e aquele cheiro. Nos casamos em frente a igreja numa noite louca de cigarros, me lembro de algumas drogas e muita bebida paga por alguém que descobriu isso com atraso. Eu aceito, eu disse, sim, ela respondeu. Na primeira briga depois do nosso casamento ela me aparece sem aquela calcinha que eu gosto tanto de vê-la usando, a sua calcinha sumiu, minha favorita, e o que ela me diz é que é só uma calcinha, essa diaba.
Tive uma alemãzinha que gostava de me preparar o jantar todas as noites, ela vinha com sacolas de supermercado, e suas fantasias, ela cozinhava como uma mãe cheia de temperos e sorrisos lançados pra mim, na poltrona, sempre sujo e mal humorado. Trazia comida e aquela bunda cheia de meus dedos. E eu comecei a esperar que viesse, as vezes eu tomava um banho e lavava os pratos da noite que passou, mas uma hora ela parou de vir, e nunca telefonou. Algumas pessoas não voltam, outras se vão.
Tenho uma mulher que perde calcinhas. Do está falando? limpando a boca com o lenço, não é nada, é o que eu vou lhe dizer beijando-lhe o pescoço pela última vez.

17.8.09

não é a cor da porta do seu armário que me incomoda. nem as chaves que você sempre esquece. nem me incomoda quando você repete aos gritos tudo aquilo, sobre aquilo, numa daquelas nossas brigas. é irremediável, mas não definitivo. não são as suas mãos cheias de dedos, isso nunca vai me incomodar. não são as horas que demoram a correr no relógio, nem a falta de assunto nos programas de tv. não são as crianças correndo na rua, bicicletas, patins. não é o futebol nem a fórmula 1. nem meus pais e suas trovoadas, nem a minha família enquadadrada num único porta retrato. não me incomoda ficar em pé num ônibus lotado, no metrô abafado, e as pessoas com pressa, e as pessoas sempre com tanta pressa que não veêm a vida passar. não são os clichês que me incomdam, você sabe disso.
nem a fila da padaria, mas a fila do banco entre os dias cinco e oito sim, me incomoda. não é o cara que olha desconfiado no corredor do supermercado, nem o outro cara que chega primeiro na melhor vaga do estacionamento desse supermercado. a conta no bar não incomoda, pelo menos não a mim, nem o tédio do garçom numa quarta-feira quase morta, pelo menos não pra mim.
não me incomoda o copo cheio, não me incomoda a mesa cheia dos amigos de sempre. nem o tédio, o inverno, o trânsito. não é o fato de que tudo pode dar errado, não é que tudo tenha que dar certo o tempo todo. não são gatos derrubando telhas, cachorros latindo, donas de casa exaustas, tensas, apaixonadas. nem minha mãe telefonando pra perguntar "tá tudo bem?". não é o maço quase vazio, não é o troco que sempre vem errado.
não são as pessoas que insistem em subir e descer escadas pelo lado esquerdo atrapalhando quem vem, não é a ignorância de algumas pessoas que encaram tudo de punhos cerrados, sempre, não. nem cartões de crédito, nem contas de água vencidas empurradas por debaixo da porta. não é o tempo que a água demora pra passar pelo filtro quando a gente coa o café.
não é o barulho do meu estômago vazio as quatro da manhã quando chego cambaleando e sorrindo sem motivos. não é a casa diferente, as roupas sempre as mesmas, a comida saudável que eu nunca como, não é o recente desejo de ter uma máquina de lavar.
não é a solidão que me incomoda, é a ausência daquilo que caiu e quebrou. não é o vazio dos bolsos, o que incomoda tá do lado de dentro, o que incomoda eu não consigo dizer, nem escrever, o que incomoda é exatamente isso, a covardia, minha.