1.2.10

Ela levantou-se devagar empurrando a cadeira cuidadosamente para trás. Se escondia num vestido justo de pano azul marinho. Estávamos calados ha algum tempo, ela mexia nos cabelos e ajeitava os peitos dentro do sutiã. Percebi que seu pescoço é comprido, e sua língua tão pretensiosa. Segurei seu braço e lembrei que não tinha dinheiro, o que não era nenhuma novidade pra ela ou pra qualquer outra pessoa que me conhecesse por pelo menos duas esquinas. Seus lábios vermelhos de batom crisparam, talvez de amor, e revirou a bolsa pequena que combinva com o vestido, e com todo o resto de sua vida, atrás de algum trocado. Jogou o dinheiro sobre a mesa enquanto tragava lentamente um gole do meu conhaque. Tudo passava do limite. Conferi a conta, o dinheiro, pedi outra dose enquanto ela ficava me olhando do alto tentando dizer alguma coisa ou me matar. Nunca disse que seria fácil encontrar alma dentro desse corpo. Senti uma constrangedora emoção quando uma moça entrou pela porta pequena e foi direto ao telefone perto do corredor nos fundos. Uma moça jovem, devia ter uns vinte e seis anos analisando sua cintura e sua pequena bunda redonda. Ela não olhou pra ninguém, não parecia estar atrasada pra um encontro, talvez não houvesse encontro algum. Levantei da minha cadeira e percebi que os olhos equilibrados sobre aquele vestido azul ainda estavam ali, não perceberam o que acabara de acontecer. Eu havia me apaixonado. Sorri e devolvi o troco, ofereci mais conhaque numa desesperada tentativa de dizer adeus. Mãos femininas sabem esbofetear com precisão científica. Acertam naquele lugar que a gente nunca lembra que existe, não é só um golpe físico. Nunca mais vamos nos ver depois disso, porque há também o orgulho e o cansaço, tem uma menina telefonando próximo ao corredor nos fundos. O amor da minha vida emoldurado por uma pequena bundinha redonda.

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