12.3.09

"Eu não sabia que o mundo era bem melhor que a minha casa, senão tinha ido antes" - Rubens K (aqui)
Quando eu nasci morei um dia numa casa lá no Jabaquara, foi um dia só e no outro eu já estava num bercinho na casa que cresci e enlouqueci. Lembro de como a casa era pequena e de como foi ficando bonita com as reformas que meu pai foi fazendo, subindo paredes, colocando janelas. Eu ganhei um quarto só meu e meus irmãos dividiam o quarto azul. Eu gostava tanto daquela casa, dos vidros coloridos da porta da sala, da escada que ia pro meu quarto com aquela janela alta que deixava a luz invadir tudo. Gostava de ter espaço e de ter portas pra fechar quando alguma coisa me fazia mal. Era só fechar a porta e pronto, eu conseguia ficar sozinha com meu rádio.
Mas chegou uma hora, e não consigo me lembrar quando aconteceu, que tudo aquilo pra mim foi tornando-se insuportável. Cada cômodo me incomodava. As paredes eram feias e emboloradas demais pra que eu tivesse ainda vontade de ficar encarando do sofá.
Meu quarto já não era só meu, minha cama começou a dividir espaço com outra cama, portas batendo com fúria, coisas se estraçalhando contra paredes. Nenhuma música me fará esquecer esses sons. Cada minuto fora daquela casa me fazia bem, ou não, mas cada minuto fora dali era o que eu mais queria.
Eu senti uma tristeza tão filha da puta quando percebi que eu não poderia mudar aquilo, que aquelas pessoas não mudariam e eu não conseguia mais me comunicar com elas. Foi quando comecei a enlouquecer, foi gradativa a coisa.
Depois uns trampos de merda, salários de merda, eu com 17 ou 18 anos e já essa ânsia em mudar tudo e me foder, ou me dar bem, eu só queria saber como deixar de fazer parte daqueles álbuns.
Daí eu conheci alguém que gostou de mim, e que me deixou gostar dele desse meu jeito. Alguém que sabia que eu tinha muitas mágoas aqui dentro e que eu não conseguia separá-las da minha vida, porque agora sei que elas não são parte da minha vida, não completamente. E fomos construindo alguma coisa que não sabíamos do que chamar, fomos entrando um dentro do outro, fomos caminhando trocando as pernas como naquela música do Chico. Eu fazia planos, eu queria dividir parte desses planos e nada acontecia. Comecei a colher minhas próprias cicatrizes, e mergulhar em minhas loucuras, embriagar os tais sonhos, e cada vez mais longe daquela casa e daquela vida estranha que nunca consegui chamar de minha.
Alguns anos correram, eu mandei um emprego à merda, mandei tomar no cú com tanta felicidade que quase chorei. Eu aprendi coisas na noite, eu tive coragem de assumir pra mim mesma algumas outras. Descobri que amor não acaba, que ele fica sempre aqui dentro, que ele acontece só uma vez, mesmo que só cause encrenca.
Hoje acordei e encarei paredes diferentes, senti saudade da minha mãe por motivos que eu não vou contar aqui, abri a geladeira e tudo é tão diferente agora. Escovei os dentes enfiando meu olhar no rejunte dos azuleijos do box, são de outra cor. Pensei em produtos de limpeza, em roupas sujas, em macarronada com azeitona e milho verde. É outra casa que talvez eu não tenha escolhido, não foi um plano, e eu tô me sentindo feliz ali, mesmo que as coisas ainda não estejam bem certas pra todas as pessoas. Porque algumas pessoas estão metidas, de algum jeito, nisso.
Hoje quando eu acordei eu estiquei meu braço e bati na cabeça dele, ele se revirou e resmungou alguma coisa, ele fala dormindo. Eu pensei nas minhas escolhas, e abri um sorriso, um sorriso bem idiota e meio torto, meu olho nem tava abrindo direito, ele abriu os olhos e disse que eu tava atrasada, eu fui correndo pro banheiro, foi quando fiquei encarando azuleijos.
Não sei se está tudo bem comigo, mas posso adimitir que as coisas estão bacanas pra mim. Tenho tido poucas horas de sono, sim, mas isso é escolha minha, e dessa vez não me sinto cansada. Vinte anos e trezentos e sessenta e quatro dias depois.